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Dizem por aí: Iêda foi plantar árvores no céu

Dizem por aí: Iêda foi plantar árvores no céu

Dizem por aí: Iêda foi plantar árvores no céu

Por Antonio Victor

Ela era uma criatura das letras.
Desde os mais primevos letramentos
à culminância da palavra acadêmica.
Não conhecia meios termos,
meias palavras
ou meias bocas.
Era menos oito ou mais que oitenta.
A menina ingênua. A mulher-intelecto.
A fêmea aguerrida. A frágil mãe.
O fundo do poço. O cavalgar das estrelas.
Conheceu o inferno. O seu inferno interior
que sempre lhe queimou o peito, revolveu entranhas,
insultou cicatrizes.
Mas também sabia inventar pedacinhos de céu,
retalhos de paraíso e pequenos oásis
em terras áridas e imensos desertos.
A filha da dona Odete e do seu Vico
não mandava recados.
Ia pessoalmente e resolvia a parada
tivesse o peso que tivesse.
Defendeu as mulheres, os povos das florestas,
os sem-vozes, os sem-rostos, os sem-nomes,
os oprimidos, a natureza.
Fundou academias e fundou a mão
na cara da sociedade hipócrita e corrompida
todas as vezes em que se sentiu aviltada.
Escreveu livros, declamou poemas, bebeu cerveja
e bebeu canções ao violão
em tantas noites de sagradas boemias.
Num momento de descompensação
– que ninguém é de ferro –
Iêda abandonou seu inferno,
sobrevoou Goiás,
deu um rasante no quintal de Cora Coralina,
desapareceu na imensidão e, dizem por aí:
Que foi plantar árvores no céu!

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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