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Canudos: A Saga de Conselheiro nos Sertões

A Saga de Conselheiro nos Sertões

Por Gustavo Dourado

Retorno ao longo do tempo

Para poder recordar

Dos Sertões de Conselheiro
Com Euclides a narrar
A Epopéia de Canudos
Vou aqui rememorar…

Mestre Euclides da Cunha
Jornalista e engenheiro
Escritor de obra-prima
E lida no mundo inteiro
Os Sertões é grande clássico
Do pensamento brasileiro…

Euclides era rigoroso
Na elaboração textual
Militar e engenheiro
Jornalista social
Da epopéia de Canudos
Fez registro magistral…
A batalha foi sangrenta
O povo contra o poder
A República sanguinária
Fez a História perverter
Botou fogo e jogou água
Para o crime esconder…

Gemem as almas das crianças
No local abandonado
Velhos e moribundos
Todos vítimas do Estado
Deu-se o bárbaro Holocasuto
De um povo martirizado…

Ré…República criminosa
Hecatombe no Sertão
Milhares exterminados
Pelas mãos da repressão
Do Estado que tortura
E castra a Revôolução…

Continua o mesmo drama
No Brasil de Sul a Norte
A miséria em todo canto
Exploração em grande porte
Fome, morte, espoliação:
Paus-de-arara no transporte…

Sertanejo sempre bravo
Corajoso…combatente
Enfrentou com garra e fé
O veneno da $erpente
O Estado autoritário
Que massacra a sua gente

Canudos é um exemplo
De um povo bem valente
Forte por natureza
Sempre foi um resistente
Contra as agruras da vida:
De uma elite que só… mente…

O Estado tudo fez
Para a História esconder
Inundaram o local
Para o fato perecer
Mas a seca de repente:
Faz tudo aparecer…

Os massacres continuam
Contra o povo sofredor
Um povo que não se curva
À miséria e a dor
Que quer novo Conselheiro:
Para ser seu Redentor…

Povo que não quer esmola
Quer saúde e educação
Quer crédito para o plantio
De arroz, milho e feijão
É um povo que só recebe:
Imposto, fome, exploração…

Um povo que não se verga
À tirania do Estado
Que vive no sofrimento
Faminto e espoliado:
Um povo que não aguenta:
A mísera vida de gado…

É um povo sonhador
Que quer o essencial
Terra, amor, casa e comida
Emprego e vida normal
Que quer paz e equilíbrio
Sem miséria no quintal…

A Insurreição Sertaneja
Em Os Sertões é retratada
Tudo está tão desigual
Sofrimento na jornada
Um povo que passa fome
Sem escola, sem mais nada…

Euclides ecoou o Grito
Do sertanejo, o degredo
Resgate-se nossa História
Desenrole-se o enredo
Enalteça-se o Conselheiro:
Um brasileiro sem medo…

Os Sertões e sua gente
Euclides nos demonstrou
“O sertanejo é um forte”
O mestre salientou…
Foi além do científico:
Ao sertanejo humanizou…

Mandacarus, xiquexiques
Gravatás, surucucu
Cactáceas e xerófitas
Cascavel, jaracuçu
Cabeças de frade ao vento:
As sombras dos pés de umbú

O vaqueiro na paisagem
Na caatinga: imperador
Espora e gibão de couro
Gigante desbrava-a-dor
No sertão tem seu destaque:
Nos versos do cantador

Crianças abandonadas
Sertanejos destemidos
O Estado sempre ausente
Naqueles mundos perdidos
Um homem a resistir:
Lá nos sertões esquecidos…

Tudo continua igual
Pelas bandas do Sertão
O Povo a passar fome:
Não recebe educação
Na espreita os Conselheiros:
Pra nova rebelião…

Gustavo Dourado 

 
Foto: Flavio de Barros. 400 jagunços prisioneiros, 2 de outubro de 1897. Canudos, Bahia / Acervo Museu da República / Imagem recuperada digitalmente pelo Instituto Moreira Salles
 
Nota do Autor: O cordel em análise nos revela uma visão crítica da história oficial de Antônio Conselheiro e sua atuação na Guerra de Canudos. Diferentemente do que é divulgado nos documentos oficiais, Antônio Conselheiro, na visão do cordelista, não é o marginal descrito pela história oficial.
 
No citado cordel, o povoado de Canudos nada mais foi do que uma forma de associação de pessoas desprovidas de qualquer meio de subsistência, que encontraram na solidariedade e organização coletiva uma forma alternativa para enfrentar as dificuldades impostas tanto pelas condições naturais adversas, quanto pelo domínio exercido pelos coronéis e governantes.
 
Vista por essa ótica Canudos não foi nada mais do que um exemplo de resistência do povo oprimido por uma condição socioeconômica perversa a eles imposta. Dessa forma, Antônio Conselheiro apresenta-se como herói para uns e bandido para outros, pelo fato de ter se tornado um líder nordestino como tantos outros, a exemplo de Virgulino Ferreira (Lampião).
 
Este enfoque permite ao educador abordar assuntos relativos à região Nordeste, tais como: coronelismo, estrutura fundiária, concentração de renda e relação de poder entre o povo trabalhador e a elite dominante.
DOURADO, Gustavo.
 
A Saga de Conselheiro nos Sertões. s/d. disponível online em: http://www.gustavodourado.com.br/ .
Universidade Federal da Paraíba. Centro de Ciências Exatas e da Natureza.
 
Programa de Pós-Graduação em Geografia. Mestrado Joseilton José de Araújo Silva:  A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA DE CORDEL COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO-METODOLÓGICO NO ENSINO DE GEOGRAFIA. João Pessoa – PB, 2012. 
 
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba (PPGG/UFPB), para obtenção da titulação de mestrado em Geografia.
 
Orientadora: Prfa Dra Maria Adailza Martins de Albuquerque – João Pessoa – PB 2012.

Gustavo Dourado é um dos maiores poetas-cordelistas do Brasil. Gustavo é também presidente da Academia de Letras de Taguatinga.

foto: dzai.com.br

Publicado originalmente em 25 de mar de 2022


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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