Como surgiu o milho cateto, segundo o povo Guarani
Conta o povo Guarani que, há muitos e muitos anos, em um lugar bem distante, havia uma aldeia onde não existiam muitos recursos e às vezes faltavam alimentos.
Por Zezé Weiss
Nessa aldeia morava uma família que tinha um filho de pele branca e cabelos amarelados, com o nome de Avaxim. Ali, ninguém gostava de Avaxim, por ele ser diferente de todas as demais pessoas.
O tempo foi passando, o menino cresceu, virou adolescente, tornou-se um jovem e, quando deu o tempo de se casar, Avaxim se apaixonou pela filha do chefe da aldeia que, por causa aparência distinta do moço, não permitiu o casamento.
Depois de muito rezar para que Nhanderu (o deus criador) fizesse com que gostassem dele, Avaxim foi ficando cada vez mais triste e acabou morrendo de tristeza.
Como não era considerado parte da aldeia, seu corpo foi enterrado em local distante, longe das outras pessoas da comunidade
MILHO: O ALIMENTO DAS AMÉRICAS
Que tipo de alimento é o milho?
O milho é um alimento da família das gramíneas (família Poaceae). São plantas que têm por característica apresentar flores muito pequenas e frutos secos chamados grãos e pode atingir, dependendo da raça de milho, de 50 cm a 5 metros de altura. Um nome popular para as gramíneas é o cereal. O milho é um tipo de cereal, assim como o arroz. E para entender melhor essa familiaridade dos dois, leia sobre alimentos integrais.
Qual a origem do milho?
As pesquisas atuais com análise de cromossomos concluiu que o ancestral do milho chama-se teosinto. É uma planta que só tem uma fileira de grãos. E a hipótese mais aceita pela comunidade acadêmica é a de que os povos que viviam na região do México se interessaram pelo teosinto e começaram a consumi-lo na forma de pipoca pela facilidade que o grão do teosinto estoura, assim como o nosso conhecido milho de pipoca.
E foi fazendo a seleção das sementes após os plantios, com o passar do tempo, esse ancestral foi ficando com o jeito de milho.
Os cientistas descobriram após escavarem uma área rochosa conhecida como Xihuatoxtla, localizada no vale do Rio Balsas de Guerrero, México, que o teosinto começou a ser cultivado e domesticado por volta de 9.000 anos atrás. O milho está presente em vários países, como ele se espalhou pelo mundo?
O mesmo estudo citado acima aponta que o plantio do milho teria se alastrado para o Panamá, na América Central, há cerca de 7,6 mil anos e chegado ao norte da América do Sul há cerca de 6 mil anos.
Os europeus encontraram o milho cultivado em todas as Américas e, logo depois das primeiras viagens, espanhóis e portugueses difundiram a planta na Europa, na África e na Ásia.
Já com protagonismo nas refeições dos povos ameríndios, o milho assumiu uma posição dominante na alimentação de muitas populações mundo afora.
Quantas variedades de milho existem no Brasil?
Milho não é tudo igual. Citamos os nomes populares de algumas espécies catalogadas no Brasil pois, segundo a equipe de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), foram identificadas 343 variedades crioulas diferentes de milho no Brasil e no Uruguai, as quais representam 32 raças.
Confira os nomes populares de algumas variedades de milho encontradas no Brasil:
Milho Massa (nome original: Entrelaçado)
Com incidência nos estados do Acre e Rondônia, essa espécie gera as preparações de chicha, bolo, pão, broa, mingau, pamonha, cuscuz canjica e pode ser consumido também in natura.
Milho Catingueiro (nome original: Complexo Cateto)
Presente nos estados do Mato Grosso do Sul e Minas Gerais é utilizado para o preparo de pamonha, curau, canjica e consumido in natura.
Milho Bico de Ouro (nome original: Dente Rio Grandense)
Localizado no estado do Rio Grande do Sul, é utilizado para farinha, polenta, angu, pamonha, bolos, pães, broas e para comer in natura.
Milho Saboró (nome original: Avati Moroti)
Presente principalmente nos estados do Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul essa espécie tem uso culinário para: fubá, bolo, pão, broa chipá, polenta e angu
Milho Cunha Vermelho (nome original: Cravo)
Essa espécie é localizada na Mata Atlântica Pampa, no Rio Grande do Sul e pode ser usada para fazer bolo, pão, broa, farinha e comer a espiga in natura.
Milho Pintadinho ou Sol da manhã (nome original: Complexo Cateto)
Tem registro de cultivo nos estados do Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Com essa variedade é possível fazer pamonha, curau, canjica e comê-lo in natura.
E para o povo Guarani Mbya o milho é um dos vários alimentos sagrados. A etnia se considera guardiã do milho e busca sempre defender as condições territoriais para plantar o milho.
Os povos Guarani tem muitas histórias sobre o surgimento do milho, conforme narra o professor Guarani Mbya, Geraldo Karaí Okenda:
“Um jovem guarani apareceu para três crianças que estavam sozinhas enquanto os pais foram à mata buscar pedra mole para comerem. Ele carregava um alimento amarelo e disse que poderia ser assado, torrado, socado no pilão. Quando os pais retornaram, os filhos já estavam alimentados.
A filha mais velha pediu para o pai roçar o taquaral, depois queimar e pisotear a terra. O pai assim o fez e o Deus Tupã imediatamente mandou relâmpagos e trovões. Após a chuva, o pai foi até a roça e encontrou plantado todos os alimentos que existem até hoje. Assim surgiu o milho para o povo Guarani”.
Milho de espiga é o mesmo milho da pipoca?
Não, são espécies diferentes e vamos detalhar porque um milho estoura e o outro não.
- Em termos simples:
- O milho de pipoca é bem menor do que o grão do milho comum, Tem o formato mais achatado e o outro é arredondado
- Contém mais água em seu interior
- A casca do milho comum é muito resistente, ela não expande
- O milho que estoura contém muito amido duro no seu interior e esse componente tem a propriedade de estourar e produzir a flor da pipoca que consumimos
Quais as receitas tradicionais com milho?
O milho é um alimento da safra do meio do ano e por isso, aqui no Brasil, integra vários pratos regionais.
Ele é o carro-chefe de várias receitas que compõem a culinária sertaneja, como por exemplo, o milho de canjica, o milho quebrado em forma de canjiquinha, pamonha, bolo de milho verde, esses são alguns dos pratos típicos das festas juninas.
O milho protagoniza as refeições de outras festas populares ao longo do continente americano. O chica é uma bebida fermentada de milho produzida pelos povos indígenas da Cordilheira dos Andes e da América Latina em geral. É considerada sagrada e está presente em cerimônias religiosas e festas.
No litoral do Peru, por exemplo, existe o Festival Chica com música tradicional e recital de poesia loncca, originária de Arequipa, uma cidade peruana.
Para o povo Guarani Mbya existe um respeito e adoração aos alimentos. Por isso, existem rituais de preparação para o plantio e a colheita, que é uma forma deles estabelecerem uma ligação dos alimentos com os seus espíritos protetores, e para fortalecer e proteger aqueles que irão se alimentar com o milho e outros alimentos cultivados.
O uso do petynguá (cachimbo sagrado Guarani Mbya), segundo a xejary (anciã) Rosa Rodrigues, da aldeia Yguá Porá, faz nascer o milho verdadeiro, o milho Guarani.
E voltando ao país de origem do milho, no México, o pozole é um um prato típico muito consumido por todo país e no sudoeste dos Estados Unidos. A iguaria é uma espécie de sopa feita de milho, com carne de porco ou frango e diversos vegetais e outros ingredientes, como cebola, alface, queijo ou malagueta.
Ao falar em culinária tradicional da Venezuela, não tem como não pensar nas arepas, que são discos de massa de milho e levam recheio de carne desfiada, ovos, tomate e cebola e abacate.
Valorize o milho crioulo ao invés do transgênico
O milho é atualmente o cereal mais produzido no mundo, entretanto, esse volume de produção e a forma de cultivo dele estão longe das suas origens.
Ao invés de realizar a seleção natural das melhores sementes, grandes empresas do agronegócio realizam em laboratório a transferência artificial de genes de plantas, animais, vírus ou bactérias – que possuem determinadas características desejadas de uma espécie para outra.
Cerca de 90% do milho comercializado é transgênico. E o cultivo transgênico representa altos riscos para o meio ambiente e para a saúde humana.
Indústrias que comercializam alimentos transgênicos contribuem pouco com o abastecimento interno e menos ainda com a tributação.
É a concentração de renda na mão de poucos.
O cultivo de monoculturas como a do milho que servem de base para produtos ultraprocessados e cheios de veneno é uma continuação da colonização da nossa terra e do nosso paladar.
Por isso, recomendamos a valorização do milho agroecológico, crioulo, que é uma semente sem modificação genética. Um alimento ancestral passado de geração em geração.
Dê preferência a consumir fubá, amido de milho, arroz, feijão e outros cultivos da agricultura familiar. Procure nas feiras, compras coletivas da sua região ou pesquise a disponibilidade no Mapa de Feiras Orgânicas.