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KOTOK KAMAIURÁ PARTIU PARA O CAMPO ANCESTRAL

KOTOK KAMAIURÁ PARTIU PARA O CAMPO ANCESTRAL

Kotok Kamaiurá parte para o Campo Ancestral

Partiu para o Campo Ancestral o grande chefe Kotok Kamaiurá. De linhagem nobre, era filho do lendário Takuman Kamaiurá do Alto .

A nota curta, acompanhada de belíssima foto (que colocamos na capa desta matéria), publicada por Marcos Terena no Facebook,  traz a triste notícia da partida do grande chefe para o Campo Ancestral.

Para o Kamayurá ou Kamaiurá, o mundo foi criado por Mavutsinim. Ele é o grande criador de tudo e de todos e o fez a partir do tronco Karup. “Mavutsinim criou o tronco Karup, para poder transformar como gente”, disse o cacique Kotok Kamaiurá em depoimento para o documentário da EBC, Retratos de Fé, transmitido pela TV Brasil. 

Como na maioria das nações indígenas do país, o é um ‘curandeiro’ que trata das doenças com a ajuda dos espíritos que estão sempre com ele. Habitantes do , os Kamayurá pertencem ao grupo étnico e linguístico tupi-guarani.

Na crença do povo os espíritos estão em tudo e em todos. Cada planta, cada animal, cada ser humano tem seu espírito. Segundo Awakamum Kamayurá, “quando a gente faz as coisas, no dia a dia, o espiritual está nos acompanhando. Essa é a religião Kamayurá”.

O POVO KAMAIURÁ

Conforme registros do PIB Socioambiental, publicado pelo ISA (Instituto Socioambiental), os Kamaiurá constituem uma referência importante na área cultural do Alto Xingu, em que povos falantes de diferentes línguas compartilham visões de mundo e modos de bastante similares.

Estão ainda vinculados por um sistema de trocas especializadas e rituais intergrupais, os quais recebem diferentes nomes no interior de cada etnia, mas que ficaram mais conhecidos (pelos de dentro e os de fora do universo xinguano) justamente pelos termos usados na língua Kamaiurá, como o Kwarup e o Jawari.

Os Kamaiurá jamais se afastaram de sua área de ocupação, na região de confluência dos rios Kuluene e Kuliseu, próxima à grande lagoa de Ipavu, que significa, na língua deste povo, “água grande”. Hoje em dia, a aldeia dos Kamaiurá se localiza cerca de dez quilômetros a norte do Posto Leonardo Villas-Bôas, a aproximadamente 500 metros da margem sul da Lagoa Ipavu e seis quilômetros do rio Kuluene, à sua direita. Constituem o território Kamaiurá imediato a aldeia, formada pelas casas e pelo pátio cerimonial, a mata vizinha, a lagoa de Ipavu e os riachos que nela deságuam.

Sua população, em 2002, somava 355 indivíduos, deflagrando um significativo crescimento demográfico em relação ao início da década de 70, quando eram 131. Em 1954, quando houve uma forte epidemia de sarampo na região, se viram reduzidos a 94, em contraste com 1938, quando eram cerca de 240, e no período em que foram visitados por Von den Stein, 1887, em que somavam 264 pessoas.

KOTOK KAMAIURÁ PARTIU PARA O CAMPO ANCESTRAL
– Foto: Wikimedia Commons

O KUARUP 

Os do Xingu se despedem de seus mortos celebrando o Kuarup, um alegre ritual de encerramento do luto. “Os mortos não gostam de ver os vivos tristes”, acreditam. Por essa razão, fazem uma festa exuberante, onde os “Kuarup”, que são troncos de madeira decorados, representam o espírito dos mortos.

Diz a lenda que o Kuarup começou quando o Pajé Mavutsinim preparou seis troncos para trazer de volta à vida seis pessoas que tinham morrido em sua aldeia. Depois de avisar que quem tivesse relações sexuais não deveria sair de suas malocas, o pajé começou, com sucesso, o ritual da ressurreição.

Tudo ia bem até que um índio que estava namorando desobedeceu ao aviso e se aproximou do pajé. Naquele momento, os troncos pararam de se mexer. Muito triste, o pajé disse que dali por diante os Kuarup serviriam apenas para reverenciar os espíritos dos mortos.

Desde então, por tempos imemoriais, o ritual é celebrado para agradecer pela convivência nesta vida e liberar os mortos para viverem em outro mundo.

A cerimônia começa na noite anterior, quando os troncos de madeira – um para cada pessoa encantada – são trazidos da e colocados em linha reta no centro da aldeia pelos homens. Começam, então, a serem recortados em forma humana, pintados com faixas amarelas e vermelhas, e ornamentados com os principais objetos do morto.

Depois de preparar os Kuarup, os homens vão até as malocas e buscam as mulheres e as crianças. Em silêncio, as mulheres se aproximam dos “Kuarup” e, em voz baixa, quase sussurrando, expressam gratidão a seus mortos presenteando-os com braceletes, cocares e belas peças de plumagem.

Chegada a noite, os homens, com seus corpos pintados e ornamentados, fazem a belíssima dança do . Carregando archotes de palha em fogo, os homens cantam canções míticas e dançam a passos cadenciados ao som dos maracás, até a chamada do pajé, que evoca Tupã, implorando pela ressurreição dos mortos.

A dança dos homens termina no momento em que a lua cheia alcança seu máximo esplendor. Os homens então se dispersam em pequenos grupos e só o pajé, acompanhado pelas mulheres, continua entoando cânticos até o dia amanhecer. O nascer do sol traz, nos cânticos do pajé, de volta à vida os encantados.

Começa, então, a dança da vida. Cada “atleta” da aldeia traz no ombro uma longa vara verdejante, significando a vida das últimas crianças que nasceram na comunidade. Em um grande círculo, formado ao redor dos “Kuarup”, os “atletas” reverenciam os espíritos, agradecem pelos nascimentos, e em seguida se dispersam e se juntam às suas famílias, ou clãs.

Terminada a homenagem às novas vidas, os clãs da aldeia e os grupos convidados começam uma luta parecida com uma luta que chamam  “Huka-Huka”, ou “Uka-Uka”.

Depois, em procissão e em festa, levam os “Kuarup” até o rio e encerram a cerimônia entregando-os às águas, para que possam ser levados para a vida em outro mundo. Assim se resumem os vários relatos do Kuarup, contados por indígenas e não indígenas.

KOTOK KAMAIURÁ PARTIU PARA O CAMPO ANCESTRAL
Foto: EBC/Agência Brasil

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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