CAATINGA: O BIOMA BRASILEIRO QUE ENSINA O PAÍS A CONVIVER COM A DESERTIFICAÇÃO E A SECA

CAATINGA: O BIOMA QUE ENSINA O PAÍS A CONVIVER COM A SECA

Caatinga: o bioma brasileiro que ensina o país a conviver com a desertificação e a seca

Estamos perdendo umidade. O Brasil e o planeta estão ficando cada vez mais secos.” Alexandre Pires – Diretor de Combate à Desertificação – MMA

Por Eduardo Pereira

Os dados da ciência já não deixam dúvidas: as águas do Brasil estão secando. Segundo o MapBiomas, a tendência observada no país, desde 1985 (início da série histórica), é de declínio das águas.

Especificamente em 2023, a redução foi de 1,5% em relação à média histórica. Atualmente, a água cobre apenas 183.000 km², ou seja, 2% do território brasileiro. 

Em consequência, o Brasil passa por um processo acentuado de seca e desertificação, não só na região Nordeste, mas também em partes do Pantanal, no norte do estado do Rio de Janeiro e na região Sul do país.

No total, cerca de 1,3 milhão de km², ou seja, 15% do território nacional possui, hoje, territórios já desertificados e/ou com elevado risco de desertificação.

Na região Nordeste, estima-se que cerca de 230 mil km² já estejam desertificados, uma área superior à do estado do Ceará.

Dentre os estados nordestinos que mais sofrem com a desertificação destaca-se o Piauí, onde cerca 71% do espaço agrário já está tomado por áreas degradadas e inférteis, inadequadas para o plantio. 

Na região Sul, esse processo também é grave, porém, como ocorre em uma região de clima úmido, com precipitações anuais em torno de 1.400 mm, dá-se o nome de arenização. Isso porque, sobretudo na área da campanha gaúcha, localizada no Rio Grande do Sul, os solos são extremamente arenosos, pobres em nutrientes e com partículas de baixa coesão. 

Com respeito ao Pantanal, Alexandre Pires, diretor de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), afirma que, com base em dados do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT), há “o surgimento de um clima subúmido seco, fora do polígono tradicional histórico do Semiárido, que é no sul mato-grossense, abrangendo o Pantanal, e também a região do norte do Rio de Janeiro”. 

Também muito grave: atualmente cerca de 23% de toda a água disponível no país se concentra em áreas construídas de armazenamento, a maioria delas na Mata Atlântica.

Uma situação preocupante quando se analisam os corpos hídricos naturais, cuja superfície encolheu 30,8% em 2023, em relação a 1985. Metade das bacias hidrográficas do Brasil estavam abaixo da média no ano passado.

CADA BIOMA UM DESTINO? 

Cada bioma experimenta formas distintas de agravamento dvos eventos climáticos extremos, como a seca do final de 2023 na região Norte e as cheias no Rio Grande do Sul, no final de abril de 2024, e os incêndios no Pantanal, nos últimos anos.

Isso exige, segundo Pires, uma atenção especial a um bioma em momento de crise, porém sem acudir a um em detrimento de outro, já que os biomas existem e coexistem em dependência uns dos outros. 

Ou seja, “a Amazônia depende da Caatinga, que depende do Cerrado, que depende do Pantanal, que depende da Mata Atlântica, que depende dos Pampas, e requerem todos, de forma igualitária e com o mesmo cuidado, a atenção do Estado e da sociedade”, diz o Secretário.

Entretanto, segundo ele, há uma realidade específica, comprovada de forma inequívoca por estudos e pela ciência: as águas do Brasil como um todo estão secando, mas há áreas específicas que já apresentam sinais visíveis de um processo de desertificação e, para essas áreas, o governo precisa executar ações urgentes e diferenciadas como, por exemplo, campanhas de combate à desertificação ou ações de prevenção das estiagens extremas.  

O BIOMA MAIS SECO DO BRASIL  

O bioma mais seco do Brasil é a Caatinga. Único bioma exclusivamente brasileiro, também conhecido por “Mata Branca” (cujas folhas caem no período da seca), conforme a etimologia Tupi, a Caatinga vive, há séculos, um processo de desertificação, recentemente agravado pela ação antrópica sobre o Semiárido brasileiro. 

Localizada na região Nordeste, a Caatinga ocupa uma área de cerca de 862.818 km², o equivalente a 70% da região Nordeste e 10,1% do território nacional (IBGE, 2019), abrange Alagoas, Bahia, Ceará, parte do Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e o norte de Minas Gerais, onde vivem cerca de 27 milhões de pessoas. 

Rica em biodiversidade, a Caatinga abriga 4.963 espécies de plantas, sendo conhecido o estado de conservação de apenas 827 espécies (17% do total) e sabe-se que 30,1% destas encontram-se sob alguma categoria de ameaça de extinção (Flora do Brasil – 2021). 

Com relação às espécies da fauna, de um total de 1.182 espécies avaliadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2018, 125 delas, 10,57% do total, encontram-se em alguma categoria de ameaça de extinção: Criticamente em Perigo (CR); Em Perigo (EN); ou vulnerável (VU)), conforme o Mapa de Categorias Extintas na Natureza (EW). 

Além de fenômenos naturais, ocorridos secularmente na Caatinga, a ação humana predadora, como as queimadas, o desmatamento e a agricultura intensiva têm sido decisivos para provocar ou acelerar a desertificação, praticamente por todo o século XX e nessas primeiras décadas do século XXI. 

Portanto, a conservação da Caatinga está intimamente associada ao combate à desertificação, processo de degradação ambiental que ocorre em áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas. No Brasil, 62% das áreas suscetíveis à desertificação estão em zonas originalmente ocupadas pela vegetação da Caatinga, sendo que muitas já estão bastante alteradas.

Em que pese esse quadro crítico, somente cerca de 9% do bioma estão cobertos por Unidades de Conservação, sendo que pouco mais de 2% por Unidades de Proteção integral (como Parques, Reservas Biológicas e Estações Ecológicas), que são as mais restritivas à intervenção humana.

No panorama internacional, a Caatinga está diretamente relacionada às três principais Convenções de Meio Ambiente, no âmbito das Nações Unidas: a Convenção de Diversidade Biológica (CDB), a Convenção de Combate à Desertificação (CCD) e a Convenção de Mudanças Climáticas. 

Segundo o diretor Alexandre Pires, do MMA, esse contexto pode ajudar na conservação e no uso sustentável do bioma, sobretudo por meio da união de esforços das instituições responsáveis pela implementação dessas Convenções no país, em especial as Secretarias de Biodiversidade e de Relações Internacionais do MMA, e suas parcerias nas esferas governamental e não governamental. 

O CICLO DE DEGRADAÇÃO DA CAATINGA

Em grande parte, a simbologia da Caatinga como um território seco e íngreme foi consolidada na cultura popular pela epopeia clássica de Euclides da Cunha em “Os Sertões”.

Caantinga: o bioma brasileiro que ensina o país a conviver com a desertificação e a seca
Foto: Wikimedia Commons

No livro, o autor elabora um detalhamento minucioso das características do Semiárido brasileiro, mostrando como as relações humanas e naturais são marcadas pela luta pela sobrevivência e convivência, enraizadas na seca devastadora que caracteriza a região, por muito tempo considerada o “patinho feio dos biomas brasileiros”.

Entretanto, a Caatinga é, segundo o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), o bioma mais eficiente no sequestro de Carbono no Brasil, o que contribui na regulação do clima, na qualidade do ar, no controle da erosão e perda do solo. A Caatinga contribui, portanto, para a manutenção da saúde do planeta Terra. 

Mesmo assim, segundo pesquisas recentes, até 2060, cerca de 40% do território da Caatinga enfrentará um processo de homogeneização de suas comunidades de plantas, e os animais do bioma, especialmente os mamíferos, correm sérios riscos de extinção. 

As mudanças climáticas, aceleradas pelos processos civilizatórios desenfreados e pelas escassas políticas de mitigação de seus efeitos, aumentam as expectativas de que, infelizmente, esse processo só irá se expandir, atingindo toda a população, porém, alerta Alexandre Pires, principalmente e com maior proporção as comunidades tradicionais.

De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), nos últimos anos houve a ampliação do clima semiárido sobre o clima subúmido seco da ordem de 370 mil km² e o surgimento de uma região de clima árido com área de aproximadamente 6 mil km² em 6 municípios da Bahia e 2 municípios de Pernambuco.

A crescente desertificação da Caatinga é especialmente preocupante uma vez que, dentro do contexto atual, os recursos hídricos já não são suficientes. Segundo informações postadas no site do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), “no Semiárido brasileiro, a oferta de água para usos múltiplos está aquém da sua demanda”.

 Com o solo seco, a terra perde umidade, a temperatura esquenta, a chuva escasseia e o território se desertifica. Ou seja, nas áreas de solo degradado, o clima fica árido. Sob essas condições, que se agravam pela ação antrópica do corte da vegetação e pela cultura dos monocultivos, a Caatinga vai tendo cada vez mais dificuldade em realizar seu próprio processo de regeneração. 

“Estamos falando de um processo ambiental que afeta principalmente a população camponesa e, dessa população, principalmente, as mulheres.

São as mulheres que vão buscar água em lugares mais longínquos, ou porque têm uma dependência dos serviços públicos de distribuição de água, como é o caso dos carros-pipa, ou porque, de fato, não conseguem garantir a produção de alimentos para suas famílias”, conclui o Secretário.

LIÇÕES DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO

Paradoxalmente, é dos povos da Caatinga que vêm os melhores exemplos de como conviver com o Semiárido. Com seus 27 milhões de habitantes, a Caatinga é um território densamente povoado por comunidades e povos tradicionais que, segundo Pires, praticam a agricultura familiar de forma sustentável em pequenos núcleos rurais e em assentamentos da reforma agrária. 

CAATINGA: O BIOMA BRASILEIRO QUE ENSINA O PAÍS  A CONVIVER COM A DESERTIFICAÇÃO E A SECA
Cisterna chegou a ajudar mais de 1,2 milhão de famílias do Nordeste e de Minas Gerais – Foto: Roberta Guimarães/ASA Brasil

Por ter que viver em um bioma com cerca de 80% de seus ecossistemas originais alterados, principalmente por meio de desmatamentos e queimadas, em um processo de ocupação que começou nos tempos do Brasil colônia, os povos da Caatinga tiveram que desenvolver suas próprias técnicas de sobrevivência no Semiárido. 

Para Alexandre Pires, um dos grandes e inspiradores exemplos de luta pela regeneração da Caatinga e de convivência com o Semiárido encontra-se na Articulação do Semiárido, a ASA, que, na convivência com os povos e comunidades tradicionais do bioma, desenvolveram “uma série de instrumentos e práticas sustentáveis que foram sistematizadas e se tornaram tecnologias sociais”. 

Segundo ele, são essas tecnologias sociais simples, adaptadas à realidade local como, por exemplo, a construção de barragens com o uso de pedras, para conter as águas dos pequenos riachos nos períodos de chuva, que permitem aos povos do Semiárido enfrentar o efeito da degradação da Caatinga pela devastadora ação humana e pelas mudanças climáticas. 

No caso das barragens, Pires explica que quanto mais tempo a água permanece num determinado ambiente, mais se infiltra no solo, mais reabastece os lençóis freáticos, mais umidifica o ar e mais consegue reduzir os efeitos da seca na região.

“Essa é uma prática que as famílias e comunidades já fazem, ao mesmo tempo em que fazem o manejo da vegetação e dos animais, produzindo, por exemplo, o mel, para melhorar a economia familiar e reforçar a segurança alimentar”. 

O PROJETO 1 MILHÃO DE CISTERNAS (P1MC) 

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Foto: Divulgação

Um dos projetos mais conhecidos e mais bem sucedidos sobre a convivência em áreas de semiárido é o Projeto 1 Milhão de Cisternas (P1MC), idealizado e executado, desde o início dos anos 2000, pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), nos estados do Nordeste brasileiro. 

A ASA é, conforme seus registros institucionais, uma articulação de organizações da sociedade civil (ambientalistas, sindicatos e grupos comunitários de base e de igreja) que trabalham para construir a viabilidade de uma existência digna e saudável para as pessoas que vivem e trabalham no Semiárido brasileiro. 

Naidison de Quintella Baptista, Coordenador Nacional da ASA, militante do Movimento de Organização Comunitária (MOC), baiano de Salvador, com formação na Universidade Católica de Salvador, Universidade Gregoriana de Roma e Instituto Litúrgico de Trier, na Alemanha, fala da importância do principal projeto da ASA, o P1MC, para as populações que vivem na Caatinga: 

Somos uma colcha de retalhos. A Asa se espalha pelos estados do Nordeste e atua de acordo com a realidade de cada um.

Na Paraíba, por exemplo, há grupos que trabalham com sementes nativas, outros que desenvolvem fundos solidários rotativos; na Bahia, há trabalhos com educação contextualizada. Em cada estado, temos uma coordenação eleita e, em nível nacional, uma coordenação executiva.

O P1MC constrói cisternas para as famílias que vivem em regiões de seca, com recursos de doações ou do Governo Federal. As cisternas são reservatórios de cimento, com capacidade para captar 16 mil litros cada, suficientes para uma família beber e cozinhar durante 10 meses, o que garante que a família tenha sempre acesso à água de qualidade, até as chuvas voltarem para o sertão. 

Além da garantia de água boa para as famílias, segundo Naidison, o P1MC cumpre também um papel aglutinador, porque, ao requerer o envolvimento da comunidade na própria edificação da obra e na qualificação das pessoas para o uso dessas cisternas, o projeto forma consciências sobre a importância de se adotar uma cultura de zelar pelo estoque de água, armazenada nas cisternas, e de se manter uma convivência saudável com o Semiárido.  

Nas últimas décadas, a ASA estima que o P1MC construiu cerca de 288 mil cisternas, mas, segundo Naidison, elas podem chegar a 340 mil, “porque há outras, financiadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que seguem a mesma metodologia”. São, portanto, milhares de famílias vivendo com água potável nas áreas mais afetadas pela seca no Brasil. 

O projeto foi premiado como uma das 100 Experiências Sociais Inovadoras do Brasil (2001), ficou em segundo lugar no Prêmio Internacional de Política para o Futuro, do World Future Council, e se tornou política pública a partir do primeiro governo Lula, em 2003, respeitando os três princípios básicos para o seu sucesso:

  • Descentralizar a água, espalhando múltiplas cisternas pelas comunidades, em vez de concentrá-la em açudes e propriedades privadas;
  •  Democratizar o processo, tornando as famílias gestoras de seus próprios recursos; aumentar a frequência escolar; diminuir a incidência de doenças causadas pelo consumo de água contaminada; e, tão importante quanto,
  • Diminuir a sobrecarga de trabalho das mulheres.

Mas, segundo Naidison, ainda que o projeto seja um sucesso, a ASA sabe que tem muita luta pela frente, para construir todas as cisternas de que o Nordeste precisa:

“Hoje, mesmo adotando a cultura do não desperdício, precisaríamos construir 1 milhão e 250 mil cisternas, com o mesmo padrão das já existentes, para atender a toda a população que sofre com a seca no Nordeste”. 

Neste momento em que o Brasil inteiro seca e enfrenta sinais de desertificação nos Pampas, no norte de Minas Gerais, no norte do Rio de Janeiro e no Pantanal, talvez seja a hora de o povo brasileiro aprender as lições de convivência com o Semiárido, testadas pela ASA com o P1MC.  

EDUCAÇÃO, SOLIDARIEDADE E COOPERAÇÃO

Mestras da convivência no Semiárido são também as comunidades quilombolas, como é o exemplo da comunidade de Conceição das Crioulas no interior de Pernambuco, onde vive e trabalha a educadora Givânia Maria da Silva, “mulher negra, nascida e criada no Quilombo, no sertão, no Semiárido, no bioma Caatinga”, segundo ela própria.  

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Comunidade quilombola Conceição das Crioulas em Salgueiro — Foto: Reprodução/ Incra

Durante muitos anos, décadas e séculos, os quilombos do sertão, como o de Conceição, tiveram que aprender a conviver e a florescer dentro do contexto do Semiárido.

Nesse tempo todo, para viver bem em um lugar que tem tão pouco, as comunidades aprenderam e praticaram importantíssimas lições, tão em falta e tão necessárias neste mundo flagelado pelas mudanças climáticas: a solidariedade, a cooperação e o fortalecimento dos laços familiares.

Com base em sua própria história de vida como mulher quilombola de Conceição das Crioulas, em entrevista à Revista Xapuri, Givânia, que é cofundadora da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), define a educação e a disseminação de conhecimento como ferramentas fundamentais para a convivência com o Semiárido.

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Foto: Divulgação/ Fundo Malala

Professora desde os 18 anos de idade, por onde passa Givânia compartilha os aprendizados e os saberes necessários para se conviver com a dureza da seca na Caatinga.

Ela também dissemina conhecimento sobre as ferramentas essenciais para que os povos do Semiárido, principalmente as mulheres, tenham condições de alcançar uma vida melhor. E ressalta: 

Eu falo não com alegria, mas com tristeza, que fui a primeira pessoa desse território quilombola a frequentar uma universidade. Apenas em 1993, meu povo viu uma filha sua fazer um curso superior.

Embora hoje tenhamos alguns avanços nessa área, ainda falta muita coisa, como por exemplo garantir que as pessoas negras e quilombolas não só entrem, mas tenham condições de permanecer nas universidades.

Militante, Givânia, que se tornou mestra em educação e doutora em sociologia pela Universidade de Brasília, exerceu mandato de vereadora em Conceição das Crioulas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e hoje coordena a Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas, da CONAQ, que conduz o processo de formação de professores e professoras quilombolas.

Givânia explica: Nossas comunidades tradicionais têm uma relação diferenciada com o território, porque o território não é só um espaço de ocupação, não é só uma terra mensurável, mas é, sobretudo, os modos de vida, os modos de pensar, os modos de ver o mundo.

Nós reconhecemos o território como um espaço sagrado, onde é possível produzir seu sustento de forma saudável sem destruir o meio ambiente. 

O que nos falta é uma política pública voltada para mais investimento em uma educação diferenciada, conforme os nossos valores, que nos traga mais informações sobre a Caatinga, sobre o meio ambiente e sobre as mudanças climáticas.

A gente não conhece muito sobre a Caatinga [e] a gente não valoriza o que a gente não conhece, não é mesmo?” Portanto, queremos uma educação que não seja a clássica educação bancária, mas que seja uma educação que seja sobre o território, no território e com o território.

É com essa educação que poderemos lutar com mais forças para que o semiárido da Caatinga não se transforme de vez em um deserto. 

Conceição das Crioulas, a comunidade de Givânia, é um patrimônio histórico e cultural do Brasil, com mais de dois séculos de convivência com o Semiárido, onde hoje vivem aproximadamente 750 famílias.

O nome se deve às conquistas realizadas pelas mulheres fundadoras da comunidade, que superaram imensas barreiras para adquirir seu pedaço de chão e exemplificam a tamanha importância das mulheres, que são as grandes heroínas do sertão brasileiro.

Histórias como as de Naidison e Givânia, seres humanos extraordinários, exemplos de vidas dedicadas à resistência na Caatinga, ele mestre, ela mestra na convivência com o Semiárido, nos transmitem lições valiosas que precisam ser conhecidas por todos e todas nós que vivemos em um Brasil e em um planeta que está ficando cada vez mais seco. 

Imagem do WhatsApp de 2023 03 13 as 14.52.42Eduardo Pereira – Sociólogo. Produtor de Vídeos. Sócio e redator voluntário da Revista Xapuri.

 

 

NOTA DA REDAÇÃOEsta matéria não seria possível sem a contribuição generosa de Alexandre Henrique Bezerra PiresDiretor do Departamento de Combate à Desertificação – Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável – Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), a quem agradecemos pela entrevista, pelas informações valiosas e pelos contatos com Naidison e Givânia. 
Capa: A. Duarte, via VisualHunt.com / CC BY-SA. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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