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METAFÍSICA, LAICIDADE E SUAS INTERFERÊNCIAS NO AMBIENTE ESCOLAR

METAFÍSICA, LAICIDADE E SUAS INTERFERÊNCIAS NO AMBIENTE ESCOLAR

Metafísica, ciência, laicidade e suas interfaces no ambiente escolar

Para Michel Varret, em sua clássica obra “Os marxistas e a religião”, o debate estabelecido entre metafisica e ciência, a partir do século XIX, no mundo ocidental, prevaleceu diante de uma celeuma de contradições.

Por Alisson Costa Rocha

Posto isso, deve ser levado em conta que o pensamento científico, ao passo que propôs o pensamento racional, não pode se comprometer com demandas estruturais em torno da verdade.

Obviamente que a construção das lentes em torno da produção científica surge em um caldeirão cultural milenar, permeado de valores e de historicidade no contexto do jeito de agir, de sentir e de pensar em uma estrutura acostumada a explicar o mundo a partir da relação indivíduo natureza e das teorias universais da filosofia. 

Corroborando com o debate, o pensador brasileiro Paulo Freire em seu livro “Educação como prática de liberdade” afirma que inexiste formação fora da humanidade porque os seres humanos não estão no limbo, mas no contexto social a partir de um processo dialético mediado por contradições.

Nesse cenário, o locus fenomenológico surge, sobretudo, com o propósito de superar o pensamento filosófico e metafísico segundo os princípios fenomenológicos que explicam as demandas que permeiam a humanidade nas suas questões contextuais.

Além disso, o grande desafio do pensamento científico se deu com uma proposta de colocar os pés da humanidade no chão, tendo como ponto de partida uma perspectiva materialista para construção do conhecimento em uma escola com uma proposta de laicidade, a partir dos documentos oficiais.

Entretanto, nos dias atuais, se  apresenta, na educação básica,  uma cultura católica ainda predominante e, ainda, com um aumento também da influência neopentecostal. 

É  importante mencionar que o pensamento científico se comprometeu com os fenômenos específicos diante da incapacidade humana de explicar a imensidão de coisas que existem no mundo, algo que filósofos como Sócrates e Pitágoras já tinham percebido há pelo menos dois milênios.

Nesse sentido, o grande papel das ciências humanas se dá no campo da reflexão e na produção de conhecimento diante dos dilemas que existem no contexto social sob a perspectiva da lente do materialismo histórico e dialético e da fenomenologia, por exemplo.

Outrossim, o debate da laicidade, na escola pública do Distrito Federal, emerge em um imaginário sociológico de grande influência da religião cristã. Para Luiz Antônio Cunha na obra “Educação e religiões: a descolonização religiosa da escola pública”, a população brasileira assumiu a crença do colonizador.

O autor argumenta que até a Constituição de 1891, após a Proclamação da República, confundia-se o Estado e a igreja no sistema de padroado e, atualmente, mesmo com uma proposta de um estado laico, sem uma religião definida, no ambiente educacional, aparecem as ambiguidades que levam as determinações religiosas a definirem até mesmo as questões disciplinares.  

Sob essa mesma perspectiva, Cunha esclarece que a proposta de um estado laico foi base da inspiração republicana no Brasil inserido dentro da concepção das liberdades individuais. Assim, ainda segundo esse autor, a Constituição, no Período Republicano, não negou a fé cristã, porém definiu as questões estatais colocando a religião no âmbito íntimo e privado e não mais sobre as responsabilidades do Estado brasileiro.

Desse modo, nos espaços sepulcrais passou a ser permitido ritos de outras crenças e o Brasil começou a gozar de certa liberdade religiosa. Destarte, o grande desafio atual pode passar pela superação de uma moral construída a partir de uma cultura hegemônica religiosa europeia em prol de uma proposta que privilegie o pensamento ético em favor do oferecimento de uma educação laica como está proposto nos documentos institucionais.

É válido frisar que o documento que funciona como uma diretriz para as escolas do Distrito Federal, sob a alcunha de “Currículo em Movimento”, do ano  de 2014 e atualizado no ano 2018, da Secretaria do Estado de Educação do Distrito Federal, (SEEDF), afirma que a religião, no processo de formação educacional, tem que aparecer como proposta pedagógica a partir da compreensão e da reflexão histórica, filosófica e sociológica e não como súplicas ou profissão de fé.

Assim, o Currículo da SEEDF define o que já foi acordado com o fim do padroado na Constituição Brasileira de 1891: o espaço da escola e do templo, sendo a escola o espaço de produção e de reflexão a partir do preparo para o saber científico.

Além disso, Wayne Morrison, autor da “filosofia do direito”, mirando os movimentos norte-americanos conhecidos como  Critical legal studies, na década de 60 e 70, em um contexto crítico em que o pensamento jurídico estava sendo analisado como uma justificativa de se manter o pensamento hegemônico, na sociedade, diante das reivindicações das minorias, observou que o mundo contemporâneo não é uma embarcação navegando em um mar calmo carregado de valores éticos racionais, conduzido por navegantes com lentes que permitam enxergar para além de uma ótica nublada.

Assim sendo, para o autor, o tecido social é costurado por influências de uma sociedade metafisica com certezas medianas.

Por outro lado, os alemães Karl Marx e Ludwig Feuerbach apontam que, por meio da visão de mundo proposta pela religião, as pessoas enxergam as coisas não como de fato são, mas por uma lente que inverte a realidade, o que a filósofa Marilena Chauí atualmente conceitua como uma ocultação da realidade.

Assim, se abusarmos, nesse texto, da análise freiriana poderíamos refletir no sentido de que a problematização acontece em um terreno carregado de emoções, de historicidades, de valores diante de uma estrutura social constituída.

Destarte, a pergunta a ser feita é se a escola, diante das questões hegemônicas postas, vai conseguir cumprir o seu papel. Algo também a ser perguntado é: qual papel a escola pública vai assumir diante do cenário posto: a ciência ou o senso comum? 

Além disso, o professor Dermeval Saviani, que embasa o “Currículo em Movimento da SEEDF”, elucida em seu trabalho “Pedagogia Histórico Crítica” que os professores precisam olhar o campo para receber as experiências acumuladas historicamente pelos estudantes, na comunidade em prol de problematizá-las para produzir a catarse, a reflexão, a problematização com o intuito de obter o conhecimento sistematizado.

Desse modo, o conhecimento sensível e a ciência se complementam no sentido de que a inquietação surge a partir do objeto real, concreto e no meio social. Por isso Freire em “Cartas aos professores” aponta que a reflexão que surge, no meio popular, não se antagoniza com o saber científico porque o campo é que vai dar substância à análise e à pesquisa.

Assim, diante do reconhecimento do seu papel, a escola poderá oferecer os impulsos e os estímulos adequados por meio das dinâmicas, da acolhida dos estudantes, dos ensinamentos, dos debates e das reflexões cotidianas para que as crianças, os adolescentes, os jovens, os adultos e os idosos, os trabalhadores típicos, os atípicos, os neurodivergentes possam viver bem, no ambiente escolar, de forma harmônica em um ambiente de profissionais preparados para a diversidade e para a antecipação de crises e de conflitos comuns à comunidade escolar.

 Ademais, a partir dos estudos realizados e das experiências educacionais vivenciadas, nos últimos séculos, se espera da escola uma perspectiva intelectual para debater temas como o meio ambiente, a diversidade, o ciclo da água, o corpo humano e seus sistemas, as várias crenças existentes problematizando e resolvendo questões inerentes às demandas sociais que emergem do contexto vivenciado.

Sobretudo, é papel da escola a análise dos objetos de estudo que permeiam o campo e dos temas universais existentes na humanidade.

Desse modo, o Filósofo alemão Inmanuel Kant na sua obra “Crítica à razão pura” explica que” os objetos têm que ser analisados como fenômenos e não como coisa em si”.

Outrossim, o pesquisador Luiz Antônio Cunha escreveu um livro “Educação e religiões: a descolonização religiosa da escola pública” que  aponta a importância de  desconstruir a hegemonia religiosa na escola pública.

O autor apresenta, em seus estudos, reflexões que afirmam que a cultura religiosa, nas instituições de ensino, tem dado conta de orientar a rotina escolar, o padrão de comportamento, o projeto disciplinar, a partir de parâmetros morais permeados por crenças e até mesmo mediados por súplicas e orações.

Obviamente que, no contexto medieval, comprometido com as relações metafísicas determinadas pela Igreja Cristã, historicamente se compreende, porém tais reflexões levam a crer que os valores ocidentais advindos da Idade Média ainda exercem poder na hora de ensinar.

Para além, Cunha reforça que o debate do Estado laico não nega as crenças e a religião, mas, na verdade, aponta para uma sociedade democrática de garantias dos direitos individuais e coletivos.

Ainda mais, Tatiane Lionço , Debora Diniz e Vanessa Carrião, em sua obra “Laicidade e ensino religioso no Brasil” afirmam que é possível uma educação democrática no país em um cenário em que as pessoas possam conviver no ambiente escolar por meio do respeito e também da diversidade.

Além das autoras ora referidas, Luiz Antônio Cunha aponta que na educação pública brasileira permeia uma ambiguidade diante de uma Constituição Federal que garante o Estado laico e uma escola que, em alguma medida, se comporta de forma confessional.

Diante do debate proposto, é importante refletir ao ponto de a escola descobrir e de se afirmar frente aos objetos e aos fenômenos, por meio da análise científica ou poderá perder a razão de ser, diante das propostas que permeiam o senso comum.

Como a militarização do espaço escolar, em uma confusão da rotina escolar  dos estudantes com a realidade disciplinar dos soldados nos quartéis, do apelo às súplicas religiosas e do moralismo cotidiano comum à sociedade, importantes, entretanto, objetos de análise na educação.

Assim, pode ser necessário que o simplismo, apontado no texto a partir de Morrison, dê lugar ao pensamento crítico, no sentido de que a escola leve o estudante à percepção das contradições sociais dando lugar de destaque para o debate científico em prol da emancipação discente.

Nesse sentido, Paulo Freire, patrono da educação brasileira em seu livro “Ação cultural para a liberdade”, explica que a apropriação cultural para estudantes e professores tem que estar a serviço da reflexão e da emancipação em prol da construção de sujeitos cognoscentes.

Além disso, para Freire, a proposta educacional tem que ser simples, de modo que os temas sejam apresentados na condição de manter uma relação com a realidade dos educandos em prol da transformação das informações que se apresentam no campo para construção do conhecimento como objetivo a emancipação humana e jamais simplista ou na condição de reproduzir o que o campo oferece sem a problematização que se exige no universo escolar, educacional ou acadêmico.

Ademais, o autor pernambucano não nega a realidade, porém problematiza-a ao passo que afirma em “Educação com prática de liberdade” que “não existe educação fora das sociedades humanas e que não existe pessoas no vazio”. 

Portanto, a partir deste debate, pode se perguntar se o papel da escola não é o de levar uma lente que permita enxergar as contradições nas verdades produzidas e nos rótulos estabelecidos? Será que se a escola se comprometer com o campo sem problematizá-lo perderá a razão de ser?

Essas são perguntas a serem feitas diante do currículo em movimento com uma proposta que sugere à comunidade escolar a autonomia necessária como uma embarcação que se permita a escolha do melhor caminho para chegar ao porto, porém, no caso da escola, sem abandonar o processo democrático mediado pelo conceito de alteridade que está sempre no olhar no outro.

Alisson Costa Rocha é Mestre em Educação pela Universidade de Brasília, membro do programa de extensão da UnB Pós – Populares, coordenado pelo professor Erlando da Silva Rêses. Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em Materialismo Histórico – Dialético e Educação, coordenado pelo professor Erlando da Silva Rêses.

Possui graduação em Estudos Sociais pela União Pioneira de Integração Social (2011), com ênfase em História; É graduado em Pedagogia pelo Instituto Superior Albert Einstein em 2014; É pós-graduado lato sensu em Orientação Pedagógica pela Faculdade Apogeu.

Tem curso de formação continuada de trabalhadores, com abordagem Sociológica na Educação pela Instituição: (Centro de Educação Profissional de Ceilândia.); Possui curso de Formação de Alfabetizadores Populares. Instituição: CEPAFRE – Centro de Educação Paulo Freire.

É professor no INSTITUTO DE EDUCACAO E CULTURA ÁGUAS LINDAS S/S LTDA – FILOS com atuação nas disciplinas de Filosofia do Direito, Base Psicológica de Educação e Recursos Humanos. Também é professor na SEEDF em regime temporário, desde 2012, com atuação nas disciplinas de História, Ensino Especial e Atividades.

É coordenador regional em Ceilândia do Programa de extensão Pós-Populares: Democratização do acesso à universidade, nos anos de 2023 e 2024, coordenado pelo professor Elando Rêses da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

Foi Professor e Coordenador voluntário no pré-vestibular da Associação Comunitária da expansão do Setor “O”, nos anos de 2011 a 2015.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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