CULTURA NEGRA ENFRENTA RACISMO E PRECONCEITO NAS ESCOLAS

CULTURA NEGRA ENFRENTA RACISMO E PRECONCEITO NAS ESCOLAS

Cultura Negra enfrenta racismo e preconceito nas escolas

Ensino da cultura negra ainda encontra barreiras nas escolas públicas –  Em Pernambuco, pesquisadora atesta racismo e preconceito no ambiente escolar em relação ao ensino das culturas africanas e afro-brasileiras

Em um país marcado pelo racismo e discriminação, em que movimentos negros resistem e reivindicam maior visibilidade e oportunidade, atitudes preconceituosas são comuns, inclusive por parte de professores, muitos deles evangélicos, no ambiente escolar. Apesar do que determina a Lei 10.639/03, que estipula o ensino de história e cultura africana afro-brasileira nas escolas públicas e privadas de todo o país, em muitas salas de aula ainda persistem a não abordagem desses conteúdos o que contribui para a perpetuação de estereótipos do povo negro e o apagamento e/ou embranquecimento de grandes figuras negras, como Machado de Assis.

A pesquisa de mestrado da pesquisadora Renildes de Jesus Silva de Oliveira, “O que é Deus e o que não é Deus: docentes evangélicos e o ensino das culturas africanas e afro-brasileiras nas escolas públicas”, procurou identificar, de forma descritiva e exploratória, os principais discursos sobre o ensino da história e culturas afro-brasileiras e africanas articulados pelos docentes evangélicos. O trabalho foi realizado sob a orientação do professor Gustavo Gilson de Sousa de Oliveira, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Na dissertação, Renildes pontua que, embora os resultados apontem para a “legitimação do ensino das culturas de matriz africana baseados em princípios como valorização e respeito”, prevalece a lógica da exotização na hora do ensino das culturas africana e afro-brasileira por parte de muitos professores, ao abordarem esses assuntos em sala de aula. Segundo ela, “tais conteúdos são postos de forma essencializada e folclorizada. Para vários dos docentes evangélicos entrevistados é uma cultura colorida, bonita, animada, muito ligada a festas e comemorações”.

Força e poder

“Esse tipo de ênfase colabora para a manutenção de sentidos hegemônicos sem subvertê-los discursivamente e sem se dar conta de que tais significados são instituídos num jogo de disputas de poder. A desconsideração de tais fatores favorece situações de subalternização e inferiorização e mascara os jogos de forças e conveniências que têm o poder de incluir e excluir”, explica Renildes. De acordo com a pesquisa, também é possível concluir que os discursos dos docentes apresentam uma dicotomia entre religião e cultura, além da tendência a um ocultamento de temáticas ligadas às religiões de matriz africana. “Essa situação acaba indo de encontro ao que é determinado pela Lei 10.639/03, que estipula o ensino de história e cultura africana afro-brasileira nas escolas públicas e privadas de todo o país”, alerta a autora.

“Há muitos relatos de professores que foram rechaçados ao levarem essas temáticas africanas para a sala de aula e com isso existe esse descumprimento dos dispositivos legais”, coloca Renildes. De acordo com a mestra, a não abordagem desses conteúdos contribui para a perpetuação de estereótipos do povo negro e o apagamento e/ou embranquecimento de grandes figuras negras, como Machado de Assis. Entretanto, a pesquisadora também constata que “a despeito dessa realidade, observa-se que as identidades evangélicas se caracterizam por uma heterogeneidade na forma de pensar; além disso, elas se ressignificam no tocante às culturas africanas afro-brasileiras, sendo possível visualizar prenúncios de uma visão mais positiva, inclusive em relação à religião, fator mais propenso às práticas de discriminação e silenciamento.”

 

mãos negras

Foto: Francisco Moreira da Costa/Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial-Seppir

Amostra

Para a construção da amostra dessa pesquisa de cunho qualitativo, foram escolhidos oito professores de diferentes segmentos evangélicos, como protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais, que atuam em escolas públicas do Grande Recife. Eles foram selecionados a partir de indicações de informantes, sendo dois do Ensino Infantil, quatro do Ensino Fundamental e dois do Ensino Médio. A quantidade de participantes não foi determinada previamente e seguiu o critério da “saturação”.

A partir daí, foi utilizado um sistema de entrevista semiestruturadas e a análise das respostas dadas pelos professores e professoras foi realizada mediante um diálogo ocasional com alguns conceitos (interdiscurso e ethos) trabalhados por Maingueneau, teórico da Escola Francesa de Análise do Discurso, elucidados à luz da abordagem da Teoria Política do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, especialmente a categoria de hegemonia. A análise procurou identificar, de forma descritiva e exploratória, os principais discursos sobre o ensino da história e culturas afro-brasileiras e africanas articulados pelos docentes evangélicos.

Compreendendo que o caminho para o combate ao preconceito passa pela educação, a mestra destaca que se torna relevante o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira. Ela sugere a “implementação de uma proposta curricular crítica e antirracista que considere as diferenças presentes no contexto escolar, uma vez que as escolas funcionam como espaços produtores de sentidos”. Renildes Oliveira salienta também o valor de um maior investimento na formação inicial e continuada dos docentes com a implantação de disciplinas que abordem temáticas que envolvam as culturas e a história negra, formando assim docentes mais preparados para trabalhar pedagogicamente esses temas em sala de aula.

Fonte: Nossa Ciência

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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