VARADOURO 15 E O PARTIDO DE MASSA

VARADOURO 15 E O PARTIDO DE MASSA

A edição 15 do Varadouro circulou em junho de 1979, num começo de verão (estiagem) acreano muito tenso. A corda estava esticada entre os seringueiros, organizados e sindicalizados pela Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), e os pecuaristas chegados do Sul que ameaçavam a floresta e seus habitantes tradicionais

Por Elson Martins  

VARADOURO 15 E O PARTIDO DE MASSA
Foto: PT Nacional

Naquele ano, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Wilson Pinheiro, anunciaria, após o mutirão contra a jagunçada realizado em setembro pelos oito sindicatos dos trabalhadores, em Boca do Acre, que não iria mais permitir derrubadas no estado. 

A declaração foi como uma sentença de morte: em julho de 1980, ele foi assassinado na sede do sindicato por dois pistoleiros que agiram a mando dos fazendeiros.

A capa do Varadouro, que mostrava um jovem em traje de caçada com espingarda em punho e outros paramentos, expressava a confiança dos seringueiros em sua organização sindical. A foto foi oferecida pela fotógrafa carioca Lena Trindade, que visitou o Acre registrando a luta dos trabalhadores acreanos naqueles tempos difíceis.

De certa forma, a foto dialogava também com a manchete principal: “Vem aí o partido de massa. Quem se habilita”?

Mas ainda não se falava na criação do PT (Partido dos Trabalhadores). O partido de massa poderia ser o velho PTB de Getúlio Vargas, ou o MDB de Ulysses Guimarães, ou ainda o PS (Partido Socialista), seguindo uma Frente Popular organizada às pressas para as eleições de 1978, e que não conseguira avançar sob a liderança do cruzeirense Aluízio Bezerra, de práticas políticas questionáveis.

O modelo partidário (de massa) tinha sido desenhado pelo ex-ministro do Trabalho Almino Afonso com os seguintes pressupostos:

1) Deve ser um partido popular, mas não um estrito partido de classe, um partido operário. O partido representará os assalariados, incluindo a classe operária, os empregados do comércio e serviços, os camponeses e a classe média profissionalizada (advogados, engenheiros, arquitetos, jornalistas), cujas relações de trabalho são crescentemente assalariadas;

2) Deve ser um partido comprometido com um projeto nacional, com ampliação do mercado interno e distribuição de renda; modificação do perfil da produção ou o modelo para adequá-lo às necessidades internas e não à exportação; e multiplicação de empregos;

3) Deve ter a democratização como um dado permanente de sua plataforma política e não como uma postura meramente tática” …

Bom, o partido de massa acabou sendo mesmo o Partido dos Trabalhadores (PT), criado em 1980 e que ignorou solenemente a efêmera Frente Popular de 1978, orientada por Aluizio Bezerra e outros caciques da esquerda peemedebista. 

Estes, não souberam aproveitar a chance de desenvolver o Acre no governo de Nabor Júnior (19821986), que preferiu “apelegar” fortes lideranças forjadas na luta contra os fazendeiros, excluindo-as do processo político.

Varadouro 15 deu destaque também para a entrevista com o médico e professor amazonense Marcus Barros, que colocou a mão na ferida desnudando a medicina mercantilista que predominava (e por certo predomina, ainda) na Amazônia. A entrevista feita há 40 anos, em muitos pontos, sustenta hoje a incrível atualidade.

E a exemplo do que acontecia em outros estados, os acreanos se manifestaram contra a entrega da Amazônia às multinacionais. O jornal publicou trechos da Carta Aberta em Defesa do Acre e da Amazônia lançada pelo Movimento em Defesa do Meio Ambiente do Acre.

Finalmente, a seção de Cartas (na segunda página) sempre apresentou novidades no Varadouro. Nesta edição, abre com a mensagem de Vladimir Pomar, cujo endereço postal era de um presídio de São Paulo. Nascido em Belém em 1936, Vladimir tinha na época 43 anos e era considerado inimigo da ditadura militar que governava o país.

Militante desde 1949, ajudou a fundar o PCdoB em 1962. Preso no regime militar, atuou, clandestinamente, durante a década de 1970, até a extinção do AI-5 em 1978 por Ernesto Geisel. Colocado em liberdade, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (1980) e integrou a executiva nacional do PT (1984-1990). É autor de diversos livros e estudos sobre a China, a história do Brasil e da esquerda brasileira, entre eles o caso de Araguaia.

Publicar sua carta naqueles tempos não deixava de ser uma provocação ao regime militar. Mas o Varadouro corria o risco, consciente e corajosamente.

Elson Martins conselho editorialElson Martins – Jornalista e escritor acreano, nascido no Seringal Nova Olinda, em Sena Madureira, foi o criador do Varadouro na década de 1970 e é conselheiro da Revista Xapuri. Também foi correspondente de O Estado de São Paulo para a Amazônia. Teve passagens pelas imprensas do Acre, do Amapá e do Pará. Agora, volta a escrever nas páginas digitais do novo-velho Varadouro (https://ovaradouro.com.br/). 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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