SOBRE MORTOS E ZUMBIS
Por Letícia Bartholo
Em Canaã, há mortos boquiabertos
De terra prometida
Há mortos no Sudão
Etiópia, Gaza e Armênia
Se fosse preciso ir tão longe
Mas também ali na esquina
Há mortes, há vidas partidas.

Há mortos com a boca na terra
Há vivos morrendo por ouro
Sem saber que já morreram
Já não sentem, já não pulsam
Já não são mais que dinheiro.
Em Brasília, mortos-vivos eleitos
Gostam de terno e gravata
E de orçamento secreto
Mortos-vivos concursados
Costumam andar por perto
Sempre em busca de aumento
Cultivam o sonho rasteiro
De um dia ingressar
no mercado financeiro
Enquanto ali do lado
Onde Niemeyer não alcança
Há tormento, há favelas, fome, desesperança.
Há mortos com a boca na terra
Há vivos morrendo por ouro
Sem saber que já morreram
Já não sentem, já não pulsam
Já não são mais que dinheiro.
Em São Paulo, os mortos-vivos
Preferem roupas transadas
Em vez da gravata, colete
De marca internacional
Surfam em patinetes
Seus valores imorais
até a Bolsa de Valores.
Enquanto não muito distante
Mortos-vivos sem escolha,
Vivos mortos pelos outros
Sem modos, sem rumo, sem moda
Usam crack nas calçadas
E sonham um sonho medonho
Que neste mundo adverso
A noia é um tipo de sonho.
Há mortos com a boca na terra
Há vivos morrendo por ouro
Sem saber que já morreram
Já não sentem, já não pulsam
Já não são mais que dinheiro.

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p style=”text-align: justify;”>Letícia Bartholo – Socióloga. Escritora. Secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único, Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).