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Aguardando a Benção do Dono das Águas 

AGUARDANDO A BENÇÃO DO DONO DAS ÁGUAS

Aguardando a Benção do Dono das Águas 

No dia 2 de dezembro tentamos subir o Jordão, mas o rio estava tão seco que acabamos esperando. Getúlio veio muito sério conversar conosco: disse que era para aguardarmos mais um dia, porque ele ia conversar com o “Guardador das Águas”, para ver se ele “atendia”…

Por Virgínia Barbosa Gandres

Mediante comunicação tão séria e sobrenatural, desistimos de partir e esperamos, conforme Getúlio nos orientou. Nesses momentos precisamos ter muita delicadeza, muita atenção e, principalmente, acreditar no que um Cacique de tal Quilate te fala!

À tarde, toda a equipe e várias pessoas da aldeia foram do outro lado do rio, no roçado, colher folhas de Waka, para preparar bolas de Tingui. Batemos as folhas por mais de duas horas, em buracos cavados no chão de barro.

Depois caminhamos rio acima por uma hora, para jogar no rio as bolonas de Tingui. Foi uma tarde inesquecível, trabalhamos duro, participando do verdadeiro dia-a-dia Huni Kuin! Os Kaxinawá, como eram conhecidos nos anos 80…

Quando voltamos para casa já era noite e estava frio, e apesar do cansaço uma enorme alegria contagiava a todos, pois cada um de nós carregava pequenos caldeirões cheios de peixe.

Enquanto fomos banhar, os peixinhos eram cozidos e fritos, e foram servidos com uma macaxeira derretendo, amarelinha, da cor da gema do ovo.

Durante a madrugada Getúlio conversou de novo com o “Dono das Águas” e funcionou: do nada surgiu uma chuva MUITO FORTE, quase assustadora!!!

Acordamos na manhã seguinte, dia 3, com o Jordão totalmente inundado. Era outra paisagem! De repente, era como se eu tivesse sido transportada para outro lugar… eu já estava dentro de um novo “filme”, e tudo era muito surrealista e verdadeiro ao mesmo tempo.”

HuniKui Historia
Professores Norberto Tenê e Tadeu Siã (foto: Aitor Salsamendi)

ANOTE AÍ:

Este texto de Virgínia Barbos Gandres faz parte do projeto Diários da Amazônia: A Viagem e Os Huni Kuin – Abraço Primitivo, em fase de produção para se tornar um livro sobre suas experiências no coração da floresta amazônica. As fotos deste capítulo são de Nicole Allgranti.

O  projeto Diários da Amazônia conta com o apoio de Adriano Domenico Siciliani, Ana Luisa Anjos, Andrea Pontual, Cecilia Grosso, Ernesto Neto, Fernanda Finamore Simon, Jörgen Skjelsbæk, Marcia Andrade, Marcio de Andrade, Maria Nepomuceno, Mario Freire, Max Parnell, e Vanessa Grenier F. Motta.

Virgínia Barbosa Gandres é produtora cultural, cineasta, e um pouco indigenista. Moradora do Rio de Janeiro, Virgínia passa boa parte de seu tempo em visita aos povos da Amazônia, em especial os povos indígenas da região do Alto Juruá, no estado do Acre.

A Xapuri tem o privilégio de conhecer a autora e recomendar seu trabalho. Boa leitura!

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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