Procura
Fechar esta caixa de pesquisa.

Segregar não é incluir

Segregar não é incluir – entidades se manifestam contra “Decreto da exclusão”
 
Via Coletivo Feminista Helen Keller
Na próxima semana, os parlamentares devem votar o requerimento de urgência n° 2549/20 ao PDL 433/20, que susta o Decreto 10.502, chamado decreto da exclusão. Caso o requerimento encontre adesão de 257 parlamentares, os trâmites seguem para votação do decreto propriamente.
Diversas entidades representativas dos movimentos das pessoas com deficiência e da rede nacional de proteção da infância tem se manifestado com veemência para reivindicar a revogação do Decreto 10.502, que retoma as escolas especiais, ou seja, a possibilidade de instituições especializadas atenderem estudantes com deficiência como alternativa à escola regular. O decreto surpreendeu, pois foi pensado sem ampla participação da sociedade, sobretudo, sem a participação das pessoas com deficiência. Ainda nesta quarta, 7/10, o Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), que não foi consultado quando da elaboração do Decreto, realizou uma reunião para discutir seus efeitos e, tendo a chance de dar seu voto pela revogação, decidiu acatá-lo. Dessa forma, o Conselho passou a mensagem ao Executivo de que pode tomar decisões sobre as pessoas com deficiência sem a sua participação, ferindo um dos princípios dos das pessoas com deficiência: nada sobre nós sem nós.
Confira os principais problemas do decreto: 10.502, que institui a Política Nacional de Educação Especial:
1. É INCONSTITUCIONAL
O decreto que, segundo o governo federal, visa dar às famílias de pessoas com deficiência o direito de escolher se querem matricular seus filhos na escola regular, na escola especial ou na escola bilingue, contraria:
– a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que, no Brasil, tem status de emenda constitucional pelo Decreto nº 6949, de 25 de agosto de 2009, e que obriga o Estado a garantir nacionalmente um sistema de educação inclusivo em todos os níveis do ensino e é expressamente proibido excluir pessoas com deficiência do sistema educacional em razão da deficiência.
– a Federal Art. 206, que estabelece que a Educação terá como princípio a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e o Art 208 que prevê que o atendimento educacional especializado será preferencialmente realizado na escola regular.
– a Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146 / 2015).
2. O Decreto determina “escolas especializadas – instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu , quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos”
Ou seja, culpa os estudantes com deficiência pelo próprio fracasso escolar, quando, sabemos, a presença desses alunos na escola aponta o problema que está no sistema de ensino, no modelo de educação que carece de investimentos e aprimoramento.
De acordo com pesquisa Data folha/Alana (2019): 9 em cada 10 brasileiros acreditam que as escolas ficam melhores ao incluir com deficiência. 76% acreditam que as crianças com deficiência aprendem mais quando estudam junto com as crianças sem deficiência.
3. O Decreto também determina que sejam disponibilizadas “classes especializadas – classes organizadas em escolas regulares inclusivas, com acessibilidade de arquitetura, equipamentos, mobiliário, pedagógico e material didático, planejados com vistas ao atendimento das especificidades do público ao qual são destinadas, e que devem ser regidas por profissionais qualificados para o cumprimento de sua finalidade”;
Dessa forma, reproduz de a lógica de confinamento e o entendimento de que as pessoas com deficiência são o desvio da norma, crença muito comum na década de 60 e que reproduz situações de desigualdade e opressão.
Ainda de acordo com o Decreto, a classificação de pessoas a partir de suas características pessoais justificaria o encaminhamento a instituições segregadoras. É justamente isso o que caracteriza discriminação, como dito pelo Art. 4º da LBI “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas”
4. O decreto também aponta a necessidade de “participação de equipe multidisciplinar no processo de decisão da família ou do educando quanto à alternativa educacional mais adequada”. Na prática, famílias já fragilizadas em sua experiência com a fragilidade de direitos de seus filhos ou com pouca se verão submetidas à autoridade de profissionais da e à influência das equipes multidisciplinares de modo a conduzi-las para as instituições especializadas, algo que já acontece hoje, mas sem respaldo da legislação e que, com o decreto, estará legalmente autorizado.
5. O Decreto garante ainda assistência técnica e financeira para os municípios que aderirem “voluntariamente” Ou seja, a disputa por recursos, investimentos e apoio para levar adiante as escolas pode conduzir a uma relação de chantagem pelo governo. Mais do que isso, o investimento na escola regular, que já era pegueno (em 2019, o governo federal aportou o menor investimento em educação dos últimos 10 anos) será ainda menor ou nulo, considerando o deslocamento de recursos para as instituições especializadas.
6. O governo alega que o Decreto visa amparar as famílias. Mas se não há investimento sistemático na educação, no fortalecimento e na consolidação da educação inclusiva, na resolução das barreiras que hoje existem, não se trata de amparo, mas de negação de direitos. É direito das crianças a educação inclusiva e as famílias devem exigir que as barreiras à entrada na escola e à aprendizagem sejam removidas. Não podemos retroceder, precisamos é fazer nosso dever de casa e implantar o que é direito.
Até hoje, a escola era obrigada a receber o aluno com deficiência, e ainda, assim, há dificuldade em sua matrícula e permanência na escola. Como isso fica com a opção de encaminhar para a escola especial?
7. Reconhece-se que o trabalho das instituições especializadas cumpriu importante papel nos atendimentos terapêuticos das pessoas com deficiência. Mas é preciso frisar que à escola cabe ensinar, não clinicar. Portanto, a defesa da educação inclusiva, da escola pública, gratuita, laica, de qualidade e para todos, precisa andar de braços dados com a defesa do SUS e do SUAS. Às instituições especializadas que sustentaram o projeto de segregação no passado, caberá reinventar seu papel, atuando como atendimento educacional especializado, no contraturno, a exemplo do Instituto Jô Clemente (antiga APAE SP).
Pela revogação do decreto 10.502, assinam esse documento as seguintes entidades:
Coletivo Feminista Helen Keller
União Brasileira de Mulheres
União de Negras e Negros pela Igualdade – UNEGRO
Coletivo Adriana Thoma
AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose
CDD – Crônicos do Dia a Dia
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
Federação Nacional dos Enfermeiros
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
Centro de Promoção da Saúde.
Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais – ABRATO
Conselho Federal Fonoaudiologia
APARU – Associação dos Paraplégicos de Uberlândia
RNPI – Rede Nacional Primeira Infância
ANDI – Comunicação e Direitos
AVANTE – Educação e Mobilização social
Centro de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI PUC-RIO)
Plan International Brasil
Instituto Viva a Infância
Instituto Brasiliana
INFAN – Instituto da Infância
MIEIB – Movimento Interforuns de Educação Infantil no Brasil
CECIP –  Centro de Criação de Imagem Popular
Movimento Down Inclusive– Inclusão e Cidadania
DESPATOLOGIZA – Movimento pela Despatologização da
CEIIAS
Zelo Consultoria
Visão Mundial
Instituto Avisa Lá– Formação Continuada de Educadores
ABEBÊ- Associação Brasileira de Estudos Sobre o Bebê
Coletivo BENES
LATESFIP- Laboratório de Teoria social, e psicanalise – USP
SEFRAS – Serviço Franciscano de Solidariedade
Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul – CRP-RS
AMSK – Associação Internacional Maylê Sara Kali
Latesfip/USP
Núcleo de Pesquisa em de Saúde Mental / NUPPSAM/ IPUB / UFRJ
Centro de Estudos Integrados Infância Adolescência e Saúde

Fonte: Mídia Ninja

[smartslider3 slider=25]

 

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

posts relacionados

REVISTA