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Escravidão na Amazônia: Fazendas de gado sujeitam milhares de trabalhadores ao trabalho forçado

Escravidão na : Fazendas de gado sujeitam milhares de trabalhadores ao forçado
 Na pequena cidade de Arapoena, localizada justo na fronteira “sem-lei” da fronteira agrícola que avança sobre a Amazônia, as chuvas tropicais transformam as ruas em poças de lama e o se acumula em frente às casas que se assemelham a caixas de cimento.
Há, na cidade, um banco e duas igrejas. Mas, para a maioria das pessoas que moram em Arapoena, para conseguir um trabalho não resta outra alternativa: elas tem que buscar trabalho em uma das fazendas de gado que recentemente foram implantadas na floresta amazônica.
 Luiz Cardoso da Silva, um trabalhador rural de 69 anos de idade, já trabalhou em uma meia dúzia delas, e seu sonho é nunca voltar a nenhuma delas. “Eu quero passar mais aqui em casa, conseguir algo para fazer por aqui mesmo, perto da minha família. Não poderia haver nada melhor do que isso, ” diz seu Luiz, como ele é conhecido na comunidade.
Em um sábado recente, Seu Luiz e vários de seus filhos se juntaram na cozinha de sua cassa para comer arroz, feijão e bifes de fígado. Enquanto os homens ocuparam a cozinha da casa,  as mulheres da família se sentaram em bancos rústicos no outro único cômodo da casa. “Todo que passou pela “boca da onça” se sente muito feliz aqui,” disse seu Luiz.
Apenas três dias antes, Seu Luiz estava dormindo no chão de um curral de gado, cercado pelo cheiro fétido da bosta do gado. Ele e seis outros parentes estiveram vivendo e trabalhando em uma fazenda de gado por dois anos, construindo cercas e plantando pastos. Lá, não havia banheiro e existia apenas um cano de água ao relento que servia tanto para o banho, quanto para lavar roupa quanto para preparar a alimentação e lavar as vasilhas. O banheiro sempre foi os matos da redondeza mesmo. Foi nessas circunstâncias que eles foram encontrados quando um comboio de oito carros com as luzes piscando entrou na fazenda, depois de uma denúncia anônima,  para resgatá-los do “trabalho escravo.”
Marcelo Gonçalves Campos, um inspetor veterano do Ministério da Justiça, balançava a cabeça enquanto fazia anotações: “Eu trabalho como inspetor há mais de 20 anos, e esse é um dos piores casos que já vi. Esses trabalhadores tem sido tratados, sem nenhum exagero, como animais. Dormir junto com o gado no curral, isso eu nunca tinha visto.”
Seu Luiz contou aos inspetores que eles não recebiam nenhum pagamento em dinheiro há pelo menos dois anos. Ele informou que o fazendeiro trazia comida, e deduzia o valor da comida do salário, e sempre argumentava que não sobrava dinheiro nenhum, ao contrário, que eles ficavam sempre devendo para o patrão. ” Você não pode sair porque deve ao patrão, e porque você tem medo do patrão perseguir sua família,” completou seu Luiz.
Escravidão por dí é comum na terra sem-lei das grandes fazendas de gado na Amazônia, segundo Andre Wagner,  coordenador da equipe que resgatou seu Luiz e seus familiares: “Você encontra as pessoas trabalhando em condições degradantes, sob uma escala de trabalho exaustiva, se alimentando apenas uma vez ao dia, sem nenhum pagamento em dinheiro, ou recebendo um valor mínimo, porque o salário combinado vai para pagar a alimentação diária e as ferramentas,” diz  Wagner.
Uma enorme luta pela frente
Mais de 50 mil trabalhadores já foram resgatados das condições de trabalho escravo desde que as unidades móveis de fiscalização foram criadas pelo Ministério do Trabalho em 1995. Um terço desses trabalhadores foram resgatados das fazendas de gado.
Mas essa é uma luta árdua e crescente. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a cada ano, cerca de 25 mil trabalhadores rurais são encontrados em condições de trabalho escravo no Brasil. Além das fazendas de gado, trabalho escravo é também encontrado em mineradoras, plantações de cana de açúcar e também nas construções e fábricas urbanas.
Os recursos do governo brasileiro para lutar contra o trabalho escravo são limitados. O número de unidades móveis – composta por inspetores, procuradores e agentes da polícia federal – é insuficiente e foi reduzido de oito para quatro na última década.  “Nosso método de combate ao trabalho escravo é bom, mas nossas condições de trabalho são insuficientes. Então, quando uma denúncia é recebida em Brasília, nós não conseguimos verificar de imediato. Às vezes quando a gente chega já deu tempo do patrão mudar a situação,” diz Wagner, que informa ser de seis a oito meses o tempo que vai da denúncia à inspeção.
‘Ninguém merece viver assim’
No caso de seu Luiz, felizmente o resgate foi feito logo depois de duas semanas da denúncia. No dia em que a unidade móvel chegou à fazenda, ninguém conseguiu encontrar o fazendeiro, que também não atendeu o telefone.  Isso torna difícil fazê-lo pagar o que deve aos trabalhadores. Mas os inspetores conseguiram juntar evidências que poderão ser utilizadas em uma negociação ou mesmo em uma ação judicial.  A equipe de fiscalização informa que ele está sob investigação.
Wagner informa que a multa por cada trabalhador encontrado em situação de escravidão é de cerca de R$ 5 mil e, nos casos extremos, que esse valor pode ser multiplicado em até 10 vezes, mas que a primeira prioridade da equipe móvel não é a multa, nem o processo legal, é retirar o trabalhador da fazenda e da condição de trabalho forçado.
Dalva de Sousa, 18, estava vivendo com seu marido e seu bebê em uma barraca bem ao lado do curral. “Eu só queria sair dali, ninguém merece viver daquele jeito,” ela diz. “Veja essa lama, só os ratos conseguem dormir em um local como esse.”  Juntos, todos os trabalhadores libertados juntaram seus colchões de espuma, suas poucas roupas e seus poucos pertences e os colocaram nos carros da polícia. Depois de dois anos trabalhando na fazenda, ninguém tinha nada para levar embora, além dessas poucas coisas pessoais.
O mundo das fazendas de gado
No norte do Brasil, gado é mantido em grandes extensões de pastagens. Para isso, grandes áreas da floresta amazônica são desmatadas para formar as fazendas de gado. Houve um tempo em que as fazendas foram montadas com incentivos do governo federal. Foi um tempo em que muitas áreas foram cercadas e desmatadas ilegalmente.
A famosa “carne verde” produzida à base da alimentação com capim tornou-se uma importante  fonte de exportação para a economia brasileira, com as exportações rendendo $4.35 bilhões de dólares em 2016.  Poucas são as pessoas no mundo que sabem as condições em que essa carne é produzida, já que no mundo da pata de boi na Amazônia, o trabalho forçado faz parte da da produção.
Mas existe alguma . O frade dominicano Xavier Plassat vem dedicando sua vida à luta contra o que ele chama de escravidão moderna nas fazendas da região. “O ponto principal sobre a escravidão é que tem sempre alguém querendo ter lucro a custo zero na produção. Aqui na Amazônia, mais do que em qualquer outro lugar, é fácil produzir lucro a custo zero. Estamos na fronteira do avanço da agricultura e da criação de gado na floresta.”
O dominicano Plassat, de 66 anos, coordena uma campanha nacional da CPT contra o trabalho escravo. Ele conta com uma rede de informantes que conseguem conversar com os trabalhadores explorados nas fazendas, e que lhe passam as informações que ele envia para as autoridades em Brasília. As denúncias da CPT conseguiram levar as inspeções do governo federal a cerca de 25% das fazendas com trabalho escravo.  Mas esse sucesso trouxe como consequência a morte de vários militantes da Pastoral, como o assassinato da freira Dorothy Stang, em 2005.  “Nós não gostaríamos de ter mais mártires, nós só queremos tentar libertar os trabalhadores que sofrem,” diz frei Plassat.
“Impunidade, ganância, vulnerabilidade, miséria”
Frei Plassat nos mostra uma casa segura, onde a CPT abriga trabalhadores resgatados enquanto lutam para receber os seus direitos. Ele diz que as condições melhoraram um pouco na região, mas que o trabalho escravo está longe de ser erradicado na Amazônia.
“A escravidão é um sistema ancorado em muitas : impunidade, ganância, vulnerabilidade, miséria. Se você não atacar todas as raízes ao mesmo tempo, provavelmente as mesmas pessoas libertadas voltarão ao trabalho escravo.” Plassat está preocupado com o fato de que o Brasil pode estar regredindo com relação ao trabalho escravo. Um poderoso lobby dos ruralistas no Congresso Nacional vem atuando para modificar o conceito de trabalho escravo e permitir o trabalho sem pago financeiro, “em troca de casa  e comida.”  E um dos principais instrumentos de combate contra a escravidão – a Lista Suja do Trabalho Escravo – publicada todo ano pelo governo federal, vem sendo “escondida” do público nos últimos anos.
 Retorno à escravidão?
Para seu Luiz, finalmente parece haver boas notícias. O fazendeiro concordou em pagar cerca de R$ 38 mil por seus dois anos de trabalho e pelos anos que lhe causou. Com esse dinheiro, espera comprar uma casinha de mais de um quarto para abrigar sua família. Seu Luiz espera também encontrar um outro jeito de ganhar a vida para não ter que voltar ao trabalho escravo.
Por outro lado, um procurador federal apresentou uma denúncia contra o fazendeiro. Essa denúncia será avaliada por um juiz. Isso faz com que Wagner considere a missão um sucesso. Mas ele reafirme que nunca sabe se realmente as pessoas resgatadas estarão salvas da escravidão para sempre. “É possível que seu Luiz consiga sobreviver sem o trabalho escravo. Mas também é possível que ele seja obrigado a voltar para uma fazenda. Com a idade e as qualificações que seu Luiz tem, ele será sempre uma vítima potencial de mais um caso de trabalho escravo,” completa Wagner.
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 Foto: www.agenciabrasil.com.br
ANOTE AÍ:
Fonte originária desta matéria em Inglês: http://edition.cnn.com/2017/04/26/americas/brazil-amazon-slavery-freedom-project/ Tradução (com edições): xapuri.info
 Escravid%C3%A3o amazonia.org .br 1
Foto: www.amazonia.org.br
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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