SISTEMA ANTI-HACKER DEFENDE SITE TAQUIPRATI 

SISTEMA ANTI-HACKER DEFENDE SITE TAQUIPRATI 

Parecia até uma Faixa de Gaza digital. No domingo (29/06), o hacker invadiu o nosso blog Taquiprati e, confiado na impunidade, começou a eliminar crônicas inocentes (nem sempre) lá postadas. 

Por José Bessa Freire

O criminoso de computador detonou uma, duas, três… e deixou suas impressões digitais, ideológicas e linguísticas escritas em inglês, como sói acontecer, revelando suas origens através de imagens. Uma delas trazia troca de beijos na boca entre Xandão e Lula. A outra, uma frase em inglês, algo assim como:

– O Matador do Labirinto ferrou teu site.  

É uma referência ao cantor e rapper inglês Timothy Lee, cujo nome artístico é Labrinth. A ilustração se refere ao álbum I want to kill somebody. Ele queria mesmo matar meu site. Só não conseguiu porque os ataques digitais foram bloqueados pelo Sistema Antihacker Ronan-Amaro, uma espécie de Domo de Ferro do Bem. Como o provedor faz back-up de todas as crônicas foi possível recuperar as que foram eliminadas.

Estou fazendo Boletim de Ocorrência na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, para que identifiquem o hacker criminoso no submundo do computador e investiguem sobretudo o mandante do crime cibernético, que sempre deixa rastro. Está tudo documentado: prints, fotografias do endereço virtual, perfil do hacker. Vou acompanhar o processo na Justiça para fazer o rastreamento e exigir a remuneração por danos morais e materiais.

Esperamos que a resposta das autoridades seja tão rápida e eficaz quanto foi com os bancos. Afinal, quando sequestraram sistemas financeiros na quarta-feira (02/07), equipes de cibersegurança, Polícia Federal e ministérios se moveram em tempo recorde. Por que seria diferente agora, com o sequestro de crônicas, ideias e liberdade de expressão? Modesto e insignificante, circunscrito a um reduzido, mas sensível grupo de leitores, o blog Taquiprati não merece o zelo institucional dispensado ao PIX fora do ar?

O backup do blog tem uma listagem com mais de 1.700 textos escritos desde 1967. Os mais antigos são poucos e ainda estão em processo de postagem. Foram publicados em diferentes órgãos de imprensa nos quais atuei: Agência de Notícias ASAPRESS, jornais O SOL, O Paiz, Correio da Manhã, o semanário Opinião do qual fui correspondente em Paris, o jornal mensal Porantim – Em defesa da Causa Indígena e até o diário francês L´Ardennais de Charleville-Mézières.

No entanto, a maior parte das crônicas foram publicadas em três jornais de Manaus: A Crítica, Diário do Amazonas, Jornal do Norte, nos quais mantive, de forma alternada, coluna semanal por mais de 40 anos. Esse espaço do blog é que foi invadido e defendido aguerridamente pelo nosso Sistema Antihacker.

Agradeço leitor@s, amig@s e parentes que se solidarizaram nas redes sociais. A carta abaixo de um sobrinho escritor, cujo texto Trocar números por palavras foi detonado do site, é representativa desse apoio. Gratidão à jornalista e escritora Dinah Ribas Pinheiro, especialista em Jornalismo Cultural. Ex-assessora da Fundação Cultural de Curitiba e da Escola do Teatro Bolshoi de Joinville, é autora do livro Teatro de Bonecos Dadá: Memória e Resistência. Ela manifestou seu apoio no Mural do Paraná.

O próximo texto da fila a ser hackeado era Cineastas Indígenas: Língua e Memória – Alberto Tupã Ra´y, o caçador de imagens. Por isso, sem saber da existência do sistema Antihacker, o Mural do Paraná decidiu publicá-lo

CARTA A UM TIO HACKEADO

SISTEMA ANTI-HACKER DEFENDE SITE TAQUIPRATI 

Tio,

Se eu fosse um pouco mais ingênuo, diria que foi coincidência. Que o taquiprati.com.br — esse espaço valente onde o senhor defende o povo manauara, os povos indígenas e denuncia os desmandos dos coronéis políticos do Amazonas — foi hackeado por puro acaso. Um erro de algoritmo, um bug do destino, um cupim digital que resolveu roer o servidor.

Mas não somos ingênuos.

Não somos – e nem podemos ser – vivendo neste Brasil surreal onde a gente acorda com Carla Zambelli correndo armada atrás de um jornalista em São Paulo, como se fosse uma Lara Croft de tornozeleira eletrônica. Onde o hacker de Araraquara, agora detido, virou um justiceiro involuntário: um Robin Hood digital que, em vez de arco e flecha, empunha senhas alheias e entrega segredos de gente graúda em Powerpoints mal formatados.

Pois bem, no meio de tanta bizarrice, aconteceu uma daquelas coincidências que nem Freud explica – mas talvez a Polícia Federal explique (um dia, quem sabe, se não for atrapalhada por um despacho de gabinete). Seu site foi misteriosamente atacado, depois de publicar uma série de artigos desconfortáveis para certos políticos do Amazonas – entre eles o seu ex-aluno Plínio Valério, mui respeitável senador, que tanto ama os microfones quanto odeia ser contrariado.

Coincidência? Talvez. Mas tu, que vens dizendo verdades que incomodam, começas a pensar se não bateu na porta certa. Se não enfiou a caneta jornalística num vespeiro de ego inflamado.

E se assim for, que bom. Porque ter o site hackeado é, no fim das contas, um sinal de que estamos incomodando com verdades. E incomodar com verdades, neste país de silêncios comprados, é uma honra. Ficamos até felizes com a dedicação dos incomodados – é sempre bom saber que alguém, do outro lado, está se dando ao trabalho de nos odiar com tanto afinco.

Aliás, vale registrar o requinte da ação. O hacker, em sua ousadia poética, achou por bem substituir a página inicial por uma imagem de Alexandre de Moraes beijando o presidente Lula. Sim, um beijo. Um gesto de carinho, de afeto – talvez até de reconciliação institucional. O que nos leva à seguinte hipótese: será que o hacker é de esquerda? Porque, se fosse de direita, certamente teria optado por algo mais… tradicional. Quem sabe uma foto do Bolsonaro fazendo arminha com a mão ou cavalgando uma motociata fantasma em direção ao Apocalipse, realizada com dinheiro público.

Mas não. O rapaz – ou moça, vai saber – preferiu espalhar amor. Nesse caso, é até difícil sentir raiva. No fundo, ele entendeu direitinho o propósito do Taquiprati: promover o debate, a liberdade, e, por que não, o carinho entre os poderes da República.

Não matem o mensageiro. Fiquemos de olho mesmo é no mandante. O ataque ao site não foi daqueles sutis. Foi coisa de gente ressentida com a liberdade de expressão – do tipo que sente coceira quando ouve falar em “direitos humanos”, “demarcação de terras” ou “transparência pública”. Gente que não gosta de ser lembrada de que servidor público serve ao povo, não ao próprio umbigo.

Mas não estamos aqui para acusar ninguém – até porque a equipe jurídica sempre lembra: sem provas, sem nomes. E é aí que entra a ironia. Porque, se fosse para fazer uma lista de suspeitos, os meus dois favoritos estariam temporariamente indisponíveis: um preso e outro foragido. Sim, Walter Delgatti, o hacker de Araraquara, e Carla Zambelli, a pistoleira acidental da democracia.

Ah, se não estivessem ocupados com suas próprias desventuras jurídicas, talvez até desconfiássemos deles. Afinal, Delgatti já mostrou que sabe invadir sistemas. E Zambelli… bom, Zambelli sabe correr atrás dos problemas que ela mesma cria.

Mas, como ambos estão, digamos, fora de circulação (um na cadeia, a outra no modo “Onde está Wally?”), sobram os nomes da planilha do absurdo. E é aí que voltamos os olhos para o Senado, onde um senador amazonense segue em sua cruzada contra tudo que se pareça com progresso, ciência ou povo indígena com voz.

Não estamos dizendo que foi este senador. Longe de nós tal leviandade. Mas também não dá para ignorar o timing: publicaste, criticaste, incomodaste… e boom, blackout digital. Coincidência? Pode ser. Mas nós, que já vimos muito boto virar homem no rio Negro, não deixamos de ficar com a pulga atrás da orelha.

Hackear o Taquiprati não é só atacar seu autor. É atacar a informação, a liberdade de expressão, o jornalismo combativo que não se ajoelha diante de político fanfarrão nem se vende por cargo em gabinete. E se pensam que, com isso, vão calá-lo, lamento informar, tio querido: se derrubarem o site, sei que o senhor volta em panfleto, megafone, grafite na parede da cidade – ou reencarnado neste sobrinho-filho displicente.

Porque a verdade não morre com vírus, nem se apaga com invasão. Ela sobrevive nas bocas, nos becos, nas aldeias e nas praças.

Então, ao senhor hacker (ou senadores ansiosos), que fique claro: cada tentativa de silenciamento é só mais um capítulo dessa crônica amazônica. E, se for pra jogar sujo, que pelo menos não subestimem a nossa teimosia – essa que eu, como sobrinho, aprendi a admirar e carregar comigo.

Com carinho e indignação, 

Geraldo Lopes de Souza Jr.

 

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p style=”text-align: justify;”>Jose Ribamar BessaJosé Bessa Freire – Indigenista. Professor Universitário. Cronista e Escritor. Conselheiro da Revista Xapuri.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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