Angela Mendes: Infelizmente, a Covid se espalha pela floresta

Angela Mendes: Infelizmente, a Covid se espalha pela floresta

A ambientalista e primogênita do líder Chico Mendes alerta para o abandono dos povos tradicionais do Acre, que precisam sair do isolamento social para buscar auxílio emergencial e alimentos.

Do site Amazônia Real 


Rio Branco (AC) – Com casos confirmados e suspeitos de coronavírus, as comunidades das (Resex) Alto Juruá e Chico Mendes, no Acre, temem pelo pior. As populações tradicionais da floresta estão sendo obrigadas a se locomover até às cidades ou municípios vizinhos em busca do auxílio emergencial de R$ 600 e das aposentadorias e até mesmo para a compra de mantimentos; as invasões por garimpeiros, caçadores e madeireiros não cessaram. “Infelizmente, a Covid-19 chegou na floresta”, diz a ambientalista e filha de Chico Mendes, Angela Feitosa Mendes.

A chegada da pandemia, que já seria preocupante, traz junto a incerteza, porque não existem números oficiais do contágio para as Resex. Os casos confirmados estão sendo contabilizados pelos municípios que compreendem cada região.

Só na Resex Alto Juruá vivem mais de 8.000 moradores entre tradicionais, não tradicionais e indígenas. Na Resex Chico Mendes, são cerca de 3.000 famílias. Segundo o boletim epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde do Acre, desta segunda-feira (01), o número oficial de pessoas contaminadas é de 6.326 no estado. Já o número de óbitos por Covid-19 é de 161.

A filha mais velha do líder ambientalista chegou a participar dos corajosos “empates”, nos anos 1980, quando e suas famílias se davam as mãos em torno das árvores para evitar a derrubada da floresta. Agora, Angela trava uma para acompanhar o dia-a-dia das comunidades tradicionais por meio do Comitê Chico Mendes. Com o isolamento social, ela tem de recorrer a programas de rádio com grande alcance para saber como está a situação em locais remotos. Sem ajuda do governo federal, a ativista alerta ainda para o início da temporada das queimadas. “Os problemas respiratórios tendem a se agravar e o nosso sistema de saúde está entrando em colapso. Tenho muito medo do que pode acontecer daqui para frente”, afirma Angela, que concedeu a seguinte entrevista exclusiva:

Amazônia Real – Como a senhora acha que o coronavírus chegou na floresta?

Angela Mendes – Os moradores estão indo para a cidade para comprar alimentos. Esse é um dos gargalos que a gente acabou percebendo. As pessoas não estão mais produzindo seu alimento, como arroz, feijão, milho. Estão consumindo muita coisa da cidade. Isso, agora, é um fator que agrava muito a situação porque elas têm que se deslocar para a cidade para comprar alimentos e sacar esse auxílio emergencial, benefício, aposentadoria e outros. Tem um outro fator. As pessoas da cidade estão se deslocando para as reservas procurando essa proteção natural da floresta. Só que corre esse risco de levar o vírus para lá, assim como os infratores, às pessoas que estão desmatando, os garimpeiros, as pessoas que caçam de forma ilegal.

Amazônia Real – Como observa a postura dos governos federal e estadual com relação ao cuidado com os povos tradicionais da floresta nesse momento de pandemia?

Angela – Essas pessoas não estão tendo nenhum apoio do governo. Claro, esse governo que está aí não está preocupado com a vida das populações tradicionais da floresta. Esse auxílio emergencial é mais para dar satisfação para a sociedade do que para, de fato, ser um instrumento eficaz na minimização do impacto do coronavírus. Foi algo feito em cima das coxas, como a gente diz aqui, sem pensar na diversidade desse País, sem pensar em todas as populações que formam o Brasil. Como as pessoas que moram na floresta vão acessar um benefício que tem que ser feito pela internet? Há municípios que sequer têm agência da Caixa, e as pessoas têm que se deslocar para outros municípios, correndo mais risco ainda. Até agora, não foi feito um plano de contingência para essas populações.

Amazônia real – Qual é a sensação de ver esse descaso oficial?

Angela – Não percebemos orientações de nenhum tipo, nenhum movimento de nenhum governo, tanto federal como estadual. Parece que essas pessoas não existem neste momento. Mas elas existem, são muitas e precisam de respeito.

Amazônia Real – Como está sendo feito o monitoramento de casos confirmados e suspeitos nas reservas extrativistas do Acre?

Angela – A maioria das lideranças está isolada em suas comunidades. Se esses casos forem registrados, é no município. Ou seja, entra na estatística do município. Você só saberá se alguém foi infectado na reserva, se fizer contato com alguém da reserva porque quando entra nas estatísticas vai para conta do município. O comitê Chico Mendes tem essa preocupação, por isso estamos em contato com as rádios que têm alcance nesses locais. Estamos acompanhando se estão passando as informações corretas ou insuficientes, para que as pessoas possam se cuidar. Nós, do comitê, também estamos ajudando com o cadastro do auxílio emergencial para aquelas pessoas que não têm auxílio da internet, ou que não conseguem lidar muito bem com aplicativos.

Resex Chico Mendes Foto Arison Jardim 1
Reserva Chico Mendes (Foto de Arison Jardim)

Amazônia Real – O período de estiagem e queimadas na Amazônia já começou. Qual o cenário imagina para este ano de pandemia?

Angela Mendes –  É preocupante porque estamos em um momento muito delicado, que é o período de queimadas. Nesse momento, os problemas respiratórios tendem a se agravar e o nosso sistema de saúde está entrando em colapso. Tenho muito medo do que pode acontecer daqui para frente. As lideranças estão preocupadas com as pessoas que estão chegando nas reservas porque, muitas vezes, são assintomáticas. Vão na intenção de se cuidar e acabam levando risco para a floresta. É difícil a situação nesse momento. Precisamos reconhecer, de fato, que essa pandemia trouxe à tona uma série de desafios. Os dados apontam que o cresceu assustadoramente de janeiro a abril deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado. Desde que esse governo assumiu, o desmatamento está crescendo ano a ano. Esse ano com certeza não vai ser diferente. Já tem pessoas queimando na região de reservas e até nas cidades, e a situação tende a se agravar.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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