A PONTE DOS GOROTIRE E A ÁRVORE DA VIDA

A PONTE DOS GOROTIRE E A ÁRVORE DA VIDA

A ponte dos Gorotire e a árvore da vida 

Este artigo refere-se a um texto escrito dentro dos padrões do conhecimento cognitivo ético, construído basicamente pelo que se denomina “ciência ocidental”.

Por Altair Sales Barbosa

É um guia de leitura, através do qual o leitor toma o rumo de uma ponte suspensa para tentar entender ou vislumbrar o que existe do outro lado dessa ponte.

Pode ser que não exista nada, mas pode ser que outras tantas pontes possam existir e com isso conduzir o leitor para outras realidades e transformá-lo num andarilho que busca conhecer sempre mais.

Nessa constante busca, o andarilho pode ou não se deparar com duas realidades cujas interpretações e interação podem muito bem alargar sua visão e daí muitas outras pontes suspensas, trilhas ou caminhos podem se descortinar à sua frente.

Essas duas interpretações mencionadas podem ser denominadas de “êmica e ética”.

A interpretação êmica reflete categorias cognitivas compartilhadas pelos povos ditos tradicionais, moradores antigos de certos territórios e, portanto, conhecedores profundos desses ecossistemas.

A interpretação ética é a interpretação que segue regras metodológicas com propósitos analíticos. Isto não descarta da interpretação êmica a utilização de regras rígidas.

A interpretação de realidades diferentes não é uma tarefa fácil, requer como pré-requisito que situações diferenciadas possam ser compartilhadas.

A PONTE QUE LINNEU ATRAVESSOU

Com a grande diversificação da vida, representada por milhões de espécies vivas e por uma quantidade grandiosa de fósseis que representam espécies extintas, tornou-se necessária a criação de processos metodológicos que fossem capazes de dar um mínimo de organização a esses seres e de procurar estabelecer suas relações. A este processo dá-se o nome de classificação.

A classificação tem quase o poder mágico de organizar o caos exterior e colocá-lo numa espécie de caminho condutor.

Algumas comunidades humanas, de modo geral, sempre procuraram fazer esse tipo de exercício, atribuindo às plantas e animais nomes que, de uma forma ou outra, destacam alguma característica desses seres. Por exemplo: sete-dores, tipo de planta que cura vários males; sofre-do-rim-quem-quer, planta que cura males renais; cachorro-do-mato-vinagre, animal parecido com cachorro e que tem a cor vinagre, porco-do-mato queixada, e assim sucessivamente.

O problema maior dessas classificações sem critérios bem definidos é que constantemente suas denominações mudam de acordo com os lugares. No caso do porco-do-mato queixada, hoje se sabe que ele nada tem a ver com os porcos domésticos e está bem mais próximo dos hipopótamos.

Esse problema foi uma preocupação constante dos naturalistas e aparentemente quem primeiro colocou ordem na casa foi o botânico sueco Carolus Linnaeus, conhecido mais pelo nome de Linneus ou simplesmente Linneu.

Esse naturalista estabeleceu critérios rígidos de agrupamento de seres e abriu em perspectiva a criação de um sistema classificatório. Linneu, que viveu de 1707 a 1778, criou um sistema que mais tarde ficou conhecido como sistema binominal.

Linneu e seus trabalhos foram fundamentais para os pesquisadores da época. Ele partiu de um sistema hierárquico, onde categorias maiores englobam muito mais seres. Essas categorias eram divididas em categorias menores até o nível de espécies e raças.

O nome binominal se aplica porque a identificação ocorre com o gênero sempre acompanhado da espécie. Linneu utilizou o latim para nomear seu sistema classificatório, dando, dessa forma, um caráter universal ao mesmo.

Quando Linneu publicou seu primeiro livro em 1735, conhecido pelo nome de Sistema Natural, este englobava apenas algumas centenas de espécies, mas quando o livro chegou à decima edição, em 1738, já reunia mais de 4.200 espécies de animais e 7.200 espécies de plantas.

Posteriormente aos trabalhos de Linneu, o biólogo de origem alemã Ernst Hacker (1834-1919), unindo conhecimentos do próprio Linneu e de Charles Darwin, deu um avanço importante na taxonomia, criando a ideia de filogenias mais complexas, tendo como base as próprias noções de Darwin, baseadas no progresso evolutivo.

Com o desenvolvimento da genética evolutiva, era natural que as ideias propostas por Linneu fossem sendo aperfeiçoadas. Isso aconteceu após estudos minuciosos do entomologista alemão Willi Hennig, que viveu entre 1915 e 1976 e, na década de 1950, propôs outro sistema classificatório denominado “Sistemática Filogenética ou Cladística”.

A cladística trouxe novos horizontes para as classificações biológicas e, de certa forma, novas contribuições para descobertas evolutivas e relações entre os seres. Usa como elemento chave o que se denomina clado, que é definido como um grupo de organismos unidos, em algum ponto de sua história evolutiva, por um ancestral comum a todos, e inclui a espécie ancestral e todos os seus descendentes.

Um cladograma é uma hierarquia de espécies, ou de grupos maiores de organismos, baseada em sua história evolutiva e desenvolvimento. Analisa tanto as características externas preservadas no registro fóssil quanto as informações genéticas fornecidas pelos organismos vivos.

Usando sofisticadas técnicas de análise, é possível identificar as semelhanças e as diferenças entre as espécies, descobrir a sequência das divergências que deram origem a novas linhas evolutivas e até mesmo estimar há quanto tempo essas divergências ocorreram.

Pela classificação das espécies em clados enraizados uns nos outros, os biólogos reconstituem a história da vida com um detalhamento impressionante.

AS VISÕES DE OUTRAS PONTES

arv4As ditas academias deram até então pouca importância ao que muitos denominam, às vezes até sem conhecimento de causa e conceitos claros, saberes tradicionais.

Entretanto, os trabalhos pioneiros derivados da etnologia, como a etnobotânica, a etnobiologia, a etnozoologia etc, têm de certa forma contribuído para romper esta barreira e procurar caminhar no sentido de uma integração de saberes.

Este fato poderia causar uma revolução pedagógica, pois certamente iria utilizar como premissa primordial a interdisciplinaridade, o diálogo, no pleno sentido paulofreireano e a atenção para outras realidades e cosmovisões.

Altair Sales Barbosa – Arqueólogo. Excertos do livro “O Piar da Juriti Pepena – Narrativa Ecológica da Ocupação Humana no Cerrado”.  Sales, Altair [et al]. Editora PUC-Goiás, 2014.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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