A constituição da família no seringal obedece, quase sempre, a regras muito peculiares. O “casamento de papel passado” ou na igreja é muito raro e, segundo os próprios seringueiros, desnecessário e dispendioso, pois, se houver casamento, tem de haver festa.
Para evitar essa despesa, mas, talvez, para tornar o “casamento” mais emocionante, é melhor carregar ou roubar a futura esposa e, dessa forma, estabelecer, de fato, o casamento, tornando-o fato consumado.
Muitas são as estórias dos seringueiros sobre seus “casamentos”. Mas o mais importante é frisar que a maioria dos casais dos seringueiros não são formalmente casados, vivendo juntos, apenas. Mas, aqui está um fato interessante: mesmo tendo, normalmente, “roubado” sua esposa, o seringueiro não admite que alguém “roube”a sua filha. Quando isso ocorre, a reação é, sempre, bastante violenta.
Parece que há uma necessidade de exteriorizar uma não concordância com o que a filha fez, ou com o genro, normalmente tachado num primeiro arroubo de “cabra safado”, por não ter tido a coragem de pedir a filha em casamento.
Quando a filha de um seringueiro foge, o pai faz, então, o maior jogo de cena. Promete que não vai perdoá-la nunca e que nem quer vê-la. Passado, no entanto, uma semana, mais ou menos, a filha volta à casa dos pais, raramente trazendo o companheiro nessa primeira visita, para ver como está o ambiente.
Normalmente, como em toda situação semelhante, as mães é que são procuradas para “amaciar” os pais que, depois de grandes sermões acabam abençoando a filha. Fica, então, resolvida a situação e o casamento formalizado, ou seja, aceito. O genro, então, vem visitar os sogros, como forma de mostrar que pretende levar adiante a nova família.
Essa situação toda explica-se pelo fato de que, normalmente, todos se conhecem no seringal, não havendo porque manter um ódio que, de fato, não existe, é apenas momentâneo.
As fugas das mulheres no seringal ocorrem, muitas vezes, sem maior preparação e, até, muitas vezes, sem qualquer namoro prévio. É uma questão de interessar-se um pelo outro e acertar o “roubo” da mulher. É quase que um ritual da floresta. Quanto mais difícil for a “fuga”, maior é a prova de amor.
As festas são, também, ótimas oportunidades para que ocorram as fugas das mulheres, já que, juntando muita gente, por mais que mãe vigie, é mais fácil, pois o pai, normalmente, depois de algumas horas já bebeu bastante cachaça, facilitando trabalho. Já a mãe, não raro, tem que dividir tem que dividir suas atenções entre a filha na sala, onde todos estão dançando, e a ajuda na cozinha, pois as mulheres todas se ajudam nessas oportunidades. Afora o fato de que as próprias mães também, normalmente, gostam de dançar.
Os homens jovens, no seringal, começam trabalhando de “meieiro” com algum seringueiro que tenha estradas [de seringa] disponíveis. Quando já está pensando em se casar, o jovem dá logo um jeito de arranjar sua própria colocação que, às vezes, quando há disponibilidade, pode ser dentro da própria colocação dos pais.
O casamento no seringal, até porque as diversões são raras, ocorrem muito cedo, com o homem na faixa dos vinte anos e a mulher a partir dos doze anos já é considerada apta para o matrimônio. Isso faz com que as famílias sejam numerosas, , pois um casal tem, normalmente, de seis a oito filhos, havendo aqueles que chegam a quinze ou vinte.
Atualmente o número de filhos tem diminuído, até pelas informações que começam a chegar aos seringais sobre os cuidados com a saúde e o controle natural da natalidade. Nos seringais mais distantes, no entanto, a prática e a regra continuam as mesmas: casamento cedo e muitos filhos.
O casamento formal, por outro lado, somente acontece muitos anos depois, aproveitando-se a visita de algum padre em “desobriga”. Com o casamento dessa forma, não é preciso fazer nenhuma festa, se bem que esta normalmente acontece, mas como uma atividade coletiva, bancada por vários, festejando o batizado de vários filhos e o compadrio que se estabelece no seringal.
Casa do Chico Mendes em Xapuri – fundos. Foto: penaestrada.blog.br
ANOTE AÍ:
Este texto é um excerto do livro Caminhando na Floresta, de Gomercindo Rodrigues. Editoras UFAC/Xapuri, 2009.