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O globalismo

Belluzzo: Globalismo e Desigualdade Social

O globalismo e a ilusão de que não compartilhamos a mesma realidade

Por: Luiz Gonzaga Belluzzo/Carta Capital

A individualização do fracasso já não consegue ocultar o destino comum reservado aos derrotados pela desordem do sistema social.

Na década de 1970, a experiência do capitalismo “social” e “inter-nacional” do imediato Pós-Guerra sofria do mal-estar do primeiro choque do petróleo, da estagflação e do endividamento da periferia alimentado pela reciclagem dos petrodólares. A inflação sucumbiu diante da elevação dos juros promovida por Paul Volcker em 1979. Além de lançar o país na recessão, o gesto do Federal Reserve aplacou a inflação de dois dígitos nos Estados Unidos e, sobretudo, reinstaurou a soberania do dólar como moeda-reserva, extinguindo a ameaça de fracionamento do sistema monetário internacional. A punhalada de Volcker desmontou as pretensões dos europeus de encaminhar a substituição do dólar por um ativo de reserva administrado pelo FMI e lastreado em uma cesta de moedas.A década de 70 é também o momento da aproximação China-EUA, promovida por  Richard Nixon e Henry Kissinger. De uma perspectiva geopolítica e geoeconômica, a inclusão da China no âmbito dos interesses americanos é o ponto de partida para a ampliação das fronteiras do capitalismo, movimento que iria culminar no colapso da União Soviética e no fortalecimento dos valores e propostas do ideário neoliberal.

Nessa toada, o capitalismo dos direitos sociais e das políticas nacionais desenvolvidas no espaço internacional coordenado característico do imediato Pós-Guerra transfigurou-se no capitalismo “global”, “financeirizado” e “desigual ”. O ministro Arnesto não mora no Brás, mas nos convidou para um samba ideológico: o globalismo capitalista é sorrateiramente “marxista”. Assim como o socialismo de Marx é uma autotransformação das virtudes do capitalismo, o globalismo do Arnesto nasce (ou renasce?) dos escombros do arranjo “social” e “inter-nacional” do Pós-Guerra. Marx irritava-se com as utopias regressivas que pretendiam “reinventar” o mundo, impor formas de convivência social típicas do anti-capitalismo primevo.

A seguir, arriscamos elencar os fatores que impulsionaram a expansão e as transformações da nova economia globalizada:

1. A desregulamentação financeira e a abertura das contas de capital promoveram o crescimento continuado dos fluxos brutos de capitais entre as economias nacionais, sobretudo para o mercado americano.

2. A valorização do dólar intensificou a migração da produção manufatureira para os países de baixo custo da mão de obra.

3. O acirramento da concorrência entre as grandes empresas impulsionou a nova distribuição espacial da produção globalizada.

4. A redistribuição espacial da indústria manufatureira foi acompanhada da hiperindustrialização, ou seja, da rápida introdução dos métodos e tecnologias poupadores de mão de obra na manufatura, na agricultura e nos serviços.

5. A formação de bolhas sucessivas de valorização dos ativos reais e financeiros apoiada na “alavancagem” financeira.

6. A insignificante evolução dos rendimentos dos trabalhadores nos países centrais cada vez mais “precarizados” acompanhou a redução da pobreza na periferia em processo de industrialização.

7. A consequente ampliação das desigualdades na distribuição da renda e da riqueza.

8. O endividamento excessivo das famílias nos Estados Unidos e na “periferia” europeia.

9. A degradação dos sistemas progressivos de tributação e o encolhimento da proteção social.

10. A persistência de déficits fiscais alentados e a expansão das dívidas dos governos.

11. As metamorfoses da riqueza e a monopolização dos mercados globais impõem a predominância da lógica patrimonialista e rentista.

A integração entre os centros financeiros da economia globalista comandou a deslocalização produtiva para os países que ofereciam relações produtividade/salários mais vantajosas. Esse movimento competitivo levou à exasperação os desencontros entre a estratégia da grande empresa e os espaços jurídico-políticos nacionais. Os “territórios” nacionais, onde vivem e convivem homens e mulheres de carne e osso, foram desintegrados pela integração das cadeias globais de valor sob o comando dos fluxos de capitais empenhados na rivalidade patrimonialista e rentista. Uma coisa é uma coisa e a outra coisa é a mesma coisa. Um enigma para ser decifrado pelas divindades antiglobalistas do chanceler Ernesto Araújo.

Em artigo recente, publicado na Review of Political Economy, o economista Cédric Durand identifica quatro narrativas que procuram explicar o seguinte “paradoxo”: enquanto os lucros das grandes empresas disparam, o investimento “produtivo” desaba.

As duas primeiras narrativas estão ligadas mais diretamente ao processo de financeirização:

1. A vingança dos rentistas obriga as empresas a realizarem pagamentos para os detentores de títulos de dívida e direitos de propriedade, o que reduz os recursos disponíveis para o investimento industrial.

2. A segunda narrativa sugere a substituição dos investimentos em ativos reais pela acumulação financeira de curto prazo. Cédric Durand registra uma mudança qualitativa nas estratégias recentes de gestão financeira das empresas: o declínio das taxas de juro propiciou o avanço dos pagamentos de dividendos exigidos pelos acionistas. A isso se juntam as recompensas aos mesmos acionistas por ocasião das fusões e aquisições, além da recorrente e cada vez mais intensa recompra das próprias ações.

A terceira narrativa, da globalização, aborda os impactos da maior integração entre as economias. Nesse ambiente, as empresas dos países industrializados transferem os investimentos para as regiões de baixos custos da mão de obra às expensas do investimento nos países de origem.

A quarta narrativa, diz Durand, propõe estabelecer uma forte ligação entre a crescente concentração e centralização do controle das empresas, a monopolização dos mercados e a estagnação dos investimentos.

É um engano separar as quatro narrativas. Elas integram o mesmo processo de autotransformação do capitalismo. São dimensões da dinâmica autorreferencial do capitalismo “marxista”.

Na mesma batida, a insegurança econômica dos mortais encarcerados na base da pirâmide social faz recrudescer a polarização política, fomentada pelo crescimento da massa daqueles que tiveram suas condições de trabalho e vida precarizadas na senda da arbitragem geográfica de salários, impostos, câmbio e juros pela finança globalizada.

Os “irracionais” querem os empregos de volta. A polarização política exprime de forma dramática a ruptura das relações mais “equilibradas” entre os poderes do “livre mercado” e o resguardo dos direitos econômicos e sociais dos cidadãos desfavorecidos.

Agora em escombros, as classes médias, sobretudo nos Estados Unidos, mas também na Europa, ziguezagueiam entre os fetiches do individualismo e as realidades cruéis do declínio social e econômico. A individualização do fracasso já não consegue ocultar o destino comum reservado aos derrotados pela desordem do sistema social.

ANOTE AÍ

Fonte: Carta Capital

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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