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O carnaval dos outros e os outros carnavais

O carnaval dos outros e os outros carnavais

Apesar de Brasília ainda ser uma cidade jovem, não há como negar que ela tem lá suas tradições. O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, por exemplo, acontecendo desde 1967, há anos vem movimentando culturalmente a cidade, sendo inclusive o mais antigo do gênero no país. A célebre Pizzaria Dom Bosco, que desde 1960 se estabeleceu no imaginário do brasiliense com suas fatias de mozzarella a preços módicos. E também o Pacotão, nome pelo qual se popularizou a Sociedade Armorial, Patafísica e Rusticana desde o carnaval de 1978, quando saiu pela primeira vez na contramão da avenida W3 com suas dezenas de “sujos”.

O bloco alternativo formado originalmente por jornalistas é um dos oito nomes constantes da Liga dos Blocos Tradicionais do Distrito Federal, ao lado de Asé Dudú, Baratinha, Baratona, Galinho de Brasília, Mamãe Taguá, Menino de Ceilândia e Raparigueiros. Deixando de lado a intriga intelectualoide pela qual a noção de tradição se esvai na curta duração, há 37 anos o Pacotão mobiliza os foliões ao som de suas marchinhas satíricas, sempre perfazendo os mesmos caminhos, desde a 302 norte até a 504 sul.

A veia crítica e irônica da Sociedade Armorial, Patafísica e Rusticana remonta à sua fundação. O codinome “Pacotão” era uma referência explícita ao “Pacote de Abril” de 1977, tendencioso conjunto de leis imposto pelo general-presidente Ernesto Geisel para alterar as regrais eleitorais. Quando o bloco saiu pela primeira vez, em 1978, com mais ou menos 150 pessoas, jornalistas em sua maioria, o fez com a intenção de espezinhar o regime vigente.

Ainda hoje a temática recorrente de seu repertório é a situação política do país e o deboche de personagens eminentes do governo. Mas não fica por aí. Os tempos mudaram. Toda manifestação cultural que se preze tende a se diversificar, incorporar novos temas. A tradição se atualiza. E inspira.

Além dos oito blocos tradicionais, o carnaval de Brasília conta com outros tantos independentes da Liga. Em 2015, desde o final de janeiro, a movimentação acontece com as Virgens da Asa Norte e o Suvaco da Asa. Em fevereiro, o roteiro é ainda mais longo, e o folião não fica parado com os blocos Cafuçu do Cerrado, Babydoll de Nylon, Antibloco, Concentra mas não sai, Agoniza mas não morre, Confronto Sound System e Aparelhinho, espalhados nos Setores Bancário Norte, Bancário Sul e Comercial Sul, bem como no Cruzeiro e na 406/07 sul.

A experiência carnavalesca na capital federal é um reflexo de sua condição urbana. Enquanto síntese, a cidade representa o complexo cultural do nosso vasto país. Não poderia ser diferente com suas festas, portanto. Para os puristas que defendem a ideia de que uma tradição deve ter séculos nas costas para ser considerada como tal, Brasília responde com um calendário festivo que talvez não seja “tradicional” o bastante para atrair foliões de outros estados, como o carnaval de Olinda ou do Rio de Janeiro, porém é atrativo o suficiente para fazer com que milhares de brasilienses permaneçam na cidade durante o aval da carne.

A grande vantagem que a cultura de Brasília tem nesse contexto é o desprendimento em relação a profundas raízes ou origens remotas, diante das quais o povo se constrange para reverenciar antigas formas. Enquanto cidade jovem, é sempre possível reinventar, subverter, inovar, sem prejuízo da consciência. O desbunde pode ser total. Os risos e os guizos pedem isso. Que venham os microblocos, os blocos de uma pessoa só, os blocos espontâneos, os blocos rapidamente perecíveis, os grandes blocos caóticos! E que todos se juntem para pisotear a cidade que ninguém imaginou. Assim seja.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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