“PATRÃO NÃO GOSTA DE SERINGUEIRO QUE TIRA SALDO”

“PATRÃO NÃO GOSTA DE SERINGUEIRO QUE TIRA SALDO” 

“PATRÃO NÃO GOSTA DE SERINGUEIRO QUE TIRA SALDO” 

Ouvi essa frase de um seringueiro, enquanto caminhava por uma antiga estrada de seringa, no seringal Dois irmãos, na Reserva Extrativista Chico Mendes, em Xapuri.

Por Marcos Jorge Dias 

De imediato não dei muita importância àquelas palavras porque estava mais preocupado com a fumaça das queimadas, que tomavam conta da mata. Porém, passados alguns dias, aquelas palavras voltaram à minha cabeça e ficaram rodando, que nem redemoinho que antecede temporal.

Neto de seringueiro, passei parte da infância ouvindo histórias contadas por meu avô Moisés, cearense de Sobral, que se aventurou a abrir seringais na região do alto rio Jordão, na fronteira do Brasil com o Peru.

Escondido embaixo da mesa, ou quando me deixavam ouvir as conversas dos adultos, acocorado no assoalho, no pé da parede, escutei histórias de batelões vindo de Belém e Manaus, que chegavam abarrotados de mercadorias para abastecer o barracão do seringal Sorocaba e os seringueiros que viviam nas colocações, no centro da mata.

Outras vezes, histórias horripilantes, como a do caçador que atirou em um macaco capelão. Quando o macaco caiu no chão, ainda vivo, o caçador acendeu uma vela na mão do macaco e nesse momento… o bicho falou. Nunca se soube o que o macaco disse. 

Mas o caçador correu dois dias até chegar na barraca onde morava. Os cabelos, que eram pretos, ficaram totalmente brancos de um dia pro outro. O caçador nunca mais saiu para caçar e nunca mais falou.

Martelando no meu pensamento, sobre o patrão não gostar que seringueiro tivesse saldo, lembrei de um caso que ouvi contar sobre um de nome Nonato. Natural das bandas de Camocim, divisa do Ceará com o Piauí.

Chegou brabo na região, mas era determinado e logo aprendeu a cortar. Depois que pagou a viagem (seringueiro já chegava endividado no seringal), passou a comprar no barracão só o necessário para sobreviver: fósforo, pólvora e sal. A floresta era a provedora da comida. O peixe salgado, a carne de queixada, banana e outras frutas o mantinham vivo e forte. E assim, evitava comprar no barracão. 

Depois de alguns anos, já tinha saldo suficiente para voltar pro Ceará, casar-se com Dorinha (que prometeu lhe esperar), comprar uma terra pros lados da Boqueirão e ter suas criações. Sonhos que compartilhava com alguns poucos companheiros, nas raras vezes que ia na margem entregar a borracha e buscar suprimentos.

Já tinha acertado com o patrão que na próxima entrega não voltaria mais para a colocação. Ia baixar no rumo do Ceará. Fazia planos e se imaginava chegando na sua cidade, revendo os parentes e amigos que não via há muito tempo. Estava na última volta da estrada quando escutou um barulho no mato e o estampido do tiro que lhe tirou a vida, foi a última coisa que ouviu.

Lembrando desse caso, contado pelo meu avô, entendi o que o morador da colocação República quis dizer com “Patrão não gosta de seringueiro que tira saldo”.

MARCOS JORGE DIASMarcos Jorge Dias – Jornalista e Escritor, desde as matas de Xapuri

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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