A FÁBULA DO PÉ DE SABIÚ

A fábula do pé de Sabiú: A peleja entre a felicidade e a ganância

Entre os geraiseiros, que habitam ou exercem atividades nos gerais, que é um tipo de semelhante ao descrito por Guimarães Rosa em “Grandes Sertões Veredas”, existem dois interessantes associados ao pé de Sabiú, frondosa pertencente à família leguminosa e muito comum nos gerais…

Por Altair Sales Barbosa 

A FÁBULA DO PÉ DE SABIÚ
Foto: Wikipédia

O primeiro diz que se alguma pessoa, por descuido, passar por debaixo de um pé de Sabiú fica totalmente desorientada, perde a noção das coisas, perde a consciência e fica vagando sem rumo e sem direção.

Entre as inúmeras histórias, contam que certa vez um vaqueiro experiente saiu à procura de uma rês desgarrada e, sem se dar conta, passou por debaixo de um pé de Sabiú, logo perdeu a noção dos seus objetivos e por dois dias seguidos vagou sem rumo até chegar a um rancho de um antigo amigo e conhecido.

Só que ao chegar ao local não reconheceu as pessoas que ali moravam, seus amigos de longa data. Os moradores do rancho, experientes, logo perceberam o que havia acontecido. Tomaram então o vaqueiro e fizeram-no deitar de bruços por cerca de trinta minutos.

Durante esse tempo dizem que o vaqueiro teve um sono profundo e quando acordou estava curado, recuperou a consciência, reconheceu e ouviu os amigos e, após se alimentar, seguiu seu rumo determinado.

O segundo reza que pequenas personagens do mato em forma de gente, talvez duendes, todas as sextas-feiras à noite se reúnem em baixo de um pé de Sabiú para festejarem alguma alegria e felicidades.

Conta-se ainda que no povoado de Riacho D’Água existia um pobre corcunda que era muito maltratado e recebia várias zombarias da gente daquele povoado.

Um dia, cansado de tanta humilhação e sem perspectiva, resolveu fugir e andou sem ermo pelos gerais; quando o cansaço bateu, descansou debaixo da sombra de um Sabiú, pois debaixo desta árvore o terreno é sempre limpo.

E ali garrou no sono, escanchado numa forquilha da árvore.

A FÁBULA DO PÉ DE SABIÚ
Foto: Wikipédia

Era sexta-feira. À noite chegaram várias criaturinhas que, brincando-de-roda, começaram a cantarolar uma cuja letra repetia o refrão:

Segunda,

Terça,

Quarta,

Quinta,

Sexta.

O corcunda, animado com a música, pediu aos duendes para participar da brincadeira, sempre repetindo o refrão:

Segunda,

Terça,

Quarta,

Quinta,

Sexta.

E assim teve na um raro momento de alegria e felicidade. Diz o mito que, quando a festa terminou, as criaturinhas indagaram ao corcunda por que ele estava ali naquele momento. O corcunda então pôs-se a contar a sua .

As pequenas criaturas, que tinham poderes mágicos, retiraram a corcunda do indivíduo e a dependuraram num galho de Sabiú, deram a ele roupas novas, muito dinheiro e lhe disseram que poderia voltar para o povoado de Riacho D’Água, que sua vida iria mudar.

O ex-corcunda caminhou então de volta e após alguns dias chegou ao povoado. Logo na entrada encontrou uma pessoa que o reconheceu. E, assustado, lhe perguntou o que havia acontecido. Este narrou detalhadamente.

A pessoa, na ganância do dinheiro e do poder, saiu correndo procurando o local e, quando o encontrou, subiu num dos galhos da árvore e esperou a noite de sexta-feira chegar. Quando esta chega, eis que para sua surpresa apareceram as criaturas que o ex-corcunda descreveu.

Estas então começaram a entoar sua cantiga, dançando em roda, sempre repetindo o refrão:

Segunda,

Terça,

Quarta,

Quinta,

Sexta.

Num belo momento, quando a dança já estava bem animada, ao repetirem o refrão – Segunda, Terça, Quarta, Quinta e Sexta – as criaturas ouvem um som vindo do alto dizendo: Sábado e Domingo também. Atônitos, olham para cima da árvore e avistam a pessoa que modificara o refrão da música.

Indignados, fazem com que este desça da árvore, retiram do galho a corcunda que lá ficara e num ato de indignação e magia as criaturinhas implantam esta nas costas do forasteiro e o expulsam do local.

Moral da história: a quando respeitada traz a felicidade, quando não respeitada gera a ganância.

Altair Sales Barbosa –  Arqueólogo. Excertos do “O Piar da Juriti Pepena – Narrativa Ecológica da Ocupação Humana no Cerrado”.  Sales, Altair [et al]. Editora PUC-Goiás, 2014.

A FÁBULA DO PÉ DE SABIÚ
Imagem: Dicio

 

 
 
 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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