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MULHERES RENDEIRAS TECEM O DIA DIA A DIA COM FINOS FIOS

MULHERES RENDEIRAS NO DIA A DIA

Mulheres rendeiras tecem o dia dia a dia com finos fios

“Olê muié rendeira, oie Mulé rendá…”

A mulher rendeira faz parte do imaginário popular brasileiro e é, desde muito, transmissora de um conhecimento que, mesmo não fazendo parte do que se considera educação formal, ela existe e tem sua importância social. Este conhecimento permeia a história de muitas famílias de mulheres que ainda tentam transmiti-lo para as novas gerações. Daí a necessidade de entendimento de um cotidiano que, além de tradicional, alinha-se e se insere às necessidades do mundo de mercado sendo, ao mesmo tempo, trabalho de mulheres e modo de produção de riqueza.

Por

O ofício de rendeira proporciona uma viagem ao imaginário feminino são mulheres que tecem o dia a dia com finos fios. A força que emana da tradição de tramar as linhas é real. E o fio que conecta essas mulheres, entre gerações de uma mesma família, é que parece torná-las o que são: mulheres que lutam bravamente e que, ao mesmo tempo, desempenham um ofício minucioso e delicado. Com paciência e maestria seguem fazendo a renda da mesma forma que outras muitas gerações de mulheres de sua família já faziam, mas revisitam e atualizam as formas e os pontos que fazem hoje. De modo que estão, ao mesmo tempo, com um pé no passado e outro no presente.

Algumas rendeiras trabalham em grupo; conversam, cantam, fumam. “Quando você está na almofada, menino chora, panela queima, marido briga, você se esquece do mundo.” Ela vira o rosto e se concentra para terminar mais um ponto.

“Bendito seja o trabalho que se faz cantando!…”, entre as trovas que as moças trabalhadeiras de 20 a 60 anos entoam:

Tiro renda e boto renda,

Faço renda na almofada.

Por causa do meu benzinho

Não faço renda nem nada…

Estou fazendo esta renda

Pra buscá dinheiro,

Pra comprá um par de pente

Pra botá no meu cabelo.

Esta almofada me mata,

Estes bilros me consome,

Os alfinetes me espetam,

A renda me tira a fome.

O Ofício da Renda Irlandesa confeccionada em Sergipe se tornou Patrimônio Imaterial e tem seu registro nos saberes da humanidade.

O modo de fazer Renda Irlandesa se constitui de saberes tradicionais que foram ressignificados pelas rendeiras do interior sergipano a partir de fazeres seculares, que remontam à Europa do século XVII, e são associados à própria condição feminina na sociedade brasileira, desde o período colonial até a atualidade. Trata-se de uma renda de agulha que tem como suporte o lacê, cordão brilhoso que, preso a um debuxo ou risco de desenho sinuoso, deixa espaços vazios a serem preenchidos pelos pontos. Estes pontos são bordados compondo a trama da renda com motivos tradicionais e ícones da cultura brasileira, criados e recriados pelas rendeiras.

O “saber-fazer” é a qualidade mais característica da produção da Renda Irlandesa, a qual é compartilhada pelas rendeiras sob a liderança de uma mestra reconhecida pelo grupo. As mestras traçam o risco definidor da peça, que é apropriado coletivamente. Fazer Renda Irlandesa é, portanto, uma atividade realizada em conjunto, o que permite conversar, trocar idéias sobre projetos, técnicas e pontos. Neste universo de sociabilidades, são reafirmados sentimentos de pertença e de identidade cultural, possibilitando a transmissão da técnica e o compartilhamento de saberes, valores e sentidos específicos.

A cidade de Divina Pastora se tornou o principal pólo da Renda Irlandesa em razão de condições históricas de produção vinculadas à tradição dos engenhos canavieiros, à abolição da escravatura e às mudanças econômicas que culminaram na apropriação popular do ofício de rendeira, restrito originalmente à aristocracia. Reinventando a técnica, os usos e os sentidos desse saber-fazer, as mulheres de Divina Pastora fizeram dele seu meio de vida.

A Pedagogia do saber

Uma rendeira, que em seu trabalho tece habilidosamente peças extraordinárias, passando de geração em geração um ofício e uma arte, verificamos que, apesar de leiga, do ponto de vista da pedagogia e da ciência, essa “mestra” cumpre de modo brilhante, com eficiência e eficácia os objetivos a que se propõe: produzir e ensinar o que produz, perpetuando a existência do oficio.

Curioso é pensar que nas universidades e centros de profissionalização, apesar de todo o acesso à ciência e tecnologia, muitas vezes os mestres que lá trabalham não conseguem atingir esses mesmos objetivos básicos. Em muitos desses centros nem se produz um saber, nem se ensina a produzir esse mesmo saber. O máximo que se consegue é “formar” profissionais muitas vezes medíocres que vão se encarregar de perpetuar a reprodução de um saber igualmente medíocre, mantendo o estado de coisas que vem nos conduzindo ao caos social, econômico e cultural.

As diversas  RENDAS:

Há duas categorias de rendas: uma produzida com o auxílio de bilros. Outra é confeccionada com o uso de agulhas, como é o caso da renda renascença, o filé e o labirinto. Em outros casos, há agulhas especiais, como para produzir crochê e tricô. Tanto a renascença como a renda de bilro é produzida em cima de almofadas.

  • Filé (Salgado de São Félix, Paraíba)

Esta técnica milenar encontra-se difundida sobretudo nos estados de Alagoas e Ceará. O filé surge a partir de uma rede simples, composta de malhas e de nós, e por isso é também denominado “rede de nó”, seguindo a técnica de confecção da rede de pescador, que lhe serve de inspiração.

  • Renascença (Jataúba, Pernambuco)

A renda renascença é uma técnica têxtil que teve sua origem na ilha de Burano, em Veneza, Itália, no século XVI. É confeccionada com agulha, linha e lacê de algodão. Em uma primeira etapa, faz-se o desenho sobre papel, que é preso sobre a almofada. O lacê é então afixado sobre o papel com a ajuda de alfinetes e entremeado pelos diferentes pontos da renda.

Cada ponto é nominado segundo elementos da natureza, comidas, ou expressam na renda sentimentos e esperanças de quem os criou: aranha, abacaxi, traça, cocada, xerém, amor seguro, laço, sianinha, malha e amarrado.

  • Irlandesa (Divina Pastora, Sergipe)

A renda irlandesa, ou ponto de Irlanda, surgiu na Europa, possivelmente no norte da Itália, em torno dos séculos XVI ou XVII. Sua tradição foi mantida nos conventos da Irlanda, de onde se difundiu para diversas partes do mundo. No Brasil, este tipo de renda é executado há várias gerações pelas artesãs sergipanas de Divina Pastora, fazendo parte do seu patrimônio cultural. Caracteriza-se pelo uso de lacê, um cordão sedoso o que a diferencia da renda renascença. É elaborada com linha e agulha que, seguindo o roteiro de desenhos feitos em papel grosso e que é preso em almofada, perpassam os meandros e os florões delineados com o lacê, formando assim uma variada combinação de pontos.

  • Labirinto (Ingá, Chá dos Pereira, João Pessoa, Serra Redonda, Juarez Távora – Paraíba)

O labirinto (ou crivo) é um tipo de renda de agulha e tem como caracteristica o fio desfiado preliminarmente, o qual é tecido com linha, seguindo os desenhos estabelecidos. O processo de feitura possui 6 etapas: escolher o tecido e tirar a metragem; riscar o desenho; desfiar o tecido; fazer o enchimento; torcer e perfilar.

 

Renda de Bilro

Diversos são os “pontos” preparados: abacaxi, folha em renda, cocadinha, não-me-deixe, mata-fome, quadro, margarida, coração, palma, ziguezague, trocado, trança, trocadinho, matachim, aranha, meus olhos, escadinha de Cupido etc. etc. etc.

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Instrumento das rendeiras, os Bilros – Foto: Fábio Venhorst

A renda de bilros é feita sobre uma almofada com enchimento de crina, serragem ou algodão; tal amofada é em geral recoberta de tecido cujas cores não agridam a vista. A almofada pode ser presa num suporte de madeira, mas há rendeiras que simplesmente a apóiam numa cadeira ou banquinho. A almofada é a base sobre a qual se executam as rendas e nela se prende o cartão com o esquema em cima do qual irão se trançando os bilros, ‘a medida que se prendem os compassos com alfinetes. Os bilros são uma espécie de haste de madeira provida de uma cabecinha numa das extremidades. Sobre ela enrola-se a linha para fazer a renda. Os bilros são sempre utilizados aos pares.

Fontes: Artesol e Blog do JeffCellophane

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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