ERIKA KOKAY

Erika Kokay: País de outros mares

Erika Kokay: País de outros mares

Com 15 anos de idade, ela e seis dos seus oito irmãos se enfiaram na Kombi de seu pai e enfrentaram mais de uma semana de estrada na extensa rota entre Fortaleza, no Ceará, e , onde iriam morar a partir daquele ano de 1975. Na sua cabeça ainda meio infantil, borbulhavam ideias sobre como poderia ser uma cidade sem mar e suas praias, tão marcantes na vida dos cearenses, como ela.

Por Jaime Sautchuk

Hoje deputada federal, em terceiro mandato, Erika Jucá Kokay (PT-DF) se lembra de detalhes da viagem e do começo de uma nova vida, bastante diferente, mas numa linha já traçada. “Eu achava que não ia me acostumar à vida daqui, porque não tinha mar e eu achava que a vida sem mar não daria certo, pois os espaços são outros, as relações são diferentes”, lembra ela. E arremata, de pronto: “Mas eu logo descobri que aqui tem outro mar, muito sólido, que nos protege, que é o céu azul no horizonte”.

A na capital cearense foi muito lúdica, segundo ela conta:

– Meu avô pegou a propriedade dele e dividiu pros filhos, e meu pai comprou mais um terreno do mesmo tamanho, ali junto, onde tinha um verdadeiro pomar. Era um bairro distante da cidade – agora está mais adensado, já virou cidade. Então, nós vivíamos assim, muito soltos, brincando com primos e primas, todo muito unidos, muito amigos.

A iniciação política estava dentro de casa, com seu pai e sua mãe, pessoas muito fortes e aguerridas no que faziam. Viveram 58 anos juntos, movidos pela solidariedade, por conceitos éticos, pelo apoio mútuo – e pelos versos que o pai publicava em livretos.

O pai era, em verdade, engenheiro agrônomo e trabalhava na Embrater, empresa pública de extensão rural, onde ele criou a profissão de agente rural. Era um programa que formava pessoas da comunidade pra exercerem a liderança, assumindo o poder nas tarefas do seu grupo social, sem precisar de apoio externo. Nas refeições, em casa, era comum ele lembrar aos filhos que “tem muita gente neste país que não tem o que comer”, o que ajudou a despertar o compromisso social em toda a prole.

Em 1976, Erika passou no vestibular da Universidade de Brasília (UnB) e logo se engajou no movimento estudantil e, no ano seguinte, ajudou a organizar uma greve que foi severamente reprimida pela polícia, convocada pela reitoria reacionária que tomava conta daquela instituição federal. Era plena ditadura militar e as lideranças do movimento grevista, inclusive ela, foram expulsas sumariamente.

Brasília ainda tinha uma população pequena e Erika resolveu, então, buscar novas oportunidades em São Paulo – passou no vestibular da Universidade de São Paulo (USP), também pública, e logo se engajou na política estudantil. Foi uma das lideranças da grande passeata de 1978, um marco histórico na luta pelo fim do regime militar e retorno à democracia. Com a Anistia, porém, teve sua expulsão anulada e retornou ao curso de Psicologia na UnB e passou em concurso da Caixa Econômica Federal (CEF).

Entrou na Caixa em 1982 e logo enfrentou o que era tido como um problema grave, pois os funcionários da instituição não eram considerados bancários, eram chamados de “economiários” e não tinham acesso ao sindicato da categoria profissional. Participou, então, de um movimento vitorioso – com uma inédita greve – pela sindicalização e pelo direito à jornada de seis horas, em lugar de oito horas diárias. “Foi a reconstrução da CEF”, conta Erika. E, por esse caminho, ela ingressou na luta sindical.

O movimento sindical do Distrito Federal, à época, seguia os caminhos abertos pelos metalúrgicos de São Paulo, ia muito além da reivindicação de cunho trabalhista, pois tinha o conteúdo político da luta contra a ditadura. No caso específico, as campanhas eleitorais vitoriosas pregavam a ideia de bancário-cidadão, que precisava se libertar das amarras impostas pelos bancos e participar de atividades sociais, o que seria feito pela abertura do sindicato às comunidades. Daí nasceu, por exemplo, segundo Erika, o Centro Cultural dos Bancários, um espaço de grande relevância no Distrito Federal.

Ao mesmo tempo, ganhavam força no Brasil algumas bandeiras liberais, como a da privatização dos bancos públicos, no mesmo processo que entregou, a preços vis, a Companhia Vale do (CVRD) e tentava entregar, também, a Petrobras, os Correios e por aí afora. Ela descreve:

– O governo de Fernando Henrique Cardoso foi de grande opressão, mas a gente lutou o tempo todo em defesa dos bancos públicos, contra as privatizações, que eram os pilares da política econômica oficial de então.

Nas eleições de 1992, foi a primeira (e única) mulher eleita presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília, o que se repetiu por dois mandatos. Depois, num processo continuado, se elegeu secretária-geral da Confederação Nacional dos Bancários e presidenta da CUT-DF. Na ocasião, ela chegou à conclusão de que poderia trocar a política sindical pela atividade parlamentar.

Foi eleita deputada distrital em 2002 e 2006, e esses dois mandatos na Câmara Legislativa do DF foram marcados pelo forte apoio às demandas dos movimentos populares. Presidiu as comissões de Direitos Humanos e de Defesa do Consumidor e teve atuação decisiva na apuração das denúncias de corrupção relacionadas ao escândalo da Caixa de Pandora, envolvendo políticos do Distrito Federal.

Nas eleições de 2010, passou a fazer política no plano federal, na Câmara dos Deputados, seguindo na luta em defesa dos direitos humanos, em todas as suas dimensões. Desde o início, integrou as comissões de Direitos Humanos e Minorias e de Seguridade Social e Família. Presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurou denúncias de sexual de crianças e adolescentes. Nessa função, fez diligências em várias partes do país, investigando prefeitos e outros ocupantes de importantes cargos públicos, que levaram muitos envolvidos à prisão.

Entre projetos de lei, propostas de emenda à , requerimentos e outras iniciativas, Erika apresentou cerca de 600 proposições e relatou dezenas de outras. Em 2014 foi reeleita deputada federal com 92.558 votos. É casada com André há 31 anos e tem três filhos.

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Jaime Sautchuk – Jornalista. Escritor.

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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