CARLOS NOBRE: DESMATAMENTO PODE TRANSFORMAR A AMAZÔNIA EM UMA GRANDE SAVANA AFRICANA

CARLOS NOBRE: DESMATAMENTO PODE TRANSFORMAR A AMAZÔNIA EM UMA GRANDE SAVANA AFRICANA

Amazônia ou Cerrado? Pesquisador alerta para possível mudança de bioma na maior floresta tropical do mundo

Para Carlos Nobre, da USP, desmatamentos constantes podem transformar o que hoje é um grande campo tropical em uma grande savana africana

 Cerrado ou Savana. Um desses dois pode — e deve — ser o futuro da maior floresta tropical do mundo: a Amazônia. Ao menos é o que defendeu o climatologista brasileiro Carlos Nobre em entrevista à revista estadunidense National Geographic em janeiro.

Os sinais do processo chamado de “savanização” estão no fato de que muitas espécies de árvores típicas da região estão morrendo, além do aumento da estação seca em grandes áreas da floresta.

A pesquisa conduzida por Nobre mostra que, considerando as últimas três décadas, o período de seca do Sudeste e do Sul amazônicos aumentaram em seis dias. No passado recente, a estação sem chuvas chegou a durar mais da metade de um mês. “Se continuar assim, aquela região acabará virando uma savana bem degradada”, disse ele, se referindo ao bioma natural africano.

Ele contou à publicação estadunidense que certas regiões do cerrado brasileiro têm o mesmo volume de chuvas que Santarém, no Pará, que faz parte da Amazônia. “Se chove o mesmo volume, por que em um lugar se tem floresta e no outro, cerrado? Na região de Santarém a chuva é bem distribuída o ano todo e a estação seca é muito curta.

No Cerrado, a precipitação é muito concentrada na estação chuvosa, e depois essas regiões passam por três, quatro meses de chuva zero, enquanto em Santarém chove 80, 100 milímetros na estação seca. Essa é a grande diferença. Estudos de ecologia começam a mostrar um aumento da mortalidade de algumas espécies de árvores. Então, estamos realmente muito próximos desse ponto de ruptura”, afirmou.

Não é a primeira vez que o especialista alerta sobre a mudança amazônica: em 1991, quando publicou sua hipótese de savanização, 8% da floresta era desmatada anualmente — hoje chega a 20%. Ele também é um dos autores do relatório sobre o aquecimento global do Painel Intergovernamental em Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Segundo analistas, a mudança de bioma afetará muitas cadeias diferentes oriundas da floresta: do setor de flores online ao da borracha.

A savanização, causada pelos desmatamentos, queimadas e pelo processo do aquecimento global, pode acontecer com mais vigor se a temperatura na região passar de 4°C — atualmente está em 1,5°C. “Seria um caso extremo, no qual as emissões continuariam como estão por 40, 50 anos. Recentemente, escrevemos um alerta na [revista científica] Science Advances de que não deveríamos deixar o desmatamento passar de 20%, 25% na Bacia Amazônica como um todo. Já chegou a 17% na [parte] internacional; na parte brasileira, a 20%”, relatou.

Nobre também ajudou a produzir o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção 2018, resultado de um estudo que teve participação de outros 1.270 pesquisadores e que foi divulgado em janeiro pelo Instituto de Conservação da Biodiversidade Chico Mendes (ICMBio).

Detentor do maior sistema fluvial do mundo e da mais expressiva variedade de anfíbios e primatas, o Brasil contabiliza atualmente 1.173 espécies da fauna com sua perpetuidade sob risco. Outras 318, embora não estejam prestes a desaparecer, também têm a existência ameaçada.

Diferindo do mais antigo levantamento nacional já registrado, realizado em 1968 pelo então órgão ambiental competente, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), o livro aborda, de forma inédita, o risco de extinção da vida animal no Brasil, uma vez que abrange todos os vertebrados que existem no país. Se considerada somente essa parcela, o total de espécies chega a quase 9 mil.

A Amazônia, o bioma mais rico em espécies de fauna, tem milhares espécies em risco de extinção. Para a elaboração do Livro Vermelho 2018, os pesquisadores tiveram como escopo o exame de 12.254 táxons (unidades de classificação de seres vivos), dos quais 226 (1,8%) foram incluídos na categoria Não Aplicável (NA) para a avaliação, por não pertencer de fato à fauna local. “A maioria dessas espécies é de aves, peixes marinhos ou mamíferos marinhos, muitas com comportamento migratório, ampla distribuição fora do Brasil e ocorrendo apenas ocasionalmente em território brasileiro”, explica a autarquia.

CARLOS NOBRE: DESMATAMENTO PODE TRANSFORMAR A AMAZÔNIA EM UMA GRANDE SAVANA AFRICANA

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p style=”text-align: justify;”>Foto: Caetano Scannavino

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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