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Direitos dos povos: ameaça a comunidades indígenas nunca foi maior

Direitos dos povos: ameaça a comunidades indígenas nunca foi maior

Por Redação Capital

O direito à existência, manutenção do modo de vida tradicional e territórios demarcados das populações originais do Brasil – os – estão sob ameaça, de um jeito que jamais estiveram desde a redemocratização do país, na década de 1980.

Tal entendimento, compartilhado pela maioria das instituições, acadêmicos e especialistas que acompanham a questão indígena no país, não é fundado em mera opinião, muito menos em achismos ou orientações mais ideológicas do que técnicas.

O que justifica o receio dos especialistas são os fatos e indícios presentes até aqui, acerca dos projetos e discurso de Jair Bolsonaro, da composição de sua equipe nas áreas relacionadas ao tema e do direcionamento das forças políticas e econômicas que lhe dão sustenção.

O fim da demarcação de terras

Não foi uma, não foram duas e não foram três. Sempre que a oportunidade permitia, o então candidato Jair Bolsonaro repetia a quem quisesse ouvir e ler noticias. Se eleito, não permitiria a de mais um hectare sequer de territórios indígenas no país.

Uma das últimas declarações do capitão da reserva nesse sentido foi em 28 de outubro, quando afirmou não apenas que não abriria mais processos demarcatórios, mas que também interromperia os 129 que já estão em andamento em todo o país, onde vivem cerca de 120 mil indígenas.

A gravidade da questão é explicada por Spensy Pimentel, antropólogo, professor na Universidade Federal do Sul da Bahia e pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios da USP. O especialista é um crítico das políticas de proteção ao índio aplicadas nos últimos anos, inclusive nos governos e Dilma Rousseff.

Atualmente, porém, está ainda mais apreensivo, e explica o motivo: “O discurso de Jair Bolsonaro e de setores ruralistas que o apoiam é o de que já existem reservas indígenas demais. O que não é levado em conta é que metade da população indígena brasileira vive na região amazônica, que concentra 98,5% das reservas demarcadas. Já a outra metade ocupa apenas 1,5% do território protegido. Em alguns lugares, a situação beira o confinamento, gerando uma infinidade de problemas, desde pobreza, falta de , aumento da criminalidade, conflitos internos e com comunidades vizinhas e até uma epidemia de suicídios nas áreas mais problemáticas”, alerta o antropólogo.

“Se de fato não forem feitas mais demarcações, principalmente na região centro-sul do país, o que se pode esperar é uma situação de emergência, com potencial para uma catástrofe humana.”

damares

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A PASTORA E MINISTRA DAMARES ALVES. ELA JÁ AVISOU QUE “QUESTIONA ALGUMAS ÁREAS INDÍGENAS” (FOTO: REPRODUÇÃO DA TV)

A evangelização e a nova ministra dos Direitos Humanos

Na semana passada, Jair Bolsonaro indicou a advogada Damares Alves como ministra da , Família e . Colocou sob o comando da pasta a Funai (Fundação Nacional do Índio). Pastora da Igreja Evangélica Quadrangular, Damares fundou uma ONG (Atini) que carrega duas denúncias do Ministério Público Federal por intervenção indevida e ilícita em comunidades indígenas.

Entre as ações irregulares descrita pelos procuradores, está o uso não autorizado da imagem de índios em peças publicitárias, a acusação inverídica da prática de infanticídio em determinadas tribos e até a tentativa de se apoderar de uma indígena para entregá-la em adoção a um casal de uma igreja evangélica.

O cineasta Luiz Bolognesi dirigiu o documentário Ex-Pajé, vencedor do Festibal “É Tudo Verdade” deste ano. O filme conta a de um líder espiritual de uma tribo indígena que passou por um processo de evangelização.

Trabalhando apenas com imagens e entrevistas reais, a obra mostra que a evangelização que está sendo exercida pelas igrejas neopentecostais, que têm correntes “fundamentalistas e muito agressivas”, apresentam grande crescimento no Brasil. O cineasta, em seu discurso na premiação que recebeu pelo filme em abril deste ano, afirmou:

“Os indígenas denunciam que os evangelizadores se aliam aos inimigos dos povos indígenas, com mineradores e lenhadores legais e ilegais, com o objetivo de explorar não apenas os elementos preciosos de suas terras, mas também de suas almas.”

Segundo Bolognesi, “o encontro entre o interesse evangélico e o agrobusiness é estratégico”, pois ambos formam uma rede que “trabalha em conjunto” e que tem como objetivo destruir a dimensão mitológica dos povos indígenas.

Se acabamos com sua mitologia, a já não tem valor mágico, já não tem valor simbólico, espiritual. Assim, fica mais fácil convencer os povos indígenas a destruir tudo e a despertar neles o interesse pelo dinheiro

Em suas primeiras declarações públicas como ministra indicada, Damares – que é ex-assessora parlamentar do pastor evangélico e senador Magno Malta (PR) – disse que não está entre seus planos sustentar uma nova cruzada evangelizadora no país. Já sobre a demarcação de terras indígenas, disse que “será necessário conversar muito sobre isso”, e ressaltou: “Eu, particularmente, questiono algumas áreas indígenas.”

Suas afirmações vão ao encontro das de seu chefe, o presidente eleito, para quem “é preciso tirar o índio do zoológico”, ou seja, rever a inviolabilidade dos territórios protegidos. “Vamos trazê-los para o protagonismo. Não é porque estão isolados que estão esquecidos, aos cuidados de ONGs. Tamos áreas com muitos conflitos, mas eu acredito na força do diálogo. Todo mundo vai ter que ceder.”

ANOTE AÍ

Fonte: Carta Capital

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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