Osvaldão, o comandante imortal da Guerrilha do Araguaia

Osvaldão, o Guerrilheiro Imortal da .

Assassinado – assassinado sim, porque estava desarmado no momento do encontro – Osvaldão não teve de esboçar reação ou dizer uma última palavra. O corpo tombou na direção de um remanso e o sangue tingiu o rio.

Por Rogério de Moura 

Eu sei que você vai dizer que nunca ouviu falar deste cara, que não foi do seu tempo ou que você não acompanhava direito esta de guerrilha do Araguaia. Mas considere apenas o seguinte: Com esta bagagem histórica aí, como é que uma pessoa ia poder ficar invisível e anônima a este ponto?

Vivemos ainda sob um governo integrado por este mesmo pessoal ligado à chamada ‘ revolucionária’. Há uma penca de ex-guerrilheiros aí, famosíssimos, popularíssimos, indenizadíssimos e o pobre do Oswaldão aí, neste quase ostracismo?

Certo. Dá pra encontrar dados sobre ele na internet como eu achei. Até um livro, objeto da resenha que republico abaixo foi feito, mas não se trata disto. Se trata de entender como – e porque – a memória de figuras gigantes de nossa história como esta,  ficam sempre na margem entre a fama e a invisibilidade.

Que parte de nossa memória se quer apagar?

Afinal, Oswaldão não foi apenas mais um guerrilheiro nas selvas do Araguaia. Oswaldão comandou um dos dois batalhões, talvez tenha sido – não se esclarece isto ainda direito – o principal comandante militar daquela guerrilha trágica.

Seria nojenta a constatação, mas será impressão minha ou até mesmo a auto intitulada valorosa esquerda revolucionária do Brasil, de algum modo pratica ou respalda – pela omissão – a invisibilidade dos negros ou ‘não brancos’ mortos pela ditadura? (…)

OSVALDÃO, O GUERRILHEIRO IMORTAL

(Extraído do blog “A Trincheira” de Bruno Ribeiro)

‘Acabei de comprar, na minha querida Livraria Pontes, a biografia de Osvaldo Orlando da Costa, escrita por Bernardo Joffily. O livro é tão bom que já estou quase terminando a . Leitura, aliás, que recomendo vivamente aos frequentadores deste botequim virtual. Osvaldão e a Saga do Araguaia (Expressão Popular, 128 páginas, R$ 12,00) narra a história de um herói esquecido, mas cujo exemplo de perdura até hoje, através de quem o conheceu e conviveu com ele. Apesar de limitado, devido à falta de informações precisas, o livro é bem interessante.
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Osvaldão foi um dos 69 guerrilheiros que tombaram na selva amazônica do Pará, lutando contra as tropas da Ditadura – no episódio que ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia (1972-1975). 

Foi o maior e mais organizado movimento de resistência contra o regime militar no Brasil. Para combatê-lo, as Forças Armadas mobilizaram um efetivo de 5 mil homens (algumas fontes falam em até 20 mil soldados!). Os guerrilheiros, porém, mais habituados à selva – estavam instalados ali desde 1967 – deram muito e impuseram duas derrotas humilhantes ao Governo, antes de serem eliminados. 

Conta Joffily que nos terreiros de Terecô (religião mestiça de índio que se assemelha à umbanda na região do ), toda entidade que baixa diz que Osvaldão é imortal e, portanto, continua vivo, nas entranhas da floresta. O povo da região dizia também que o guerrilheiro tinha o poder de se transformar em pedra, árvore a até mesmo em bicho, para afugentar ou despistar o inimigo. Estas histórias, naturalmente, eram frutos da imaginação dos moradores da área. 

Mas o próprio Osvaldão conhecia e respeitava as lendas brasileiras e foi graças à do Curupira que ele teve a ideia de inverter as solas das botinas usadas pelos guerrilheiros e, assim, confundir os soldados – que seguiam as pegadas no sentido contrário e acabavam caindo em armadilhas e emboscadas.

Osvaldo Orlando da Costa era um negro de quase dois metros de altura e 100kg. Nascido na cidade de Passa Quatro (MG), radicou-se no Rio de Janeiro, onde foi campeão de boxe pelo Botafogo e chegou a ser tenente do Exército. Engenheiro formado em Praga, na Checoslováquia, era inteligente, gostava de dançar e tinha um bom humor inconfundível. Em meados dos anos 60, sua aguçada sensibilidade social levou-o ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Quando os militares deram o golpe e passaram a perseguir e exterminar militantes de esquerda, Osvaldão foi o primeiro a se alistar nas fileiras revolucionárias e o primeiro a chegar à região do Araguaia, onde atuou como garimpeiro e mariscador, para não levantar suspeitas.

Sua disciplina e coragem levaram-no a ser comandante do Destacamento B – cargo que exerceu até o fim da guerra (terminada exatamente com seu assassinato, em janeiro de 1975). Osvaldão foi o último a guerrilheiro a cair. Faminto, sem armas e sem munição, doente e nu, foi surpreendido numa roça de milho por um grupo de soldados. Quem atirou, porém, foi um mateiro de nome Arlindo Piauí, contratado pelo Exército por ser conhecedor da área. Morto com uma bala de espingarda no coração, o gigante negro foi amarrado a um helicóptero, pelos pés, e exibido como um troféu à população pobre, que o apoiava. Depois, teve a cabeça cortada. Seus restos mortais nunca foram encontrados. Ele tinha 34 anos. 

Assassinado – assassinado sim, porque estava desarmado no momento do encontro – Osvaldão não teve tempo de esboçar reação ou dizer uma última palavra. O corpo tombou na direção de um remanso e o sangue tingiu o rio. Por conta disso, Marcos Quinan e Eudes Fraga gorjeiam que “o Araguaia é um rio que sente dor, pois desce ferido e sem memória na direção norte”. Apesar das inúmeras tentativas de apagar o nome de Osvaldão da história, ele figura ao lado de Zumbi, Solano Trindade, Patrice Lumumba, Martin Luther King e de tantos outros heróis negros que dedicaram suas vidas à uma causa coletiva.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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