mortos - Guerra em Gaza

SOBRE MORTOS E ZUMBIS

SOBRE MORTOS E ZUMBIS  

Por Letícia Bartholo 

Em Canaã, há mortos boquiabertos

De terra prometida

Há mortos no Sudão 

Etiópia, Gaza e Armênia

Se fosse preciso ir tão longe

Mas também ali na esquina 

Há mortes, há vidas partidas.

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Palestinos formam ‘corredor humano’ em retorno ao norte da Faixa de Gaza em 27 de janeiro de 2025. — Foto: REUTERS/Mohammed Salem

Há mortos com a boca na terra

Há vivos morrendo por ouro

Sem saber que já morreram

Já não sentem, já não pulsam

Já não são mais que dinheiro.

 

Em Brasília, mortos-vivos eleitos 

Gostam de terno e gravata

E de orçamento secreto

Mortos-vivos concursados

Costumam andar por perto

Sempre em busca de aumento

Cultivam o sonho rasteiro

De um dia ingressar

no mercado financeiro

Enquanto ali do lado

Onde Niemeyer não alcança

Há tormento, há favelas, fome, desesperança.

 

Há mortos com a boca na terra

Há vivos morrendo por ouro

Sem saber que já morreram

Já não sentem, já não pulsam

Já não são mais que dinheiro.

 

Em São Paulo, os mortos-vivos

Preferem roupas transadas

Em vez da gravata, colete

De marca internacional

Surfam em patinetes

Seus valores imorais

até a Bolsa de Valores.

Enquanto não muito distante

Mortos-vivos sem escolha,

Vivos mortos pelos outros

Sem modos, sem rumo, sem moda

Usam crack nas calçadas

E sonham um sonho medonho

Que neste mundo adverso

A noia é um tipo de sonho.

 

Há mortos com a boca na terra

Há vivos morrendo por ouro

Sem saber que já morreram

Já não sentem, já não pulsam

Já não são mais que dinheiro.

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Milhares de palestinos retornam ao norte da Faixa de Gaza em 27 de janeiro de 2025. — Foto: REUTERS/Dawoud Abu Alkas TPX IMAGES OF THE DAY

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p style=”text-align: justify;”>02031a8d 1155 44f6 b5fb f2fc597058d5Letícia Bartholo – Socióloga. Escritora. Secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único, Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).  

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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