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Ciência e tecnologia sem arrogância!

Ciência e tecnologia sem arrogância!

Por Elson Martins

Com seu qualificado e ousado Jornal Pessoal, o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, que mora em Belém, vive alertando que para desenvolver a Amazônia com sustentabilidade é preciso aplicar ciência e tecnologia em alta escala, através de politicas públicas decentes. Um aliado dele, com a visão de quem conhece e quer o bem do povo da região é o cientista Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia, de Manaus, para quem a ciência encontra meio caminho andado nos nossos caboclos do mato ou da beira dos rios. Até recomendo aos amazônidas nascidos e de coração, principalmente aos jovens que estão saindo das faculdades de jornalismo, que acompanhem de perto o trabalho desses dois.

Lúcio Flávio mantém seu bravo jornalzinho em circulação nas bancas de Belém há 27 anos e já produziu mais de 12 livros que reúnem o que há de mais confiável sobre as patadas históricas cometidas contra a Amazônia. Por conta disso, tornou-se um jornalista premiado, nacional e internacionalmente, embora ameaçado pela conservadora, ambiciosa e truculenta elite paraense. Eu diria que também pela elite do outro Brasil, que fica mais ao Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

No livro “Guerra Amazônica”, volume 1, publicado em novembro de 2005, Lúcio Flávio reproduz entrevista que deu a um grupo de pesquisadores de Belém que lhe pergunta: “como avalia a ciência produzida na Amazônia?”

Ele responde que os cientistas não deveriam produzir apenas ciência, mas como “colonos-cientistas” poderiam ser assentados em projetos de colonização para demonstrar na prática as propostas que desenvolvem na universidade:

“Se esse colono-cientista estuda arroz, vai plantar arroz. Vai ensinar como é que se faz, fazendo. Vamos pegar o cara e coloca-lo no campo (e não no campus) com bolsa de pesquisa, uma estrutura mínima. Se a gente não colocar a formação antes da transformação, a Amazônia estará liquidada. Sei que serão necessários muitos milhões de reais no começo.”

Para o jornalista, que também é sociólogo, esse investimento deveria ser concebido como “vanguarda”:

“Vamos pegar a meninada da USP, da UFRJ, da UFPA (também da UFAC) etc. – com uma boa bolsa e vamos para o campo aprender. Os orientadores também devem ir ao campo com boas condições e bons salários (…) É como se estivéssemos em Israel. A nossa guerra é a guerra da ciência. Guerra da ciência não é ficar fazendo o seu trabalhozinho acadêmico. É fazer a difusão da ciência lá no campo, enquanto se faz ciência de vanguarda nos laboratórios, nos gabinetes, nas bases de observação”.

Segundo Lúcio Flávio Pinto, os colonos não cientistas iam aprender e também ensinar. Ele acrescenta que o doutor tem que deixar a postura arrogante de ficar repetindo: eu sei, eu vou ditar. “Se você sabe, você faz”.

Já o diretor do Musa de Manaus, Ennio Candotti, num texto recente, indaga se os ribeirinhos que habitam as margens dos rios e igarapés da Amazônia “são parte do problema ou da solução da questão da defesa, da produção de conhecimentos científicos de botânica e zoologia, da conservação ambiental e do desenvolvimento econômico e social da região”:

“Se a resposta for que são parte da solução, uma vez que é dever do Estado estar presente em todo o território nacional, eles são muito importantes para monitorar o movimento de pessoas e animais e o trânsito das mercadorias pelos rios, apoiar como guias e conhecedores da floresta a coleta de material para pesquisa (sementes, resinas e amostras de fauna e flora) e colaborar nas diferentes etapas na construção dos conhecimentos no campo e nos laboratórios dos centros de ciência e tecnologia”.

Ora, lembra Candotti, todos sabemos que foram os ribeirinhos dos rios e igarapés das florestas do Vietnam que, oferecendo decisivo apoio ao exército vietnamita derrotaram, em 1972, o poderoso exército de ocupação dos Estados Unidos. Ou seja, os caboquinhos da Foz do Amazonas não seriam, também, determinantes em programas de defesa de nossa região?

Em tempos de paz, os gringos já se rendem à sabedoria que as elites brasileiras teimam em ignorar: os navios de grande porte que chegam com cargas ou passageiros lá do mundo desenvolvido, por exemplo, para navegar nas águas do portentoso Rio Amazonas, precisam contratar, pagando boa quantia em dólares, a um dos “práticos” que vive em Macapá ou Belém, sabendo (sabe-se lá como!), enxergar a profundeza das águas barrentas a partir do movimento delas na superfície. E não contratem, pra ver!

Elson Martins – Jornalista.  Texto  publicado originalmente na Coluna Voz das Selvas (2013) e republicado em 13 de fevereiro de 2015, na coluna Almanacre (Jornal Página 20).

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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