Rio Melchior – Um pedaço de Cerrado ameaçado de morrer
Um pedaço de Cerrado ameaçado de morrer – A professora e ambientalista Iolanda Rocha, através deste artigo, faz importante denúncia sobre o desaparecimento “programado” do Rio Melchior, no Distrito Federal
Por Iolanda Rocha
Os 25 km irrigados pelas águas das nascentes, córregos e de um rio que interligam Taguatinga, Ceilândia, até chegarem ao rio Descoberto, estão ameaçados de não existirem mais. Enfatizo que os 25 km continuarão, o que realmente está ameaçado de sumir é o rio Melchior. Este, sim, vai desaparecendo a olhos vistos a cada ano.
Logo abaixo do córrego Taguatinga, que conecta Taguatinga a Samambaia por uma ponte, nasce o rio Melchior, também chamado de Belchior. Desde a construção de Brasília, o rio Melchior foi definido para cumprir papel semelhante ao do rio Tietê em São Paulo: receber esgotos, depois de passarem pela ETE –Estação de Tratamento da Caesb.
O rio Melchior é classificado como classe 4, o mais alto nível de contaminação permitido por um rio em percurso natural. Um rio por onde corria água limpa e boa, está agora tomado por lixo, esgoto, contaminação e veneno. Até mesmo a água das chuvas, agora passam pesadas, porque não existem mais grande parte das matas ciliares, que fazem parte da vegetação nativa do Cerrado.
Localizado na Bacia do rio Descoberto, o rio Melchior corresponde a 23% da área de drenagem do Descoberto. Como consequência do desmatamento predatório, o assoreamento do rio Belchior aumenta rapidamente. O desmatamento ocorre, inclusive, dentro da Área de Relevante Interesse Ecológico JK (ARIE JK), também ameaçada de extinção.
Dentro da ARIE JK está, dentre outros, o Parque Gatumé, onde grande parte das nascentes foram soterradas pela grilagem. Ocupações irregulares, decorrentes da falta de planejamento imobiliário, também contribuem para a morte das águas na ARIE JK. Com suas nascentes mortas, os córregos dessa área hoje correm quase secos, agora não mais alimentam o rio Melchior.
O que está acontecendo com o rio Melchior é grave, gravíssimo. Análises feitas por pesquisadores e pesquisadoras da Universidade de Brasília (UnB) comprovam um alto índice de contaminação das águas do Melchior por cobre. Autoridades locais, responsáveis pela proteção do rio contestam.
Depois de receber o esgoto da ETE, as águas do rio Melchior passam pela VC-311, DF-180 e DF-190, e daí seguem para o desague no rio Descoberto, que segue para a Barragem Corumbá IV, onde a água é tratada para abastecer as Regiões Administrativas do Gama, Santa Maria, Recanto das Emas e Riacho Fundo II.
O Aterro Sanitário de Brasília também ameaça o rio Melchior. Em um passado recente, no ano de 2019, o chorume do Aterro vazou e desembocou no Belchior. E, ainda hoje, a cada dia 2.200 m3 de chorume são jogados nas águas adoecidas do rio.
Audiências Públicas – já ocorreram três – não conseguiram, ainda, encontrar uma solução para salvar o rio Melchior. Sem um monitoramento ostensivo com o uso de tecnologias avançados, sem o controle diuturno dos movimentos e organizações da sociedade civil organizada, o rio Melchior caminha, a olhos vistos, para a morte.
O que fazer? Como ambientalistas, o que nos resta é organizar os movimentos sociais para “defender o que ainda resta, sem rodeio e sem aresta”, das águas do rio Melchior. Do contrário, como registra o professor Altair Sales Barbosa, morrerá, silencioso, mais um rio do Cerrado. É preciso, portanto, reagir, para daqui a pouco não dizer: ERA UMA VEZ UM RIO MELCHIOR.
Iolanda Rocha – Educadora e Socioambientalista.