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Blackout: é impossível pensar o futuro sem falar de ancestralidade

Blackout: curta prova como é quase impossível pensar futuro sem falar de

Simone Freire

Curta vai na contramão dos desmontes realizados na pelo governo de Jair Bolsonaro e articula rede de apoio e parcerias para fomentar produção

Dirigido e protagonizado por , o filme Blackout é ambientado em 2048 e narra a história de um mundo onde negros e periféricos recebem uma espécie de hardware que os controlam, pois são considerados uma ameaça. Coincidências com a realidade atual à parte, a periferia do futuro reúne o povo preto para subverter o sistema. Blackout tem a audácia de transmitir para as telas a luta afrofuturista.Escrito e dirigido por Rossandra Leone, o curta busca ser uma alternativa ao cinema hegemônico pensando em narrativas e estratégias. “Queria escrever algo no futuro mas com muitas referências do passado e presente”, explica a diretora.

Um universo futurista, mas sem aqueles carros voadores ou coisas que saiam muito da realidade atual, afinal, pontua Rossandra, não falta tanto assim para 2048. “A mensagem do filme toca num papo reto quem ta assistindo podendo interligar o que acontece nesse universo afrofuturista com o que acontece agora e o que aconteceu antes do agora”, diz.
Passado presente
Criando um link com a questão ancestral, para a diretora é quase impossível falar de futuro sem falar de ancestralidade. Blackout foi feito a partir disso, seja atrás das telas ou na frente dela. “O filme tem referências diretas ou indiretas como, por exemplo, a cena da festa que foi filmada no Jardim Suspenso do Valongo onde aconteceu o afrobaile Kilario, que nos recebeu de braços abertos. Um filme afrofuturista e um afrobaile acontecendo ao mesmo tempo nesse lugar achei de um impacto e simbolismo bem grande”, diz.
A atriz Adrielle Vieira interpreta o papel da protagonista Luana. “O fato de não ser uma personagem pautada em estereótipos, que é o que se espera de acordo com os papéis que destinam a nós [mulheres negras], teve um diferencial. Me vejo muito na Luana, o contexto que ela se insere de não se deixar engolir pelo sistema racista que tenta nos sufocar. Luana me trouxe um respiro, uma visão mais esperançosa e inteligente de estratégia em relação ao futuro que é nosso, pessoas pretas!”, diz.

Blackout Trailler from Rossandra de Souza Santos
A jovem Luana é periférica e, cansada de ver o abuso de poder com o povo, cria estratégias com ferramentas tecnológicas que ela tem a alcance das mãos e em comunidade com sua rede de amigos e parceiros. Todos se envolvem e aceitam subverter essa realidade colocando em prática um plano pensado nos mínimos detalhes para quebrar toda engrenagem do sistema vigente na ficção.
Política nacional
2019, o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, não foi nada bom para a cultura – que perdeu o status de ministério e foi transformada em secretaria -, que sofreu e sofre tentativas de desmonte na Ancine (Agência Nacional do Cinema), além de uma previsão péssima de investimentos na área em 2020, com possível corte de mais de 50% no orçamento. Pelo andar da carruagem, as produções independentes, pretas e periféricas terão ainda mais dificuldade de colocarem seus projetos na rua.
Desta forma, se comunidade tem tudo a ver com Luana dentro das telas, fora delas, no mundo real, tem ainda mais a ver com toda a produção de Blackout. Para poder ser realizado o filme recebeu um financiamento do edital de fomento LabCurta, mas precisou – e muito – contar com uma grande rede de apoio com nomes como Rodrigo França, Mariana Sousa Nunes, Clementino Junior e o afrobaile Kilario.
“Fazer cinema de guerrilha, onde a gente não tem grana, mas muita vontade de realizar, não é fácil. A equipe estava ciente do quanto tínhamos pra fazer o filme, não era uma quantia do mercado audiovisual, então ninguém ali estava por caché e sim por confiar no projeto. Outra coisa essencial pra realização do filme foi a rede de apoio que tivemos e parcerias que realizamos para fazer esse fomento render e valer a pena. Se a gente faz com pouco, imagina se colocarem ao nosso alcance as ferramentas ideais?”, questiona Rossandra.

2048 não é tão diferente de 2019 assim. Enquanto questionam sua existência negra nas telas afrofuturistas, fora delas, também houve resistência. Uma das diárias mais difíceis foi já no início das gravações durante uma festa. “Gravamos uma cena onde um personagem levava uma ‘dura' [bronca]. Menos de 1h depois o ator foi parado pela polícia fora da ficção… não preciso nem dizer a cor dele né”, conta a diretora.
Apesar das adversidades, seja por um governo que não incentiva a criação e oportunidades, seja por um sistema estruturalmente racista, Blackout teve sua pré-estreia no Cine Odeon, em novembro de 2019, quando parte da equipe, entre elenco e convidados, pisaram pela primeira vez no tradicional cinema.
Em 2020, a proposta é quebrar o eixo centro-zona sul e fazer o curta circular por várias regiões da cidade que a população negra e periférica não tem hábito – ou oportunidade – de transitar.
Fonte: Alma Preta
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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