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Serra da Piedade: Nem por minérios, nem por nada, nenhum povo deveria aceitar vender a sua alma

Mineração na Serra da Piedade: nenhum povo deveria aceitar vender a sua alma

“Levaram primeiro o Ouro e não fizemos nada;

depois, as pedras preciosas, e também não fizemos nada.

Agora, levam nosso minério e, de quebra,

nosso passado e nossa identidade.”

Por: Elisa Santana – Notícias Luzias

Fui criada entre igrejas e a sombra de montanhas. Quando era menina, entre 7, 8 anos, sentada no alpendre da minha casa, em Santa Luzia (MG), via a Serra da Piedade lá no fundo e, bem ao lado, a igreja Matriz. Não sei por que, aquela visão me fazia sentir protegida.

A igreja é fácil adivinhar. Naquela época, para mim, era lá que Deus morava. Até descobrir que Ele habitava era dentro de mim. Mas e a montanha? Ah, a montanha! Essa me protegia de algo terrível que havia do lado de lá, depois dela.

Sem saber que a terra é redonda e vasta, na minha cabeça de menina, achava que ali, logo depois da serra, acabava o mundo. E do lado de lá daquelas montanhas, monstros terríveis habitavam. A Serra me protegia deles.

Aquela montanha era venerada, porque lá morava uma santa, a mãe de Jesus, Nossa Senhora da Piedade. As minhas irmãs, adolescentes, costumavam pegar os ônibus especialmente contratados para ir até lá em cima comemorar o dia da Santa.

Era dia de agitação em casa. Elas se levantavam cedo, vestiam vestidos feitos para a ocasião e iam alegres e lindas para os festejos, no alto daquela serra, que aparecia sempre límpida contra o céu de um azul profundo.

Eu, menina e sem contar para ninguém, ficava em casa, morrendo de medo que elas caíssem no abismo do lado de lá da serra. Morria de medo que não voltassem. Era um alívio quando, já de noitinha, chegavam cansadas e felizes.

A foto 1Não deveria haver dinheiro que comprasse o que faz parte da alma de um povo. Foto: portaldmoto.com.br

Estas são lembranças de infância – minhas e, certamente, de muitos outros luzienses – que não têm preço. A serra da Piedade faz parte da paisagem, da minha história, da história da minha cidade.

Um dos nossos poetas, Francisco Tibúrcio de Oliveira, escreveu um poema intitulado “Santa Luzia”: …’Recordo-a sob o lindo céu lavado, a serra da Piedade, a igreja, e ao lado as casas de sagradas tradiçoes… “ Quantas vezes, com muito gosto, ouvi e declamei esse poema.

Pois é, isso foi há mais de cinqüenta anos. Hoje, a menina que vive em mim reclama da insensibilidade e do absurdo que estão fazendo com a Serra da Piedade, com todas as Serras de Minas Gerais.

É triste ver as nossas montanhas se desmanchando, sendo levadas em forma de minério para terras tão distantes, a preço de quase nada, deixando poucos riquíssimos e muitos pobres, não só de dinheiro, mas de História e de tradições que fazem parte da nossa cultura, da nossa identidade.

Levaram primeiro o Ouro e não fizemos nada; depois, as pedras preciosas, e também não fizemos nada. Agora, levam nosso minério e, de quebra, nosso passado e nossa identidade.

Olhem bem as montanhas. Elas são Minas. Elas são nossa ancestralidade. Estavam aqui muito antes de nós. Não deveria haver dinheiro que comprasse o que faz parte da alma de um povo. Não deveria. E nenhum povo deveria aceitar vender sua alma.

ANOTE:

Fonte: https://www.luzias.com.br/mineracao-na-serra-da-piedade-nenhum-povo-deveria-aceitar-vender-a-sua-alma

Elisa Santana é autora do livro de poesias “Os peixinhos do meu pano de prato” e, em 2016, lançou o CD Soneto 88. Até 2018, quando se aposentou, era professora de teatro da PUC-MG)

Nota da autora: no vídeo, você vai ver a preciosidade que é a Serra da Piedade:

Mineração na Serra da Piedade: nenhum povo deveria aceitar vender a sua almaVeja o que a mineração já fez na encosta da Serra. Danificou e deixou a destruição lá

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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