Malária potencializa morte por Covid-19 entre os Yanomami

Malária potencializa risco de morte por Covid-19 entre os Yanomami

denunciam que a disseminação das doenças é causada pelos garimpeiros. mandou o governo retirar os invasores do território em julho, mas decisão ficou no papelImagem de médica militar atendendo paciente em Surucucu…

Por Izabel Santos 

Manaus (AM) – A Terra Indígena Yanomami enfrenta alta incidência de malária, o que tornou a doença, endêmica na , uma comorbidade que potencializa o risco de morte pelo novo coronavírus entre os indígenas. De 1º de janeiro a 12 de agosto de 2020 foram notificados 13.733 casos de malária no território e nove mortes. Os dados são do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) Yanomami, órgão vinculado ao Ministério da Saúde.

A  Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana, organização que faz o monitoramento da pandemia do novo coronavírus na Terra Indígena Yanomami, divulgou nesta terça-feira (8) que notificou, nos últimos cinco meses, 17 mortes no território, sendo oito confirmados por Covid-19 e nove com suspeitas da doença. Dos casos confirmados, quatro pessoas tinham comorbidade (doença preexistente) conhecida, sendo três pacientes em tratamento de malária.

O primeiro caso de Covid-19 entre os Yanomami foi notificado em um jovem da região do Uraricoera, uma das principais entradas dos garimpos ilegais do território, em Roraima. O estudante estava em tratamento de malária Falciparum quando foi infectado pelo novo coronavírus e faleceu em 9 de abril.

A  Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana registrou neste período mais duas mortes de indígenas pela Covid-19/Malária: um idoso da aldeia Ariabu, na região de Maturacá, morreu com as doenças em 23 de maio, em São Gabriel da Cachoeira; e um bebê de cinco meses da aldeia Komixiwë, em Santa Isabel do Rio Negro. Ambas as aldeias ficam na região do Alto Rio Negro, no oeste do Amazonas. Os mortos foram enterrados em suas comunidades.

A organização afirma que, neste período, dos nove Yanomami que morreram com suspeitas do novo coronavírus, cinco tinha comorbidades, sendo que quatro estavam em tratamento de malária.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, informa que o total de mortos por Covid-19 na TI Yanomami são seis pessoas e não explica quantos tinham como comorbidades a malária.

A devastação do território pelo garimpo

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Garimpo na Terra Indígena Yanomami, em Roraima
(Foto Chico Batata/Greenpeace/2020)

O aumento dos casos de malária e Covid-19 na Terra Indígena Yanomami tem relação com a invasão de garimpeiros no território de mais de 9,4 milhões de hectares, que fica entre os estados do Amazonas e de Roraima.

O médico Paulo Basta é da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e faz parte do grupo de pesquisadores da Rede de Pesquisadores e Apoiadores dos Povos Yanomami e Ye’kwana. Ele reitera o que o líder Davi Kopenawa Yanomami já vem denunciando há muito : o avanço dos garimpeiros no território desde 2019. No ano passado foram registrados 16.478 casos de malária entre os indígenas.

“Os garimpeiros entram no território e desmatam, alteram a paisagem natural, põem árvores abaixo, abrem crateras no território. Esse processo de devastação do ambiente modifica todo o equilíbrio do ecossistema local e causa impacto nas populações de mosquitos e insetos de maneira geral. Altera a população e mamíferos, aves, peixes, répteis e todo o equilíbrio da região fica comprometido”, explica Basta à agência Amazônia Real.

Paulo Basta diz que o garimpeiro quando entra na terra indígena não tem assistência em saúde e pode ser portador da malária. “Ele é um vetor de doenças. Tem vários estudos científicos que mostram que a malária segue o rastro do garimpo. Onde tem garimpo tem malária”, afirma.

A população Yanomami é formada por 26.785 pessoas. Em todos os 37 polos bases de saúde, que atendem as 366 aldeias, foram registrados casos de malária de janeiro a agosto, segundo o Condisi. Em dez polos os casos estão acima de 1.000 casos por 1 mil habitantes.

No polo base do rio Uraricoera, onde vivem 290 indígenas, foram notificados 724 casos de malária nas aldeias que ficam a oeste de Boa Vista, a capital roraimense. A incidência da doença na região foi de 2.496,6 casos por 1 mil habitantes. O que significa dizer que cada morador teve malária, em média, mais de duas vezes nos últimos oito meses.

Os polos bases são estruturas de atendimento que cobrem um determinado número de aldeias nos territórios indígenas do e são vinculados aos Dseis (Distritos Sanitários Especiais Indígenas) e subordinados a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde.

O médico Paulo Basta destaca que a malária é uma doença que consome o organismo do ser humano e diz que o parasita da malária se reproduz dentro das células sanguíneas. “O parasita mais comum, que é o Vivax, se reproduz no fígado. Esse processo de reprodução do parasita dentro do corpo humano vai consumindo a energia vital da pessoa, as reservas energéticas e isso compromete o sistema imunológico da pessoa”, explica.

“No caso da Covid-19, nós sabemos que o sistema imunológico é muito importante no enfrentamento da doença, pois não temos vacina e nenhum medicamento eficaz”, afirma o médico.

Conforme Paula Basta, outra situação é que, com a pandemia, o sistema de saúde se organizou para combater a Covid-19, mas ações relacionadas a outros programas de saúde da atenção básica sofreram desestruturação. “Isso é um reflexo da situação que está acontecendo em todo o Brasil. E isso tem um paralelo dentro da saúde indígena”.

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O que é a malária?

A malária é transmitida pela picada do mosquito Anopheles. Segundo a Fiocruz, a doença infecciosa, febril, potencialmente grave, é causada pelo parasita do gênero Plasmodium. No Brasil existem três espécies de Plasmodium que afetam o ser humano: P. falciparumP. vivax e P. malariae. O mais agressivo é o P. falciparum, que se multiplica rapidamente na corrente sanguínea, destruindo de 2% a 25% do total de hemácias (glóbulos vermelhos) e provocando um quadro de anemia grave. A doença tem tratamento e cura, mas se não forem diagnosticados e tratados da forma correta há risco de morte.

O sofrimento em Marauiá

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Idoso Yanomami foi tratado de Covid-19 pelos Médicos Sem Fronteiras, no Amazonas
⁣(Foto: Diego Baravelli/MSF)

No polo base Maraiuá, que fica no lado Amazonas da Terra Indígena Yanomami, a taxa de incidência de malária nos últimos sete meses foi 699,5 casos por 1 mil habitantes. A população da região é de 2.536 pessoas. Na área, as notificações da malária foram de 2.283 casos.

A situação é grave, denuncia à agência Amazônia Real o coordenador da Associação Kurikama Yanomami, Samuel Kohito Yanomami, que representa as comunidades dos rios Marauiá e Preto, localizadas no município de Santa Isabel do Rio Negro, a 846 quilômetros de Manaus.

Samuel conta que na região de Marauiá dois indígenas, acometidos por malária, morreram com suspeita de Covid-19: uma mulher de 53 anos e um idoso de 78.

O rio Marauiá é um dos afluentes do rio Negro na região norte do estado do Amazonas. A população vive em 17 aldeias.

O idoso morava na comunidade Tabuleiro. Ele estava apresentando sintomas de desnutrição e chegou a vomitar sangue antes de morrer. Já a mulher vivia na comunidade Balaio e estava com esteatose hepática, era diabética e tinha contraído malária Falciparum, segundo o relatório da Rede Pró-Yanomami.

“O novo coronavírus está passando muito feio na saúde indígena Yanomami. Eu queria que vocês, não indígenas, escutassem e ouvissem minha voz, minhas falas, como líder do povo Yanomami que mora na floresta, nesta cidade do povo Yanomami”, alerta Samuel Yanomami em áudio enviado à reportagem pela Rede Pró-Yanomami e Ye’Kwana. 

Falta o dinheiro do avião

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Equipe de saúde indígena no combate a Covid-19 no Rio Marauiá
(Foto Dsei Yanomami 13/06/20)

O presidente do Condisi Yanomami, Júnior Hekurari, atribui ao Ministério da Saúde o aumento do número de casos de malária na Terra Indígena Yanomami. De acordo com ele, há cerca de um ano o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami está sem contrato com empresas aéreas para levar medicamentos e profissionais da saúde às aldeias.

“Os casos de malária estão principalmente na região do Alto Alegre, Parima, Kayanau, Alto Mucajaí. Isso é muito preocupante. Acredito que esse aumento ocorreu porque o Dsei Yanomami está sem contrato com aeronaves, o ministro da saúde ainda não liberou, ou assinou, os contratos de aeronaves”, explica Júnior Hekurari.

Um acontecimento que ilustra essa situação é a morte de uma de dois anos de idade, no dia 24 de agosto por malária e Covid-19, em Boa Vista, capital de Roraima. Ela foi removida da comunidade Marari no dia 22 de agosto para o Hospital da Criança acompanhada pela e um tio. “A criança estava em tratamento de malária quando testou positivo para o novo coronavírus”, disse Júnior. O corpo da criança foi enterrado no cemitério particular da capital do estado.

A mãe e o tio da criança, segundo o presidente do Condisi, também testaram positivo para Covid-19 e estão internados na Casa de Apoio Saúde Indígena (Casai), na capital roraimense.

“A Terra Indígena Yanomami é muito grande e, em alguns locais, só se chega de avião; não tem estrada, não tem rio. Então, para chegar medicamentos ou deixar um técnico em enfermagem e um agente de endemias, é preciso uma aeronave. A malária está acelerando a cada dia, a cada semana, para cima. Estamos muito preocupados, porque nove Yanomami já morreram com a doença e recebemos relatos de outras pessoas que morreram com a doença”, acrescenta o presidente do Condisi, Júnior Hekurari.

Para as lideranças Yanomami do Amazonas, devido à localização em outro estado, fica difícil o acesso para os moradores de algumas comunidades, como as do rio Marauiá. “Estamos muito preocupados porque não tem lá dentro [de Marauiá], enfermeiro, técnica de enfermagem, isso não existe, por isso estou falando aqui para vocês me ouvirem nesta cidade do povo Yanomami”, apela Samuel Yanomami, por áudio.

A morte da menina de Marari se soma a outros de três bebês que morreram por suspeitas de Covid-19 e os corpos foram enterrados no cemitério de Boa Vista sem a anuência das famílias Yanomami.

Mourão prometeu e não cumpriu
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Médicas militares atendem indígenas Yanomami (Foto: Agência Saúde/2020)

A agência Amazônia Real procurou o Ministério da Saúde por e-mail para o órgão falar sobre os contratos com empresas aéreas, sobre o tratamento de malária nas aldeias Yanomami e os testes de Covid-19, mas, até o momento, não obteve resposta.

O Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, em Brasília, determinou em 3 de julho que o governo federal retirasse os mais de 20 mil garimpeiros do território Yanomami. O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, explicou na ocasião que “existe uma determinação da Justiça solicitando que se apresente um planejamento para a retirada desses garimpeiros, que não é um processo simples. O meu dileto instrutor, general [Augusto] Heleno [ministro do Gabinete de Segurança Institucional – GSI], fez uma observação muito clara: tirar garimpeiros de lá não é a mesma coisa que tirar camelô da Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro. É uma operação complexa. Então, isso está sendo estudado e debatido, aguardando as decisões finais”, afirmou.

Em 6 julho, o general Hamilton Mourão, que também e presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal (Conamaz), recebeu Dário Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara, associação que representa os índios Yanomami e Ye’kuana da Terra Indígena Yanomami (AM e RR), e a deputada federal Joênia Wapichana (Rede/RR), coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos e que havia solicitado a audiência.

Mourão prometeu que seriam tomadas providências pelo governo para a retirada dos garimpeiros da TI Yanomami. Ele disse também que seriam remontadas as barreiras físicas de proteção ao território e mantê-las permanentemente ativas. Tudo ficou na promessa.

Em julho, o governo do presidente Jair Bolsonaro, em uma missão interministerial de emergência em saúde pública de combate à pandemia da Covid-19, levou 66 mil comprimidos de cloroquina 150 MG para o tratamento de indígenas de nove etnias das Terras Indígenas Yanomami e Raposa Serra do Sol. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal, em Roraima.

O Brasil está há quase quatro meses sem ministro da saúde. O general Eduardo Pazuello ocupa de forma interina o cargo desde 15 de maio, quando o médico oncologista Nelson Teich deixou o governo. Teich assumiu após a saída do também médico Luiz Henrique Mandetta, que teve divergências com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a gestão da saúde frente a pandemia.

O Ministério Público Federal no Amazonas disse que “não foi comunicado a respeito das situações relatadas” pelas lideranças Yanomami. Em nota enviada pela assessoria de imprensa, o MPF disse que instaurou um procedimento em 2019 para “apurar as medidas adotadas para coibir surto de malária nas aldeias Yanomami dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos” ocorrido naquele ano, mas até o momento, não possui informações sobre novos surtos.

O que é a Covid?

A Covid-19 é uma doença sistêmica causada pelo vírus SARS-CoV-2. O primeiro caso foi registrado oficialmente em 31 de dezembro de 2019, em Wuhan na China. Desde então, a doença altamente transmissível se espalhou pelo mundo e em 13 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a pandemia de Covid-19.

A presença do vírus no corpo humano provoca uma reação inflamatória generalizada e pode afetar gravemente o sistema respiratório, rins e coração. Mas cerca de 80% dos pacientes com Covid-19 podem ser assintomáticos ou apresentar poucos sintomas. Outros 20% dos casos podem precisar de atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória e, destes, aproximadamente 5% podem necessitar de suporte ventilatório em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Os números da pandemia

O Brasil tem 24.326 casos confirmados de Covid-19 entre indígenas e 399 mortos, segundo a Sesai até o dia 4 de setembro, segundo a Sesai. Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), são 30.301 pessoas de 158 povos atingidos pela pandemia e 788 mortos. Os números são diferentes, pois a Apib inclui as populações que vivem nas cidades.

Segundo a Sesai, 644 casos confirmados de coronavírus foram em indígenas Yanomami: 329 continuam infectados e 309 estão curados.

Já Rede Pró-Yanomami e Ye’Kwana publicou no boletim desta terça-feira (8) que notificou, entre os meses de abril a setembro, um total de 704 casos confirmados de coronavírus entre os indígenas.

O boletim da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), divulgado no dia 4 de setembro, registrou nos últimos cinco meses 22.489 casos confirmados de Covid-19 e 649 mortes. O boletim diz que 127 povos foram atingidos pela pandemia na região amazônica.

Sem testagem nas comunidades
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Equipe distribui máscaras e álcool em gel em aldeia do rio Marauiá
(Foto Dsei Yanomami 13/06/20)

Segundo a Rede Pró-YY, desde o início da pandemia, em meados de março, apenas quatro testes de Covid-19 foram realizados nas comunidades dos Yanomami do rio Marauiá.

Em julho deste ano, quando o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, visitou Roraima, o governo anunciou que enviou 5.360 kits de testes rápido para coronavírus, mas não informou quando foram destinados ao Dsei Yanomami.

“Os indígenas da região do rio Marauiá estão desesperados com a situação que está acontecendo lá”, afirma o pesquisador da Rede Pró-YY, Daniel Jabra. Ele disse que foi procurado por lideranças Yanomami de comunidades do rio Marauiá que pediram ajuda para dar visibilidade à situação das duas doenças no território.

“Já registramos 29 casos do novo coronavírus e as testagens só são realizadas na sede do município de Santa Isabel do Rio Negro. Tem muita gente com sintomas nas comunidades. Como não estão testando, os indígenas não sabem o que está acontecendo”, relata Jabra.

No começo de abril, os Yanomami expulsaram todos os não indígenas que estavam na região do rio Marauiá, inclusive técnicos do Dsei. O temor deles era contrair a doença de quem vinha de Boa Vista ou de Santa Isabel do Rio Negro. ”Foram se isolar no mato, que é uma estratégia tradicional, que já foi adotada em outras ocasiões da década de 1950 a 1980”, acrescenta o antropólogo da Rede Yanomami.

Mas com o surgimento dos casos de malária entre os indígenas em isolamento na floresta, os líderes precisaram voltar à comunidade e ir até a sede de Santa Isabel do Rio Negro em busca de tratamento.

De acordo com o agente indígena de saúde da comunidade Pukima Cachoeira, Chicão Pukimapiwëteri Yanomami, os moradores estão apresentando nos últimos dias sintomas de virose. “No rio Marauiá, aqui em baixo, está tendo muita virose, que é forte, e também estão apresentando sintomas de Covid-19”, disse ele, à Amazônia Real.

Chicão diz estar muito preocupado com a situação dos Yanomami que, como outros indígenas da Amazônia, estão desassistidos. “Não era para a gente estar morrendo disso, por causa de doença forte, né? Era para a Sesai de Boa Vista estar mandando testes de Covid-19 para nós aqui do rio Marauiá, porque até hoje eles não estão chegando”, afirma. (Colaboraram Kátia Brasil e Giovanny Vera)

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Mães Yanomami com seus bebês no Hospital Geral de Roraima
(Foto de Raquel Uendi/ISA)

Fonte: Amazônia Real 13043460 1063823553682740 510334649613372171 n

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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