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A FALTA QUE BETINHO NOS FAZ

A FALTA QUE BETINHO NOS FAZ

A falta que Betinho nos faz

No dia 9 de agosto de 2017 ocorreram várias celebrações pelos 20 anos da morte do sociólogo e ativista social Herbert de Souza, vulgo, Betinho. Uma delas foi feita na UFRJ/Coppe na Ilha do Fundão conjuntamente com o Coep – Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida

Por Leonardo Boff

Presente estava a companheira de vida, Maria Nakano, além de muitos professores e alunos. No Jardim da , foi descerrada uma placa de homenagem e se plantou um duplo pé de Manacá, árvore da preferência de Betinho. Houve várias falas. Uma coube a mim, resumida neste artigo.

Há mortos que recordamos com saudade, mas há também mortos que celebramos com júbilo. Estes não estão ausentes, são apenas invisíveis. É o caso do Betinho. Em suas próprias palavras, sua vida foi uma sucessão infinita de sortes: hemofílico, sobreviveu à tuberculose e por fim se confrontou corajosamente com a Aids.

Militou na católica contra a ditadura militar, viveu no exílio no Chile, no Canadá e no México. Regressou em 1997 recebido por uma multidão, reconhecido como o irmão do Henfil, genial cartunista. Almir Blanc e João Bosco imortalizaram o Betinho com a canção sempre cantada “Esperança Equilibrista” sobre “a volta do irmão do Henfil”.

Betinho foi um homem de grandes sonhos e de não menores realizações: a fundação da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, o Coep, em colaboração com o engenheiro de Furnas, André Spitz; com o Coppe e o Coep ajudou a formar o Comité de Entidades Públicas no Combate à Fome, Comités da Cidadania pelo afora, o Natal sem Fome e a ABIA para o da Aids, entre outras. Entre 1993 e 2005 a Ação da Cidadania distribuiu 30.351 toneladas de alimentos, beneficiando cerca de 3 milhões de famílias.

Sua prioridade absoluta, verdadeira obsessão humanitária, era o combate à fome. Costumava responder aos que o criticavam de certo assistencialismo que “a fome tem pressa”, não permite esperar a grande revolução. Com razão dizia Gandhi que a fome é “a forma de violência mais assassina que existe”. Isso Betinho queria evitar a todo custo.

Dar de comer nunca pode ser um gesto apenas assistencialista, mas de um humanismo em grau zero. Juntos dizíamos com frequência: “o pão que tenho em minhas mãos é material; mas o pão que entrego ao faminto é espiritual, pois vai carregado de amor, de compaixão e de humanidade e salva a vida”.

Ao regressar ao país, optou pela sociedade civil e não pelos partidos e pela participação no Estado. Na sociedade civil via a presença de potencial de solidariedade e de criatividade que poderia ser mobilizado em favor das grandes causas nacionais: cobrar ética na política, reconstruir a democracia pela base, participativa e popular, a urgência da em terras do campo e da cidade, o combate à fome, o incentivo à na linha de , a introdução, por primeiro, da internet no Brasil.

Betinho era um indignado contra a anti-realidade brasileira dos milhões de marginalizados, castigados com a fome e as doenças da fome. Mas não era um resignado. Logo lançava projetos para pô-los em prática, sempre com um sentido de trabalho coletivo e solidário.

Se vivesse hoje, com a desordem social provocada pelo infame golpe parlamentar, jurídico e midiático, atrás do qual se escondem as classes oligárquicas que Darcy Ribeiro considerava as mais insensíveis e reacionárias do mundo, o que vem sendo repetido por Jessé Souza, Betinho estaria seguramente na rua mobilizando o povo, os movimentos, os que ainda acreditam no Brasil, para defender a nossa frágil democracia e salvar os direitos sonegados aos , aos futuros aposentados, exigindo a demarcação dos territórios , impugnando as privatizações, especialmente do pré-sal, e acusando como crime de lesa-pátria a venda de terras nacionais a estrangeiros.

Os escândalos da corrupção milionária atingindo a maioria dos partidos e as grandes empresas o levariam seguramente a retomar com vigor o tema sobre o qual tanto se debatia: a ética na política e a transparência em todas as coisas. Que falta nos faz o Betinho, órfãos de lideranças confiáveis. O ódio que atravessa nosso tecido social seria incompreensível a ele que pregava o amor aos mais invisíveis aos quais entregou a pouca vida que tinha.

Se alguém quer saber o que é o espírito, deve olhar para aquele corpo mirrado e alquebrado que, no entanto, irradiava vida, coragem, e sentido de humanidade para com todos. Era espírito puro na sua expressão melhor de inteligência, criatividade, sonho, compaixão.

Deixou-nos o desafio de “recriar o Brasil e de refundar a nação” a partir do povo em cuja solidariedade acreditava e em sua alegria de viver da qual participava. Repetia: sem sonho e sem esperança não há vida nem futuro.

Betinho é uma figura de que o Brasil e a humanidade podem se orgulhar. Ele era e é um Justo entre os povos, especialmente, entre os pobres. Sua inspiração nos fará sair enriquecidos da atual crise.

Leonardo Boff
Filósofo. Teólogo. Escritor. Excerto  do livro Saber Cuidar. 18ª Edição. Editora Vozes. 2012.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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