José Dirceu: As elites querem manter nossa estrutura tributária iníqua

José Dirceu: As elites querem manter nossa estrutura tributária iníqua

José Dirceu: As elites querem manter nossa estrutura tributária iníqua

O que me espanta, nos dias de hoje, é que a ilusão de classe –termo muito usado na esquerda para definir um certo tipo de alienação típica de quem esquece a natureza das classes sociais– continue a dominar nossas elites empresariais e seus arautos, analistas e mesmo economistas.

Os sintomas dessa alienação estão expressos na proposta de reforma tributária do governo que mantém a mesma estrutura atual de concentração de renda: não inclui alíquotas crescentes de IR (Imposto de Renda) para os que ganham mais, mantém as atuais taxas irrisórias para heranças e doações e não taxa as grandes fortunas…

Por JOSÉ DIRCEU Na verdade, a proposta não altera a atual estrutura tributária e sua principal característica, que é cobrar mais de quem ganha menos e quase nada dos muitos ricos. Segundo relatório da ONU de 2019, 1% de brasileiros concentravam 28,3% da renda e os 10% mais ricos passaram a abocanhar 41,9% da renda. Com a pandemia, o fenômeno da concentração se agravou.

A proposta de taxar lucro, dividendos e lucro sobre capital próprio, presente no da reforma, provoca gritaria entre os porta-vozes do mercado financeiro. O aumento das alíquotas do IR para quem ganha mais nem foi considerado. No entanto, as alíquotas são progressivas para quem ganha menos (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%, acima de R$ 4.664,69). Ou seja, do ponto de vista da estrutura tributária tanto faz ganhar R$ 5 mil, R$ 50 mil, R$ 500 mil, R$ 5 milhões e por aí vai.

Os que vivem de salário, além do IR, pagam os mesmos impostos indiretos e regressivos sobre bens e serviços que os que vivem de renda ou que recebem altas remunerações. Assim, na prática, são os trabalhadores, os pobres, a classe média que arcam com a carga tributária.

Os ricos e a classe média alta são beneficiados por isenções e deduções ou simplesmente não pagam impostos. A própria Federal declarou que os 21 mil brasileiros mais ricos pagam apenas 1,8% de tributo sobre a renda, os 65 brasileiros mais ricos detêm US$ 219,1 bilhões e os patrimônios dos super ricos cresceram US$ 34 bilhões durante a pandemia.

OS MAIS POBRES PAGAM

A ilusão de classe das elites financeiras vale também para os juros reais e a concentração bancária. O cartel de bancos e de uma minoria de rentistas navegam nas águas tranquilas dos rendimentos das aplicações financeiras e dos juros pagos pelo governo no serviço da dí pública, o que representa uma expropriação de renda dos trabalhadores e suas famílias e das pequenas empresas.

O que se paga pelo serviço da dívida pública é um exemplo claro da expropriação e da concentração de ganhos no sistema financeiro. Em maio deste ano, a taxa Selic estava em 2,75% ao ano, hoje é de 4,25% e a previsão é que chegue ao final de 2021 em 6,5%. Ou seja, um aumento de 3,75 pontos de maio a dezembro. Isso significa que pagaremos mais pelo serviço da dívida interna: para cada ponto a mais de Selic, pagamos mais R$ 31,8 bilhões.

Com juros mais altos, cresce o serviço da dívida, embora menos de 1/3 da dívida esteja indexada à Selic. A taxa de remuneração dos títulos da dívida pública não tem relação direta com a Selic, mas com outros índices –quando a Selic estava em 2%, a taxa média da dívida pública foi de 8,4%. Na vida real, os brasileiros pagam juros estratosféricos, seja no cartão de crédito, no crédito pessoal, no rotativo, no cheque especial, no crédito ao consumidor.

A diferença entre o que os bancos pagam pelo nosso dinheiro e nos cobram, na média, é de 33,3 pontos para a pessoa física. Só para refrescar a memória, os juros anuais do cartão de crédito, em fevereiro deste ano, estavam em 306,2%; no crédito pessoal variavam entre 3,98% e 5,23% ao mês, mais de 50% ao ano.

O resultado não poderia ser outro. O aumento da pobreza e a volta da fome, 15 milhões de desempregados, 33 milhões de subempregados, 6 milhões de desalentados. A metade da população economicamente ativa do país de braços caídos ou subempregados. Uma tragédia humanitária agravada pela pandemia.

O que me assusta em nossas elites, além de sua absoluta insensibilidade com a questão social, é sua crença de que, se a economia crescer, tudo estará bem, Bolsonaro se reelegerá e o Brasil estará bem governado por ele. Fecham os olhos à criminosa gestão da pandemia, aos 516 mil brasileiros e brasileiras mortos pela covid-19, ao obscurantismo, ao fundamentalismo religioso, à devastação ambiental, da e da educação, ao negacionismo científico, ao isolamento internacional, aos riscos do autoritarismo, às milícias e à pregação do ódio e da violência, à homofobia e ao machismo, ao fim das liberdades democráticas.

Nada importa desde que a economia cresça e sua candidatura volte a ser competitiva.

FAZ DE CONTA

Não enxergam que crescimento econômico por si só não vence nem traz bem estar social. Se a realidade fosse como pregam, o Chile, o Peru e a Colômbia não estariam vivendo hoje verdadeiras revoluções e revoltas populares.

O aumento da repressão e mesmo a presença das Forças Armadas nas ruas não conseguiram conter os revoltosos. Ao contrário, fez crescer a força dos movimentos que se refletiu nas urnas.

É pura ilusão de classe das elites brasileiras desconhecer a crescente tomada de consciência das desigualdades sociais iníquas de nossa sociedade pela maioria da população, o caráter racista e machista de nossa sociedade, a injusta estrutura tributária onde os ricos não pagam impostos, a crescente participação da juventude nas lutas e sua sede de justiça e oportunidade, o fracasso do modelo neoliberal em todo mundo, principalmente na América do Sul.

Como é possível fazer de conta que não existiram o laranjal e as  que elegeram Bolsonaro, sua relação com as milícias, as rachadinhas e agora a teia da corrupção que envolve não só seu governo como os militares que dele participam? O primarismo político de nossas elites políticas e econômicas é estarrecedor.

Só nos resta a certeza de que, como nos últimos 70 anos, caberá ao povo, aos trabalhadores, aos movimentos sociais, à juventude, às , aos que resistiram à ditadura e que derrotaram a Arena em 1974, aos que forjaram o movimento das Diretas Já, aos que inscreveram na Constituinte os seus direitos e elegeram Lula e Dilma para governar o Brasil, vencer Bolsonaro e essas elites predadoras.

São essas forças populares que vão garantir a e as mudanças sociais para concluir a nossa inacabada construção nacional, centrada na soberania do país e na distribuição de renda e riqueza. Fonte: poder360

Dirceu 1

José Dirceu

José Dirceu de Oliveira e Silva, 74 anos, é advogado. Foi deputado estadual e federal pelo PT e ministro da Casa Civil (governo Lula). Foi condenado em 1ª Instância na Lava Jato a 32 anos e 1 mês de prisão. Aguarda em Brasília a decisão do TRF-4, tribunal de 2ª Instância da Justiça Federal, sobre condenações já proferidas pelo juiz Sérgio Moro na 1ª Instância


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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