Toda a solidão do mundo
Entre a solidão no momento de deixar Paris, onde assumira em 1963 o posto diplomático de delegado do Brasil junto à UNESCO, e os planos para sua chegada ao Brasil, Vinicius de Moraes escreve a Tom Jobim sobre o estado de espírito que o deixa inquieto.
Porto do Havre [França], 7 de setembro de 1964
Tomzinho querido,
Estou aqui num quarto de hotel que dá para uma praça que dá para toda a solidão do mundo. São dez horas da noite e não se vê viv’alma. Meu navio só sai amanhã à tarde e é impossível alguém estar mais triste do que eu. E, como sempre nestas horas, escrevo para você cartas que nunca mando.
Deixei Paris para trás com a saudade de um ano de amor, e pela frente tenho o Brasil que é uma paixão permanente em minha vida de constante exilado. A coisa ruim é que hoje é 7 de setembro, a data nacional, e eu sei que em nossa embaixada há uma festa que me cairia muito bem, com o Baden mandando brasa no violão. Há pouco telefonei para lá, para cumprimentar o embaixador, e veio todo mundo ao telefone. Estão queimando um óleo firme!
Você já passou um 7 de setembro, Tomzinho, sozinho, num porto estrangeiro, numa noite sem qualquer perspectiva? É fogo, maestro!
Estou doido para ver você e Carlinhos [Lyra] e recomeçar a trabalhar. Imagine que este ano foi um ano praticamente dedicado ao Baden, pois Paris não é brincadeira. Mas agora o tremendão aconteceu mesmo! A Europa teve que curvar-se. Mas ainda assim fizemos umas musiquinhas como Formosa. Você vai ver: tudo sambão! Parece até que as saudades do Brasil, quando a gente está longe, procuram mais a forma do samba tradicional do que a Bossa Nova, não é engraçado? São, como diria o Lucio Rangel, as raízes.
Vou agora escrever para casa e pedir dois menus diferentes para a minha chegada. Para o almoço, um tutuzinho com torresmo, um lombinho de porco, bem tostadinho, uma couvinha mineira e doce de coco. Para o jantar, uma galinha ao molho pardo, com um arroz bem soltinho e papos de anjo! Mas daqueles que só a mãe da gente sabe fazer, daqueles que, se a pessoa fosse honrada mesmo, só devia comer metida num banho morno e em trevas totais. Pensando, no máximo, na mulher amada. Por aí você vê como eu estou me sentindo: nem cá, nem lá.
Fiquei muito contente com o sucesso de Garota de Ipanema nos Estados Unidos. E a Astrudinha [Gilberto], hein? Que negócio tão direito! Vamos ver se desta vez os intermediários deixam algum para nós.
Fiquei muito contente também com a notícia do sucesso de Berimbau no Brasil. Dizem que estão tocando a musiquinha pra valer. Isto me alegra muito pelo Baden. E pra que mentir? Por mim também. É bom saber que a gente não foi esquecido e que o povo continua cantando as nossas coisas, pois no fundo mesmo é para ele que a gente compõe. Lembro-me tão bem quando fizemos o samba numa madrugada, há três anos atrás, por aí. Eu disse ao Baden: “Isto tem pinta de sucesso”. E ficamos cantando e cantando o samba até o sol raiar.
Querido poeta: correspondência de Vinicius de Moraes. Organização de Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 303-304.
Fonte: Correio IMS
Salve! Pra você que chegou até aqui, nossa gratidão! Agradecemos especialmente porque sua parceria fortalece este nosso veículo de comunicação independente, dedicado a garantir um espaço de Resistência pra quem não tem vez nem voz neste nosso injusto mundo de diferenças e desigualdades. Você pode apoiar nosso trabalho comprando um produto na nossa Loja Xapuri ou fazendo uma doação de qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Contamos com você! P.S. Segue nosso WhatsApp: 61 9 99611193, caso você queira falar conosco a qualquer hora, a qualquer dia. GRATIDÃO!
Revista Xapuri
Mais do que uma Revista, um espaço de Resistência. Há seis anos, faça chuva ou faça sol, esperneando daqui, esperneando dacolá, todo santo mês nossa Revista Xapuri leva informação e esperança para milhares de pessoas no Brasil inteiro. Agora, nesses tempos bicudos de pandemia, precisamos contar com você que nos lê, para seguir imprimindo a Revista Xapuri. VOCÊ PODE NOS AJUDAR COM UMA ASSINATURA?