Empates de Derrubada
Com a chegada dos pecuaristas, vindos do sul do país em meados dos anos 1970, pra botar por terra nossas áreas de floresta, a situação ficava cada vez mais difícil pro nosso lado. Foi aí que nós começamos a usar um instrumento muito importante aqui na nossa região, que batizamos de empate.
Por Júlio Barbosa de Aquino
Assim como nos jogos de futebol, a gente sempre queria pelo menos empatar, então, no nosso caso, o empate era para resistir, para que, ao menos, o fazendeiro não derrubasse nossas árvores e não destruísse nossas colocações, que é o lugar onde moramos com nossas famílias.
No começo, as famílias tentavam resistir por elas mesmas. Depois, a comunidade passou a ser mobilizada pelo Sindicato, que organizava a ida para a área que estava pra ser desmatada. Era uma forma simples e pacífica, mas muito organizada, de resistência.
A gente montava uma barreira humana, formada pelas pessoas que viviam no seringal, as mulheres e as crianças iam junto, os velhos também, e todo mundo se colocava em frente às foices dos peões e jagunços onde havia tentativa de desmatamento.
Como os peões e jagunços eram pessoas simples, muitos deles eram até parentes nossos que estavam ali só cumprindo ordens dos patrões, a gente tentava explicar pra eles que, se fizessem o desmatamento, a vida deles e das famílias deles também estavam sendo ameaçadas.
Às vezes funcionava, ou pelo menos a turma ganhava tempo pra alguém de nós tentar algum recurso na cidade, outras vezes não funcionava. Dos cerca de 45 empates que fizemos entre 1976 e 1988, o último com a participação de Chico Mendes foi o empate do Cachoeira, em maio de 1988. Em uns 15 conseguimos, de fato, empatar a derrubada.
Os empates foram muito importantes em nossa luta, porque fortaleceram nossa união, serviram de base para a formação do CNS e também para a construção do nosso modelo de reforma agrária para a Amazônia, as Reservas Extrativistas.
Júlio Barbosa de Aquino – Líder Extrativista. Parceiro de Chico Mendes nos Empates. Presidente do CNS. Depoimento gravado por Zezé Weiss no Núcleo de Estudos Amazônicos (NEAZ), na UnB, em outubro de 2023. Foto: Divulgação