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IRAKA YEKAYAIRA ÎYAUJAUSU: A ORIGEM DA MANCHA DA LUA

IRAKA YEKAYAIRA ÎYAUJAUSU: A ORIGEM DA MANCHA DA LUA

Iraka Yekayaira Îyaujausu: A origem da mancha da lua

Nos tempos passados havia só o Lua e a Sol. O Lua era um homem, e a Sol, uma mulher. A Sol era a menina mais bonita do céu, ôsu. O Lua, iraka kanâtakisu, sol da noite, era um homem que vivia sozinho. O lua só clareia à noite, por isso ele só andava à noite.

Por Renê Kithãulu

Certa vez ele pensou: “Preciso de alguém ao meu lado”.

Ele só dormia dentro de casa, onde era bem escuro, e andava apenas em volta dela. E a Sol também: só andava em volta da própria casa, porque havia trabalhado muito e estava muito cansada.

shutterstock 2291109891Um dia, ao acordar, a Sol estava em cima, olhando pra ele. O Lua gostou da Sol e decidiu dormir na casa dela. Mas a Sol não sabia que o Lua era muito namorador.

Desse dia em diante, o Lua passou a ir todos os dias à casa da Sol, que era bem grande, para namorar. O Lua pensou: “Se existirmos só eu e a Sol, não terá brilho no céu. Tenho de fazer alguma coisa”.

Toda vez que o Lua namorava a Sol, dela nasciam milhares de estrelas. Como namoravam todos os dias, nasceram milhares e milhares de estrelas, e a Sol começou a ficar brava com o Lua porque era muito trabalhoso ser mãe de tantas estrelinhas. No início, ela cuidava de suas estrelinhas dentro da casa, mas elas eram tantas que começaram a se espalhar pelo céu. Então, a Sol pensou: “Lua, você vai pagar muito caro por isso”.

A Sol saiu da casa, pegou um machado de pedra e uma cuia e foi para o campo à procura de uma magabeira, kadikisu, que soltava um leite parecido com cola, que ela pretendia jogar na cara do Lua.

O Lua, que não sabia de nada, ia só de noite à casa da Sol. Então, ela se deitou no chão, colocou a cabaça bem atrás do pescoço e ficou à espera do Lua. Ela sabia que o Lua vinha toda noite, porque ele não podia sair durante o dia. Então pensou: “Vou fazer fogo aqui na porta para não errar e não desperdiçar o leite da mangabeira”.

Assim, ela fez o fogo e esticou-se toda, ficando deitada de barriga para cima ao lado da porta.

Enquanto isso, o Lua pensava: “Que bom, hoje vou dormir com a Sol”. Ele se arrumou, penteou o cabelo e saiu, e assim que chegou à casa da Sol disse:

– Posso me deitar com você?

– Claro! – respondeu a Sol.

Ela sabia que ele ia se deitar em cima dela. Então pegou a cuia de leite de mangabeira e jogou no rosto dele, que ficou todo manchado.

O Lua ficou bravo com a Sol. Até hoje, quando o Lua está cheio, pode-se ver a cara dele toda manchada. Desse dia em diante, ele não foi mais à casa da Sol, e assim não nasceram mais iraka wêhalisu, filhotes de Sol, as estrelas. E cada qual ficou no seu canto: o Lua, a Sol e as estrelas.

Eles deixaram de ser gente e, lá de cima, passaram a cuidar do mundo aqui embaixo. Eles nasceram para fazer esse trabalho.

A Sol, então, disse:

– Eu cuido do dia. Você, Lua, cuida da noite, para clarear um pouquinho. E vocês, pequeninos, vão ter de brilhar para o céu ficar bonitinho.

Nem as estrelas, nem o Lua, nem a Sol morreram – eles estão vivos… lá no céu.

Renê Kithãulu – Professor Indígena. Escritor, em “Irakisu – o menino criador”, coordenação de Daniel Munduruku. Coleção Memória Ancestral do Povo Nambikwara. Editora Peirópolis, 2002.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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