O CERRADO COMO BIOSSISTEMA GEOGRÁFICO

O CERRADO COMO BIOSSISTEMA GEOGRÁFICO

O CERRADO COMO BIOSSISTEMA GEOGRÁFICO

A região dos cerrados não pode ser entendida como uma unidade zoogeográfica particularizada, porque não apresenta essa característica, tampouco pode ser considerada uma unidade fitogeográfica, por não se tratar de uma área uniforme em termos de paisagem vegetal

Por Altair Sales Barbosa 

O mais correto é correlacionar os diversos fatores que compõem sua biocenose e defini-la como um Sistema Biogeográfico. Um sistema que abrange áreas planálticas, o Planalto Central Brasileiro, com altitude média de 650 metros, clima tropical subúmido de duas estações, solos variados e um quadro florístico e faunístico extremamente diversificado e interdependente. 

A fauna variada dos cerrados, que transita noutros domínios morfoclimáticos e fitogeográficos, por exemplo a Caatinga, tem sua maior concentração registrada nesse Sistema Biogeográfico, em virtude das possibilidades alimentares durante todo o ciclo anual.

Cerrado Ecoregion Relief Map Flat scaled

Há um estrato gramíneo que sustenta uma fauna de herbívoros durante boa parte do ano, enquanto não está seco. A seguir, aparecem as flores que, durante uma determinada época, substituem como alimento as gramíneas. O final das floradas coincide com o início da estação chuvosa, que faz rebrotar os pastos secos e a maturação de várias espécies frutíferas. 

Acompanhando os herbívoros e atrás, também, de recursos vegetais, animais com outros hábitos formam uma complexa cadeia. Em termos vegetais, esse sistema é complexo e nunca pode ser entendido como uma unidade, pois há o predomínio do Cerrado stricto sensu como paisagem vegetal, mas há também seus variados matizes, como campo e cerradão, além de formações florestadas, como matas e matas ciliares, e ainda são comuns as veredas e os ambientes alagadiços.

As áreas florestadas são constituídas pelas matas ciliares que ocorrem nas cabeceiras dos pequenos córregos e rios, em suas margens, e que também se espalham nas áreas mais extensas, acompanhando as manchas de solo de boa fertilidade natural. Por exemplo, as matas do rio Claro e outras vertentes do Paranaíba e o outrora chamado “Mato Grosso de Goiás”. 

As veredas e os ambientes alagadiços são mais abundantes, a partir do centro da área nuclear (sudoeste de Goiás), em direção Norte e Leste para o Sul e, à medida que se aproxima do Pantanal mato-grossense, as veredas tendem a desaparecer, ficando apenas os ambientes alagadiços com contornos diferenciados.

Nessa perspectiva, o Sistema Biogeográfico do Cerrado pode ser subdividido em subsistemas específicos, caracterizados pela fisionomia e composição vegetal e animal, além de outros fatores, que apresentam a seguinte organização: Subsistema dos Campos, Subsistema do Cerrado Stricto Sensu, Subsistema do Cerradão, Subsistema das Matas, Subsistema das Matas Ciliares e Subsistema das Veredas e Ambientes Alagadiços.

Essa diversidade de ambiente é um fator muito importante para a diversificação faunística, permitindo a ocorrência de animais adaptados a ambientes secos e, também, a ambientes úmidos. Da mesma forma, propicia tanto a ocorrência de formas adaptadas a áreas ensolaradas e abertas, como favorece a ocorrência de formas ombrófilas. Esses fatores atribuem ao Sistema Biogeográfico um caráter singular, distinguindo-o pela diversidade de formas vegetais e animais.

Estudos de paleoecologia demonstram que os limites modernos do Sistema Biogeográfico do Cerrado não coincidem com os limites que deveria ostentar durante o Pleistoceno Superior e o Holoceno Inicial. Esses extrapolavam muito os limites da área core ou área nuclear que hoje ocupa os chapadões centrais do Brasil, prolongando-se na forma de “línguas” e enclaves por grande parte da Amazônia sul-americana, alcançando áreas localizadas até mesmo ao norte do rio Amazonas. 

Os mesmos estudos demonstram que, a par das regressões que esse Sistema sofreu em direção ao centro do Brasil, simultaneamente à expansão da floresta úmida, foi, apesar disso, o Sistema sul-americano menos afetado pelas oscilações climáticas do Pleistoceno Superior. 

Da mesma forma, no que diz respeito às modificações na biomassa animal, foi um dos sistemas sul-americanos menos afetado. Vale dizer que a fauna que o caracteriza modernamente representa, quando comparada com outros domínios continentais, quase 50% da biomassa animal que o caracterizava durante o Pleistoceno Superior e fases iniciais do Holoceno. 

Esse fato, apesar das proporções, é significativo quando comparado com a extinção animal que afetou outras regiões do continente durante o Pleistoceno Superior e fases do Holoceno que, em alguns casos, atinge a proporção de 98%.

altair salesAltair Sales Barbosa – Doutor em Antropologia / Arqueologia. Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Goiás. Pesquisador Convidado da UniEvangélica de Anápolis. Conselheiro da Revista Xapuri. Excerto de Cerrado – a constelação do meio-dia. Editora América Ltda, 2022. Fotos: Wikipédia/Divulgação.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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