São Paulo: O que pode ser feito para evitar nova crise da água?

Nova da água? O que pode ser feito para evitar outra seca em São Paulo

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O sistema Cantareira, maior conjunto de reservatórios da Grande São Paulo, entrou em alerta pela redução do nível de água | SABESP

Neste domingo, o sinal de alerta foi novamente aceso no sistema Cantareira, o maior conjunto de reservatórios de água de São Paulo e responsável por abastecer 7,5 milhões de pessoas todos os dias. O índice de armazenamento caiu para menos de 40% da capacidade, o pior número desde 2016.

Hoje, o reservatório tem 39,6% de sua capacidade, segundo a Sabesp (companhia paulista de ). Esse mesmo nível foi registrado em outubro de 2013, um ano antes do de São Paulo iniciar o período de sua maior crise hídrica, quando milhões de pessoas passavam parte do dia com as torneiras secas.

Com a queda do nível de armazenamento, há uma nova crise de abastecimento semelhante à de 2014 e 2015 no horizonte? O reserva novos períodos de escassez e de seco? O que os governos poderiam ter feito para diminuir o risco de falta de água? O que eles não fizeram?

Para Antonio Carlos Zuffo, engenheiro e professor do Departamento de Recursos Hídricos da Unicamp, notícias relacionadas à escassez de abastecimento de água devem ser cada vez mais comuns nas próximas décadas no . “Desde pelo menos 2008, nós entramos em um ciclo de redução de chuvas que dura de 30 a 40 anos”, diz.

Ele explica que esses períodos costumam se repetir: um ciclo de chuva em abundância ocorreu entre os anos 70 e meados de 2000; antes, houve outro de estiagem, da década de 40 à de 70.

Já Carlos Tucci, consultor e professor da Universidade Federal do , diz ser difícil prever exatamente o que acontecerá com o no futuro, mas a perspectiva é preocupante. “Há uma tendência nos últimos anos de queda do volume de chuvas”, diz à BBC News Brasil.

“Nos anos 70 e 80, tivemos um períodos de grande volume de precipitações principalmente no sudeste e centro-oeste. Nos últimos anos, isso mudou”.

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Empresa de saneamento de água de São Paulo, a Sabesp disse que investiu R$ 6 bilhões para levar água à população | SABESP

Tucci usa o próprio Cantareira para exemplificar essa queda. “Em 20 dos últimos 24 anos, choveu menos do que o esperado no Cantareira. Isso demonstra que algo está ruim”, diz.

Na terça-feira, depois de 47 dias sem chuva em volume relevante, São Paulou voltou a ter precipitações. No Cantareira, a Sabesp registrou um volume de 10,7 mm. Ainda assim, o maior conjunto de reservatórios da Grande São Paulo fechou o mês de julho com apenas 11,7 mm de chuvas – a média para o mês é de 48,7 mm.

O recorde de estiagem ocorreu em 2012, quando a cidade ficou 62 dias sem chuva, do dia 19 de julho a 18 de setembro. A segunda maior sequência foi de 52 dias, registrada de 17 de junho a 6 de setembro de 2010 e a terceira, de 50 dias, em 2017. O monitoramento é feito pelo Centro de Gerenciamentos de Emergências (CGE) desde 1995.

Segundo Zuffo, o cenário de escassez de chuvas foi pior no verão. “No período do inverno já se espera que chova pouco. Neste ano, o maior problema foi o verão seco”, diz.

De fato, em 2018, São Paulo registrou o verão menos chuvoso em 15 anos, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

Mas ainda há uma esperança para os reservatórios brasileiros nos próximos meses: existem grandes chances de o fenômeno climático El Niño ocorrer novamente, segundo previsão do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O El Niño acontece quando as águas do Pacífico equatorial ficam um pouco mais quentes, provocando mais chuva.

Como foi a crise da água em São Paulo?

No auge da crise, em 2014, o nível do sistema Cantareira caiu tanto que chegou no chamado volume morto, uma reserva técnica que fica abaixo do ponto de captação de água. Esse trecho precisa ser retirado por bombeamento.

Na época, a Sabesp passou a reduzir a pressão na tubulação da distribuição de água, o que secou torneiras de milhões de pessoas durante boa parte do dia.

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Geraldo Alckmin (PSDB), candidato à Presidência, era governador de São Paulo na época da crise hídrica, em 2015 | AFP

A empresa e o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), foram criticados pela demora em tomar ações de redução de consumo e pela falta de transparência na condução da crise. O tucano disputava a reeleição.

O Ministério Público cobrou explicações e o governo negou que a estratégia se tratasse de um “racionamento disfarçado”.

Para tentar sanar a crise, o governo paulista criou um bônus financeiro para as pessoas que diminuíssem o consumo de água e tocou uma série de obras para retirar recursos de reservatórios mais distantes e levá-la à capital, além de interligar os sistemas. Uma das construções, inaugurada com atraso apenas neste ano, liga o rio Paraíba do Sul ao Cantareira.

Outra inauguração importante foi a do sistema São Lourenço, em abril deste ano. Ele pode abastecer até 2 milhões de pessoas, segundo o governo.

Para José Carlos Mierzwa, doutor em engenharia hidráulica e sanitária pela USP, o governo acertou ao fazer obras para interligar os sistemas de abastecimento. Isso possibilita que a água do rio Grande seja transferida para o Cantareira ou para o sistema Alto Tietê, por exemplo.

“Aumentar essa flexibilidade entre os mananciais melhorou a hídrica da região metropolitana, assim como a reversão da água do sistema São Lourenço. Como ação emergencial, também foi importante o incentivo de redução de consumo por meio de bônus e multa para quem excedesse”, afirmou Mierzwa.

Por outro lado, ele afirma que o governo poderia ter feito mais campanhas de incentivo à substituição de equipamentos hidráulicos de consumo excessivo. “As duchas mais antigas instaladas em banheiros consomem 12 litros por minuto, enquanto as mais modernas gastam 8 ou até 6. Também há torneiras com restrição de vazão e vasos sanitários com descarga com volume diferenciado”, afirma.

Em nota, a Sabesp diz que investiu R$ 6 bilhões desde 2014 em “obras que garantem água para a população”.

“Aliados às ações de combate a vazamentos e à redução de consumo da população, esses investimentos permitiram poupar 25% da capacidade do Sistema Cantareira até o momento”, diz a empresa.

Para Carlos Barreira Martinez, professor da Universidade Federal de Itajubá (MG), no entanto, as obras foram boas para sanar a crise, mas insuficientes a longo prazo. “São obras que já eram previstas e foram adiantadas por causa da crise”, explica.

“Mas o Brasil tem negligenciado investimentos em diminuição de desperdício de água, que é o principal a ser feito para reduzir o risco de escassez”, diz.

O que poderia ser feito para evitar uma nova crise da água?

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Bombas precisaram ser usadas para retirar água do volume morto do sistema Cantareira em 2014 | SABESP

Cerca de 38% da água potável que passa por sistemas de distribuição no Brasil é desperdiçada em vazamentos durante o processo de produção, tratamento e distribuição, segundo estudo feito pelo Instituto Trata Brasil partir de dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis). Também entram nessa conta desvios ilegais e furtos de água.

Esse volume equivale a 7 mil piscinas olímpicas de água potável jogadas fora todos os dias. O estudo aponta que o desperdício custou cerca de R$ 10 bilhões apenas em 2016 – 92% de todo o valor investido pelo país em saneamento básico no mesmo ano.

Na região metropolitana de São Paulo, em janeiro de 2014, esse desperdício era de 31% do total, segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação. Durante a crise, o índice diminuiu para 26,8%, mas especialistas acreditam que isso ocorreu devido à diminuição da pressão, e não a melhorias no sistema. Em setembro de 2016, o desperdício voltou ao patamar anterior à crise: 31,2%.

Questionada, a Sabesp não informou qual é o percentual atual, mas disse que vem trabalhando para diminuir as perdas. “Os investimentos da companhia para o combate às perdas permitiram a economia da ordem de 6 mil litros de água por segundo”, afirma, em nota.

Especialistas apontam que o índice aceitável seria em torno de 15%, mas há sistemas em outros países que conseguem chegar a 8%.

Idade da tubulação é problema

“Há tubulações em São Paulo, por exemplo, que têm 80 anos e nunca foram trocadas”, explica Zuffo, da Unicamp. “Em uma conta básica, se o governo modernizar 2% das tubulações por ano, a cada 50 anos teremos um novo sistema.”

Para o especialista, os governos fazem uma conta financeira e outra para evitar mexer nesse problema: é mais barato jogar água no sistema e desperdiçá-la do que reformar e modernizar as tubulações. “São obras caras, recorrentes, e que não têm grande visibilidade política. Em um contexto de escassez, é essencial que você diminua essas perdas”, diz.

Já Tucci acredita que uma das soluções seria fazer contratos com empresas terceirizadas para que o sistema seja modernizado. “A Sabesp já tem alguns contratos assim, a empresa ganha mais se reduzir as perdas de água na tubulação”, explica.

Outra alternativa, segundo Zuffo, seria aperfeiçoar o reúso da água tratada no Brasil. Estudo do Instituto Trata Brasil apontou que apenas 45% do esgoto gerado no país é tratato – quase metade da população não tem acesso à coleta.

Além disso, outros mananciais de São Paulo que poderiam aliviar a oferta de água, como a Billings e a Guarapiranga, têm margens ocupadas por ocupações ilegais e parte de seu recurso também contaminado.

José Carlos Mierzwa disse que o governo previu a construção de duas estações de água de reúso como prática para aliviar os efeitos da crise, mas não conseguiu concluir nenhuma delas.

“Essas ações não foram para frente, mas eu não sei por quais motivos. Mas além disso faltou melhorar e ampliar a capacidade de saneamento e tratamento de esgoto”, avalia o especialista em recursos hídricos.

Ele disse que essas obras possibilitariam um uso maior de água de alguns mananciais poluídos, como alguns trechos do rio Tietê e da própria represa Billings, em São Paulo.

ANOTE AÍ

*Colaborou Amanda Rossi, da BBC News Brasil em São Paulo

Fonte: BBC Brasil

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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