DIREITOS HUMANOS PARA VIVER

para viver

Os Direitos Humanos no Brasil, e porque não dizer no mundo, nesses últimos anos foram essenciais, necessários, tão vitais como o ar que respiramos. É vida! 

Por Virginia Berriel

A humanidade, ao longo dos anos, nunca esteve tão ameaçada, vulnerabilizada e refém do ódio, da ganância, dos conflitos, das guerras e perseguições que têm feito milhares migrarem, como está na atualidade. São imigrantes de diversos países da África e do Oriente Médio, essas pessoas são obrigadas ao enfrentamento dos deslocamentos necessários e forçados, na expectativa de entrarem na Europa.

Elas se deslocam, arriscam-se em embarcações precárias, até nos porões delas, onde a maioria perde a vida. As águas da Lampedusa, no sul da Itália, têm sido o cenário dos horrores dessa travessia para a morte. As embarcações acabam sendo engolidas pelas águas do mar Mediterrâneo. Catástrofe humanitária que mata pretos, pobres, mulheres e crianças que fogem dos conflitos, da fome e miséria, na perspectiva de sobrevivência.

Segundo dados da Acnur, de 2014 até a presente data, mais de 56 mil pessoas em todo o mundo morreram em razão da imigração. Sendo a maioria de populações de países africanos e dos demais que estão sob as guerras e conflitos territoriais.

Nos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o mundo grita, de forma escancarada, por direitos. A humanidade está a um passo do precipício e da voracidade das guerras que nunca na mataram tantas crianças e mulheres como agora, na Faixa de Gaza.

Também pelos ataques, assassinatos e sequestro cometidos pelo Hamas, naquele fatídico 7 de outubro. Era o gatilho que faltava para o genocídio do povo palestino, por parte das forças de Israel. Somam-se mais de 10 mil mortes pelos bombardeios e destruição em Gaza, numa insana e, destas, mais de 4 mil eram crianças. A esperança sendo assassinada todos os dias perante o mundo.

A ONU e o mundo não conseguem reagir, obrigar um cessar fogo imediato.

A FIJ (Federação Internacional dos Jornalistas) contabilizou 94 jornalistas mortos em 2023, a maioria deles palestinos, 68 mortos na Faixa de Gaza, na guerra de Israel – Hamas.

Por outro lado, também nunca se matou tanto como na guerra da Rússia com a Ucrânia. Somadas, as mortes nos dois países chegam a quase 500 mil pessoas, fora os feridos, e segue a intransigência dos dois líderes, Vladimir Putin, da Rússia, e Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, em negociar um efetivo acordo de paz. A falta de humanidade assusta o mundo, que está sob um processo de profusão de violências e violações intermináveis.

As guerras alimentam a ganância dos potentes grupos econômicos mundiais, a indústria bélica principalmente. Elas produzem e alimentam ódio, acirram os conflitos entre as nações e têm um efeito devastador nas vidas humanas.

Não é verdade que ninguém ganha nada fazendo guerra. Os da América, que fomentam, investem recursos e têm uma das maiores indústrias armamentistas do mundo, ganham e muito. Quem não ganha nada com as guerras é a população civil, sempre forçada a largar tudo e fugir para não morrer. Mesmo fugindo, milhares morreram e ainda estão morrendo.

Os Direitos Humanos foram e estão sendo testados todos os dias, numa travessia de violações e dor para a humanidade que parece não ter fim. Os desafios para os defensores de direitos humanos são gigantescos, emergenciais. Precisamos de política pública, recursos e reparação como resposta.

ASSASSINATOS DE DEFENSORES, INDÍGENAS E LIDERANÇAS RELIGIOSAS

Nunca tivemos tantos ataques e assassinatos de lideranças do movimento social, de indígenas, quilombolas, ambientalistas, religiosos, jornalistas, todos defensores de direitos humanos.

 
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(Fotos Daniel Marenco/O Globo e reprodução Twitter).

Nos últimos quatro anos, 169 defensores de direitos humanos foram assassinados e outros 569 sofreram ameaças, em razão de conflitos territoriais e ambientais.

No caso de lideranças indígenas, ocorreram 50 assassinatos e 172 ameaças; esses números demonstram o aumento da invasão e exploração dos territórios pelo garimpo, e . São ocorrências dos quatro primeiros meses deste ano.

As violações ocorridas no Brasil foram frutos da política de criminalização sistemática dos direitos humanos no Governo Federal de Bolsonaro, dos profissionais que estavam sempre na linha de frente. O então governo plantou, estimulou e viabilizou a disseminação do ódio, da hostilidade, do descrédito a quem sempre defendeu os direitos humanos.

Uma política especialmente desenvolvida no afã de destruir os pilares da democracia brasileira.

Os Yanomami, com o seu território invadido em Roraima pelo garimpo, pela violência, contaminação da água e dos peixes pelo mercúrio, foram impactados. A impossibilidade da caça e da pesca gerou a luta contra fome e desnutrição severa, malária, tuberculose e doenças infecciosas, que levaram à morte mais de 438 indígenas entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023. Os insumos como remédios e que deveriam ter sido entregues para salvar a vida dos Yanomami, no governo Bolsonaro, foram desviados e entregues aos garimpeiros.

Os números de mortes dos povos indígenas Yanomami demonstram um verdadeiro genocídio. É necessário que haja responsabilização do governo, do presidente da Funai e do Ministro da Justiça do governo anterior. Que a justiça brasileira e os organismos internacionais possam garantir a reparação.

No caso de ataques, perseguição e assassinatos de jornalistas, o caso de maior violação aos direitos humanos é sem dúvida a prisão de Julian Assange. O governo dos EUA quer vê-lo morto, simplesmente por fazer o seu dever como jornalista e divulgar a verdade. Mas temos também os crimes bárbaros no Brasil do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira e de tantos outros jornalistas atacados.

Também da mesma maneira e de forma estarrecedora o assassinato de Mãe Bernadete e seu filho morto anteriormente. Mesmo estando ela num programa de proteção. E ainda o crime bárbaro de uma das maiores lideranças políticas e feministas deste país, , ainda sem a solução devida. Quem mandou matar Marielle? E por quê?

DIREITOS HUMANOS, EMPRESAS VIOLADORAS E TRABALHO ESCRAVO

O caso escancarado de violações aos direitos humanos dos , da população e do meio ambiente vem de Maceió, a empresa Braskem e os abalos com a retirada de sal-gema desde a década de 1970. Mesmo tendo encerrado a extração e feito o fechamento definitivo dos poços. 

O impacto na vida dos moradores foi devastador. O deslocamento forçado de mais de 60 mil moradores de 5 bairros atingidos, com a perda da moradia, dos pertences, da identidade, e muitos com a perda da vida, por depressão e pela falta de respeito e da devida reparação. E não é verdade que a empresa indenizou todos os moradores.

Outro caso grave de violações aos direitos humanos é o da Volkswagen. Para além da ditadura militar, ela fez milhares de trabalhadores escravos na “Fazenda Volkswagen”, no Vale do Rio Cristalino, em Santana do Araguaia, no Pará. Uma fazenda de sua propriedade, de criação de gado, das décadas de 1970 a 1980, conforme consta do livro Escravidão na Amazônia – quatro décadas de depoimentos.

Segundo o livro e as pesquisas que foram feitas, milhares de trabalhadores foram escravizados, torturados, assassinados nessa fazenda que, enquanto existiu, recebeu subsídios da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). A empresa, em março deste ano, se recusou a fechar um acordo de reparação com o MPT. Os trabalhadores que ainda estão vivos e os familiares dos escravizados aguardam até hoje pela devida reparação.

O crime da Samarco/Vale/BHP, em Mariana, que matou 19 pessoas e despejou metais pesados na bacia do de Minas Gerais ao Espírito Santo, tendo atingido cerca de 700 mil pessoas. Cinco anos depois, grande parte das vítimas ainda aguardam a devida reparação.

Numa proporção ainda mais avassaladora foi o crime da Vale, em Brumadinho, com o rompimento da barragem da Mina do Vale do Feijão, 270 mortes de trabalhadores e moradores da localidade. Quatro anos depois, a luta continua por reparação e responsabilização dos envolvidos. Um crime contra a vida humana e ambiental, sem precedentes. O processo para a reparação é sempre muito lento, o que acaba por deixar as vítimas e seus familiares em completo desalento.

Nunca foram libertados tantos trabalhadores em regime análogo ao de escravidão, como neste ano; mais de dois mil somente no primeiro semestre de 2023. Em várias áreas de atuação: nas plantações de uva e arroz no Sul, nas plantações de café, cana-de-açúcar, carvoarias e em fábricas clandestinas de cigarros na região Sudeste, nas atividades agropecuárias, na produção de carvão vegetal e nas sucroalcooleiras da região Norte e, na região Nordeste, no plantio de cana-de-açúcar, nas plantações de milho e de alho, bem como trabalhadoras domésticas e até prestadores de serviços, em restaurantes e hotéis, inclusive idosos, onde os tomadores de serviços também detinham suas aposentadorias.

O trabalho escravo, seja ele nos rincões, em fazendas de gado e plantações, ou nas zonas urbanas, é um atentado à vida digna e ao trabalho decente. Está previsto como crime no artigo 149 do Código Penal, caracterizado como atividade forçada, com jornada exaustiva, condição degradante e que restringe a liberdade do trabalhador. É crime e uma grave violação aos direitos humanos.

FEMINICÍDIO, CHACINAS, RACISMO E INTOLERÂNCIA

Nunca se matou tantas mulheres como nos últimos anos. No ano de 2022, foram assassinadas 1.410 mulheres somente por serem mulheres, um aumento de 5,5% em relação ao ano de 2021. Em 2023 houve um aumento de 16,2% em relação ao ano de 2022; apenas no primeiro trimestre deste ano ocorreram 273 casos de feminicídio.

O Brasil bateu recorde de feminicídio em 2022, com uma mulher sendo assassinada a cada seis horas. E está batendo novamente neste ano. Os números são assustadores, de uma guerra contra a vida das mulheres brasileiras.

O índice de chacinas e de assassinatos de jovens pretos, pobres, periféricos e favelados cresceu vertiginosamente em ações policiais em todos os estados do Brasil.

Nós gritamos por direitos, por igualdade, liberdade e respeito para homens, mulheres, crianças, idosos, populações indígenas, quilombolas, de comunidades tradicionais, no combate intransigente ao racismo e à violência desenfreada contra a população LGBTQIA+, contra as pessoas com deficiência, os idosos, enfim, os direitos humanos são para todos, todas e todes. 

Os números das violações assustam, mas ilustram o quanto devemos lutar para combater, o quanto ainda precisamos avançar na garantia da devida reparação. Somente com justiça e política de reparação conseguiremos frear a barbárie.

Basta de violações aos direitos humanos!

Virginia Berriel BancariosVirginia Berriel – Jornalista. – Executiva da Fenaj – Direção do Sinttel Rio – Direção do Sindicato dos Jornalistas – Profissionais do Município do Rio de Janeiro – Membra do MHuD Movimento Humanos Direitos – Conselheira do CNDH Conselho Nacional dos Direitos Humanos.

 

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Rio de Janeiro – Em ato Contra o Genocídio da Juventude Negra, manifestantes protestam contra a morte de cinco jovens negros por PMs no último sábado (28), em Costa Barros, na zona norte (Tomaz Silva/Agência Brasil)
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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