A URGÊNCIA DO PAZ E BEM DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
No nosso país, dentro de um ambiente de muito ódio, destruição de biografias e mentiras de todo tipo, vale recorrer ao espírito de São Francisco de Assis, à sua famosa oração pela paz e à sua saudação de Paz e Bem.
Era um ser que havia purificado seu coração de toda a dimensão de sombra, tornando-se “o coração universal… porque para ele qualquer criatura era uma irmã, unida a ela por laços de carinho”, como escreveu o Papa Francisco em sua encíclica ecológica (n.10 e 11). Por onde quer que passasse, saudava as pessoas com o seu Paz e Bem”, saudação que ficou na história especialmente dos frades que começam suas cartas desejando Paz e Bem.
São Francisco optou por viver o evangelho puro, ao pé da letra, na mais radical pobreza, numa simplicidade quase ingênua, numa humildade que o colocava junto à Terra, no nível dos mais desprezados da sociedade, vivendo entre os hansenianos e comendo com eles da mesma escudela.
A despeito de todas as pressões de Roma e as internas dos próprios confrades que queriam conventos e regras nunca renunciou ao eu sonho de seguir radicalmente o Jesus pobre, junto com os mais pobres.
A humildade ilimitada e a pobreza radical lhe permitiram uma experiência que vem ao encontro de nossas indagações: é possível resgatar o cuidado e o respeito para com a natureza? É possível uma sociedade sem ódios que inclua a todos, como ele o fez: com o sultão do Egito que encontrou na cruzada, com o bando de salteadores, como lobo feroz de Gúbbio e até com a irmã morte?
Francisco mostrou esta possibilidade e sua realização. Ao fazer-se radicalmente humilde. Colocou-se no mesmo chão (húmus= humildade) e ao pé de cada criatura, considerando-a sua irmã. Inaugurou uma fraternidade sem fronteiras: para baixo com os últimos, para os lados com os demais semelhantes, independente se eram Papas ou servos da gleba, para cima com o sol, a lua e as estrelas, filhos e filhas do mesmo Pai bom.
A pobreza e a humildade assim praticadas não têm nada de beatice. Supõem algo prévio: o respeito ilimitado diante de cada ser. Cheio de devoção, tirava a minhoca do caminho para não ser pisada, enfaixava um galhinho quebrado para que se recuperasse, alimentava no inverno as abelhas que esvoaçam por aí, famintas.
Não negou o húmus original e as raízes obscuras de onde todos viemos. Ao renunciar a qualquer posse de bens ou de interesses, ia ao encontro dos outros com as mãos vazias e o coração puro, oferecendo-lhes apenas a Paz e o Bem, a cortesia e o amor cheio de ternura.
A comunidade de paz universal surge quando nos colocamos com grande humildade no seio da criação, respeitando todas as formas de vida e cada um dos seres, pois todos possuem um valor em si mesmos, antes de qualquer uso humano. Essa comunidade cósmica, fundada no respeito ilimitado, constitui o pressuposto necessário para fraternidade humana, hoje abalada pelo ódio e pela discriminação dos mais vulneráveis de nosso país.
Sem esse respeito e essa fraternidade, dificilmente a Constituição e a Declaração dos Direitos Humanos terão eficácia. Haverá sempre violações, por razões étnicas, de gênero, de religião e outras.
Este espírito de paz e fraternidade poderá animar nossa preocupação ecológica de salvaguarda de cada espécie, de cada animal ou planta, pois são nossos irmãos e irmãs. Sem a fraternidade real nunca chegaremos a formar a família humana que habita a “irmã e Mãe Terra”, nossa Casa Comum, com cuidado.
Essa fraternidade de paz é realizável. Todos somos sapiens e demens, mas podemos fazer com que o sapiens em nós humanize nossa sociedade dividida que deverá repetir: “onde há ódio que eu leve o amor”.
<
p style=”text-align: justify;” align=”justify”>Leonardo Boff – Filósofo. Teólogo. Escritor. Excerto do livro Saber Cuidar. 18ª Edição. Editora Vozes. 2012.