Amazônia sem defesa

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São muitos os sinais de deterioração social, política e econômica que se espalham pelo país…

Por Márcio Santilli 

São muitos os sinais de deterioração social, política e econômica que se espalham pelo país. O meio milhão de mortos pela gestão criminosa da pandemia é o mais gritante, mas há uma profusão de armas nas mãos de milícias, produção acelerada de indigentes, devastação ambiental em escala, massacres policiais em favelas e múltiplas ameaças aos direitos e às vidas dos e comunidades tradicionais.

Bolsonaro odeia os indígenas. Jurou não demarcar um centímetro de terra para eles e o seu governo desconsidera a identidade dos que vivem em cidades ou em terras não demarcadas. Acha que os povos originários são “iguais” a nós, no sentido de que não devem manter culturas próprias e nem devem dispor de um plano específico para sobreviverem à pandemia, mas estar sujeitos à contaminação e à morte como o resto do “rebanho”.

Já as terras demarcadas, se não puderem ser “desdemarcadas”, devem ser ocupadas, desmatadas e exploradas por ruralistas, mineradores legais e ilegais, madeireiros, petroleiros, barrageiros e empreiteiros, enquanto as almas indígenas vão sendo contaminadas por pentecostais anti-Cristo. Um genocídio e etnocídio, com usurpação material e espiritual total.

Porém a política anti-indígena está ficando ainda pior. O governo insiste e persiste, teimosamente, na sua sanha assassina, na medida em que se desgasta, perde apoios e forças para manter ministros e políticas contra a saúde, contra o e contra o meio ambiente. Esmera-se em violentar os pobres, os doentes e as minorias, os que não têm defesas, como os quilombolas e os indígenas.

Chegou-se ao ponto do presidente da Funai, que deveria defender os índios e os seus direitos, solicitar à Polícia Federal (PF) que investigue e intime lideranças indígenas, como a Sônia Guajajara e o Almir Suruí, que haviam denunciado o caráter genocida da política anti-indígena e da atuação do próprio presidente.

Guerra na selva

Há três semanas, a violência descambou. Garimpeiros armados, que ocupam e exploram ilegalmente a Terra Indígena (RR), atacaram a aldeia de Palimiú, obrigando os índios a fugirem para o mato. Após o ataque, duas foram encontradas mortas, boiando no Rio Uraricoera. No dia seguinte, mesmo com a chegada de policiais federais, a comunidade voltou a ser atacada. Espantosamente, a PF deixou a área, sem explicações, com os índios ainda sob ameaça. Em seguida, o Exército também chegou a ir ao local, mas igualmente retirou-se. Na sequência, mais uma vez ocorreram novas ofensivas dos invasores.

A violência garimpeira também se agrava na região do Rio Tapajós. A sede da Associação de Munduruku-Wakomborum, em Jacareacanga, sudoeste do Pará, já havia sido queimada no final de março. Na semana passada, após uma equipe da PF, Ibama, Força Nacional e Fundação Naciona do Índio (Funai) iniciar uma operação contra o garimpo ilegal nas terras Munduruku, garimpeiros armados atacaram a aldeia Fazenda Tapajós, queimando duas casas de lideranças indígenas que se opõe à presença dos invasores nas suas terras. Em seguida, as forças policiais repetiram o mesmo roteiro e deixaram a região sem muitas explicações. 

Está evidente que há uma guerra surda entre a PF e o Exército por trás do abandono precoce de posições por parte da primeira, devido à ausência do segundo, que deveria oferecer retaguarda logística para as operações de desintrusão, determinadas pelo STF, para as terras Yanomami e Munduruku. O Exército alega que não tem orçamento para bancar seu deslocamento, mas o Congresso já aprovou uma Medida Provisória para transferir recursos do Ibama para o Exército.

Nesta semana, oito garimpeiros encapuzados, armados com fuzis, atacaram e saquearam uma base do Instituto Chico Mendes de da Biodiversidade (ICMBio) na Estação Ecológica de Maracá (RR), no mesmo Rio Uraricoera, ameaçando de morte alguns funcionários, que fugiram para a . Está cada vez mais evidente que as empresas de garimpo estão sendo comandadas pelo crime organizado, que está se financiando com o roubo de ouro em .

Síndrome assassina

Tudo é muito louco nessas histórias. Enquanto indígenas, servidores públicos e até agentes federais são caçados na selva por quadrilhas garimpeiras ligadas ao crime organizado, o Exército espera, burocraticamente, pela liberação de diárias. Imaginem se o território não estivesse sendo saqueado e destruído, inclusive na faixa de fronteira, com brasileiros sendo violentados. Enquanto centenas de militares ocupam indevidamente funções civis nesse governo, suas funções precípuas de defesa vão sendo gravemente negligenciadas.

Ainda mais louca foi a visita de Bolsonaro à região de São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Amazonas. Pôs os pés, pela primeira vez, em terras indígenas. Primeiro, na terra Balaio, onde inaugurou uma pequena ponte de madeira. Depois, na Yanomami, onde há um batalhão de fronteira próximo à aldeia de Maturacá. O objetivo da viagem foi fazer proselitismo da garimpagem em territórios indígenas. O presidente, que pouco se importa com as vítimas da pandemia, importa-se, menos ainda, com a caça aos índios.

A satisfação presidencial só não foi maior porque as duas principais organizações yanomami locais, a Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), e a Kumirayoma (associação de mulheres), entregaram a Bolsonaro documentos escritos, respaldados por falas de vários líderes tradicionais, contra a presença de garimpeiros na área. Com a maior cara de pau, ele respondeu que respeitaria a posição dos Yanomami, mas liberaria a mineração predatória em outras áreas, ignorando a vedação constitucional existente ao garimpo praticado por não indígenas nessas áreas.

São Gabriel está distante do Uraricoera e do Tapajós, mas a investida do presidente, concomitante ao agravamento da violência garimpeira, e ignorando-o totalmente, revela como a barbárie é a política desse governo.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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