Medo e eleições
Ambos têm uma concepção pessimista da natureza humana. Para Maquiavel, o medo tem um papel fundamental na sociedade e na política em particular. Para ele, é mais seguro um governante ser temido do que amado “isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho”
Já Thomas Hobbes parte do princípio que os homens no seu estado de natureza, têm um direito natural que é o direito à vida. Esse direito à vida pressupõe o uso de todos os meios necessários para a sua concretização, mas eles são naturalmente egoístas: “O homem é o lobo do próprio homem” é um de suas frases mais conhecidas. Para ele, o medo é próprio do estado de guerra, se não tiver algo que possa impedi-lo, as pessoas viverão como no “estado de natureza”, sempre em conflito, em constante insegurança. Para que tenha segurança é necessário que haja um pacto, um estado que possa garantir a segurança e a paz, transferindo o seu direito natural e esse estado passa a ter o monopólio da força, com o objetivo de garanti-los.
Como diversos analistas de sua obra têm mostrando, ele propõe assim a criação de um Estado absolutista, no qual o soberano deve punir aqueles que não se comportam segundo as leis que, em princípio, deve proteger a todos e promover a paz. Como diz Renato Janine Ribeiro: “O leviatã não aterroriza. Terror existe no estado de natureza, quando vivo no pavor de que meu suposto amigo me mate. Já o poder soberano apenas mantém temerosos os súditos, que agora conhecem as linhas gerais do que devem seguir para não incorrer na ira do governante (…) o indivíduo bem comportado dificilmente terá problemas com o soberano” (Hobbes: O medo e a esperança. In: Weffort, Francisco (org.), Os clássicos da política. vol. 1. São Paulo, Ática, 1989).
Historicamente, o absolutismo antecedeu a democracia e o contrário dela. Nestas, deve prevalecer, além da liberdade e da segurança, o princípio da igualdade e da possibilidade de alternância do poder.
O fato é que ao longo da história, o medo sempre foi utilizado como estratégia política e manutenção do poder. O objetivo é o de instalar o medo com o uso de mecanismos de manipulação e uma das mais eficazes estratégias é infundir medo e apontar os culpados e se apresentar como solução.
Num artigo publicado em 2004, Vera Chaia, cientista política e professora da PUC/SP, mostra como a estratégia política de se criar um clima de medo foi utilizada para combater a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.
Para ela “o medo pode ser fabricado e produzido por um sistema político e/ou criado para estimular e impulsionar a obediência dos cidadãos em determinadas sociedades”.
E o seu uso continuou nas eleições presidenciais de 2006, 2010 e 2014, ou seja, o “discurso do medo”, sempre foi recorrente em todas as disputas presidenciais, usadas principalmente contra o PT. A mensagem transmitida sempre foi a de uma ameaça de o Brasil continuar nas mãos de um grupo de incompetentes e inescrupulosos “capazes de fazer qualquer coisa para manterem-se no poder”. Não conseguiram vencer nem em 2002, 2006, nem em 2010 e 2014.
Se nas eleições de 2002 a esperança venceu o medo, é possível afirmar que é este hoje o sentimento em relação às eleições de 2018? Há mais medo do que esperança? O medo vencerá? Naquele momento (2002) o significado de Lula era o de que ele representava esperança: de um governo melhor, de corrigir os erros do governo anterior etc. Nesta eleição talvez o sentimento seja outro: não de esperança, mas de medo. Há um enorme descrédito da política e das instituições democráticas de uma maneira geral, que associados ao (des)governo de Michel Temer e os seus retrocessos, em vez de levar ao engajamento, tem levado uma parcela importante do eleitorado à indiferença, de se abster ou votar em branco ou anular o voto.
O que se percebe nestas eleições é a continuidade do discurso do ódio de parcelas do eleitorado e de um candidato que o tem canalizado, com discursos preconceituosos, de intolerância e especialmente anti-petista e também do medo, intensificado e difundido diariamente na mídia, esvaziando o debate político‐eleitoral. Ao focar apenas na violência e (in)segurança, oculta outros problemas, não apresenta soluções, a não ser mais violência para combater… a violência.
E assim pode criar o clima favorável para a continuidade da retirada dos direitos, que não é percebida pelos que o apoiam, porque a adesão não é racional e nesse sentido uma estratégia de mobilização política baseada no medo é uma ameaça à democracia e o temor é que seja uma eleição na qual o voto irracional, a descrença nas instituições, o discurso da anti-política seduza parte do eleitorado e seja decisivo nas eleições.
A esperança, mais uma vez, precisa vencer o medo.
ANOTE AÍ
Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Fonte: Nossa Ciência – publicado originalmente em 2018
http://xapuri.info/liberdade-de-lula-tem-a-ver-com-a-manutencao-de-direitos/