MACHADO DE ASSIS E O EMBRANQUECIMENTO DA HISTÓRIA

MACHADO DE ASSIS E O EMBRANQUECIMENTO DA HISTÓRIA

Machado de Assis e o embranquecimento da história 

Escritor considerado por muitos como o maior nome da literatura nacional teve até sua certidão de óbito adulterada para “deixar de ser negro”

Por Henrique Nunes/Revista Focus Brasil

Uma das poucas fotografias conhecidas de Machado de Assis é, talvez, a maior farsa da história da literatura brasileira.  De paletó, gravata e pequenos óculos sobre o nariz, o escritor aparece como um homem branco, aristocrata, como se seu passado remetesse mais à Casa Grande do que à senzala.

Mais de um século após a sua morte, a adulteração da imagem ainda gera debates entre historiadores e nas universidades, mas o veredicto é sempre o mesmo: o escritor mais famoso da literatura nacional não podia, aos olhos da elite intelectual, ser um negro.

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839, numa família humilde. Embora pouco se saiba sobre seus antepassados, é sabido que o escritor era filho de dois ex-escravos mulatos alforriados: o pintor de paredes Francisco José de Assis e a lavadeira Maria Leopoldina Machado de Assis. Ele ficou órfão quando era muito pequeno e foi criado por sua madrasta, que era também mulata.

Mas por que então Machado de Assis aparece com a pele branca em fotografia? A razão, infelizmente, é óbvia e se reverbera até os dias atuais: o racismo estrutural impregnado na sociedade brasileira. 

A prova incontestável da tentativa de embranquecer Machado de Assis está em seu obituário, assinado em 29 de setembro de 1908. No documento, o escritor aparece como “branco”, confirmando a tentativa de esconder a real origem do carioca, que na época já era tido como um dos maiores do país.

Um mês após a morte do escritor, o jornalista e escritor José Veríssimo (1857-1916) publicou um obituário sobre o amigo no Jornal do Commercio.

No texto intitulado ‘Machado de Assis: impressões e reminiscências’, ele diz que o “mulato, foi de fato um grego da melhor época”.

O texto imediatamente chamou a atenção de outros escritores, mostrando que o racismo também existia no mundo da literatura. Outro amigo de Machado, o jornalista, historiador e político Joaquim Nabuco (1849-1910) escreveu a Veríssimo pedindo para que retirasse o trecho com comentário preconceituoso. “Eu não o teria chamado mulato e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese”, solicitou Nabuco.

A dúvida sobre sua cor percorreu durante décadas até que a polêmica, enfim, fosse encerrada por meio de incontáveis pesquisas. Mas até mesmo em biografias oficiais lançadas até a metade do século 20 havia quem tentasse esconder que Machado de Assis era filho de um dos períodos mais nebulosos do país: a escravidão.

Trilogia realista

Embora sua obra seja composta por trabalhos jornalísticos, contos e até poemas, foi no romance que Machado de Assis se consagrou. Ao todo, o autor lançou 10 livros no gênero, mas três deles são considerados suas obras primas e formam a chamada Trilogia Realista.

Composta pelos romances Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1892) e Dom Casmurro (1900), os livros que compõem essa trilogia foram consideradas pelos críticos de sua época como as melhores do autor e umas das mais importantes obras da literatura brasileira.

Memórias Póstumas de Brás Cubas

Lançamento: 1881

O livro é uma narrativa em primeira pessoa, onde o protagonista, Brás Cubas, já está morto quando começa a escrever.  A história se passa no Rio de Janeiro do século XIX e aborda temas como a estrutura social escravocrata, o positivismo e o cientificismo. 

Quincas Borba

Lançamento: 1891

Quincas Borba é um romance realista de Machado de Assis. Conta a história de Rubião, um professor de Barbacena que herda os bens de seu amigo Quincas Borba, com a condição de cuidar do cão do falecido, que possui o mesmo nome do dono, ou seja, Quincas Borba.

Dom Casmurro 

Lançamento: 1899

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p style=”text-align: justify;”>Dom Casmurro, a obra mais conhecida do escritor Machado de Assis, conta a história de Bentinho e Capitu, que, apaixonados na adolescência, têm que enfrentar um obstáculo à realização de seus anseios amorosos, pois a mãe de Bentinho, D. Glória, fez uma promessa de que seu filho seria padre.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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