“AS MARCAS DA TORTURA SOU EU. ELAS FAZEM PARTE DE MIM”

“AS MARCAS DA TORTURA SOU EU. ELAS FAZEM PARTE DE MIM”

“AS MARCAS DA TORTURA SOU EU. ELAS FAZEM PARTE DE MIM”

Se o interrogatório é de longa duração, com interrogador “experiente”, ele bota no pau-de-arara por alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina. Minha arcada [dentária] girou para o lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente se deslocou e apodreceu

Por Dilma Rousseff 

Talvez uma das coisas mais difíceis de você ser no interrogatório é inocente. Você não sabe nem do que se trata (…).  Não se distinguia se era dia ou era noite. O interrogatório começava. Geralmente, o básico era o choque. Muitas vezes, também usava palmatória, usava em mim muita palmatória.

Em São Paulo usaram pouco esse método. No fim, quando estava para ir embora, começou uma rotina. No início não tinha hora. Era de dia e de noite. Emagreci muito, pois não me alimentava direito (…). Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban (…) foi uma hemorragia (…) de útero. Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia.

Em Minas, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e depois paravam. (…) O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando a minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente pelo resto da vida.

(…) Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela: a gente sempre vai ser diferente. No caso específico da época, acho que ajudou o fato de sermos mais novos; agora, ser mais novo tem uma desvantagem: o impacto é muito grande (…). Mesmo que a gente consiga suportar a vida melhor quando se é jovem, fisicamente, a médio prazo, o efeito é maior na gente por sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos o impacto é mais profundo; no entanto, é mais fácil de aguentar no imediato.

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Ilustração: Foto histórica de Dilma Rousseff enfrentando a tortura.

dilma rousseff em entrevista para o le monde sl3wdyfg8njt 1Dilma Rousseff – Economista. Ex-presidenta do Brasil, Presidenta do Banco Brics. Relatos de violências e torturas sofridas em cárceres de detenção e tortura do regime militar. Compilados por Zezé Weiss, para a Revista Extratos, edição especial, Sindicato dos Bancários de Brasília, dezembro de 2024.

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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