Chico Mendes, Amazôna e Meio Ambiente
O dia 5 de junho é uma data de extrema importância para a conscientização global sobre a necessidade de proteger e preservar nosso planeta
Por Elenira Mendes
Este dia busca sensibilizar indivíduos, comunidades e governos sobre os desafios ambientais que enfrentamos, incentivando ações que promovam a sustentabilidade e a conservação dos recursos naturais.
Esta data ganha um significado especial ao lembrarmos de Chico Mendes, um ícone na luta pela preservação ambiental e pelos direitos dos povos da floresta.
Chico Mendes é reconhecido como patrono do meio ambiente no Brasil, um título que homenageia seu legado e sua dedicação inabalável à causa ambiental, seu legado continua vivo e inspira movimentos ambientalistas e sociais ao redor do mundo.
Ele é lembrado não apenas como um defensor do meio ambiente, mas como um símbolo de resistência e coragem frente às adversidades.
Elenira Mendes – Advogada. Ambientalista. Filha de Chico Mendes
Chico Mendes: uma pessoa de paz
O Chico nunca foi uma pessoa agressiva, mesmo nas situações mais difíceis. Era como se fosse um enfrentamento de mineiro: calmo, falando devagar. Ele sempre começava assim: “Nós estamos aqui porque queremos explicar pro senhor” … No empate da fazenda Bordon [em maio de 1988], a tensão era muito grande. Fomos ele e eu falar com “gato”, que comandava os peões.
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O Chico, bem manso: “Sei que você não é o fazendeiro e está aqui porque também é um explorado. Então eu queria que você entendesse que isso que vocês estão fazendo não é uma coisa boa. Queria também falar para os companheiros que estão derrubando, que até um tempo desses eles estavam na colocação. Como perderam a terra, agora estão ganhando diária para poder derrubar” … Era incrível, porque eles estavam querendo engolir o Chico e ele ali, fazendo preleção, puxando conversa com cada um.
Uma característica de Chico era ser uma pessoa de paz, profundamente de paz. Nunca tivemos nenhuma discussão. No final de 1988, uma semana antes de eu ir para São Paulo tentar um tratamento para hepatite B, passei uns dias em Xapuri, hospedada na casa de Chico, como sempre fazia.
Hoje, quando penso nisso fico muito emocionada. Era uma relação de tanta confiança, de tanta fraternidade, que naquela casa pequena, que só tinha um quarto, ele e a Ilza me abrigavam junto à cama deles, num colchonete, perto das crianças. Na maioria das vezes, na verdade, quem ia para o chão era o Chico, e eu ficava na cama com a Ilza e uma das crianças. Passei uns três dias naquela mesma casinha onde ele foi assassinado.
Quando estava indo embora, ele me acompanhou até a rodoviária. A gente ali conversando e ele me disse: “Nega veia” – que era como ele me tratava – “acho que dessa vez não tem jeito não”. Eu fiz um gesto de contrariedade. Mas ele continuou, muito sério “Não tem jeito. Acho que os cabras vão me pegar”.
Saímos andando, num silêncio perturbador. Muito angustiada, tentei achar uma saída: “Por que você não fala com o pessoal de Rio Branco, para fazer uma denúncia?”. E ele: “Não adianta. Quando faço isso eles dizem que quero me promover, me fazer de mártir. Até os jornalistas fazem piada”. Senti uma dor muito funda, porque ele estava encurralado, sem nenhuma proteção, e desanimado.
Cheguei em São Paulo e fiquei na casa de parentes do Fábio, meu marido, em Ribeirão Pires, atrás de um médico naturopata. Fiz a consulta, ele me prescreveu remédios naturais para a hepatite, e saí bem animada.
Quando foi mais ou menos 10 horas da noite, fazia um frio danado, tocou o telefone. Era o Gilson, primo do Fábio. A primeira coisa que ele me disse foi: “Você fica calma”. Eu respondi: “Mataram o Chico Mendes?”. Ele perguntou: “Como é que você sabe?”. A conversa encerrou aí. Eu não tinha mais como falar nada.
Não conseguimos dinheiro de imediato para comprar passagem de volta para Rio Branco. O Fábio e eu só conseguimos chegar para a missa de sétimo dia. Já tinha se passado uma semana, mas os telefones do PT, do Sindicato, não paravam de tocar. Era gente do País e do mundo inteiro querendo informações.
Num desses momentos, estávamos no salão paroquial da catedral de Rio Branco e chegou um grupo de parlamentares americanos. Um deles era o Al Gore. Vieram se solidarizar com o Movimento Seringueiro e com a família. A postura do Al Gore foi muito marcante para mim.
Aquele homem alto, muito branco, roxo de tanto calor, com a camisa toda molhada de suor, liderava o grupo. Queria saber como ajudar, mas de maneira muito simples, sem ostentação, respeitando as pessoas e as circunstâncias. Passava sinceridade.
Quando, depois, ele fez o documentário Uma verdade inconveniente e ganhou o prêmio Nobel, muitas pessoas acharam que ele só estava usando a causa ambiental para se promover. Por questão de justiça, sempre dei o testemunho de que ele está nessa estrada há muito tempo.
Hoje, pensando em tudo o que aconteceu depois da morte de Chico, faz muita falta o olhar e a presença de uma pessoa que constituía processos políticos éticos e inovadores quando tudo parecia impossível.
Imaginar que um dia o Lula chegaria à Presidência da República, que o Jorge seria Governador do Acre; e o Binho, que era um menino do Projeto Seringueiro, seria também Governador; o Nilson Mourão, Deputado Federal, e eu, que já seria difícil me imaginar vereadora de Rio Branco, quanto mais Senadora da República e, por duas vezes, Ministra do Meio Ambiente nos governos do Presidente Lula.
Existem determinadas causas que parecem tomar conta de nós, porque fazem tanto sentido que nada mais nos segura, não existem amarras. O Chico poderia ter passado um tempo fora do Acre para fugir das ameaças de morte. Convites não faltaram, inclusive vindos de outros países. Poderia, pelo menos, ter passado aquele Natal de 1988 no Rio de Janeiro, como os amigos de lá insistiam, mas ele não conseguia se imaginar exilado do Acre, de Xapuri, sobretudo no Natal, porque a Ilza e as crianças ficariam sozinhas.
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p style=”text-align: justify;”>E também teria a missa, a reunião, os companheiros que sempre vinham do mato para a cidade nessa época do ano, e seria uma ótima oportunidade para conversar. Ele poderia ter feito outra escolha, mas existe um lugar de desejo, de vontade, que às vezes é tão forte que passa por cima até mesmo da própria condição de sobrevivência. E, se ele ouvisse só a pura razão da consciência ou da autopreservação, não teria sido o Chico Mendes!