Mulheres Indígenas no Acre: Resistência e Empoderamento

Mulheres Indígenas no Acre: e Empoderamento – A resistência indígena se expande com o empoderamento da energia feminina indígena!

Por Dedê Maia 

Esse encontro tão especial traz a relembração histórica do movimento dessa Força Feminina Indígena que tive o privilégio de conhecer, e acompanhar de perto, desde seu protagonismo no cotidiano de suas aldeias, carregando seus paneiros pesados de macaxeira e banana, fazendo , batendo algodão, tecendo suas redes… Nossa! É muita força e energia em ação!

Traz ainda relembrações das primeiras reuniões dentro das aldeias, década de 80, quando as mulheres, restringiam-se em participar e ouvir, sentadinhas a certa distância, na roda, onde só os txais tinham voz, e decidiam sobre os assuntos em discussão. Educação, saúde, alternativas econômicas, eram os assuntos que faziam parte de todas as pautas das reuniões. E alternativas econômicas eram preocupações que se destacavam, pois, muitos desses povos, e comunidades indígenas, dependiam até então do trabalho da extração da seringa.

Com a queda do valor da borracha no mercado, ficaram sem saber o que fazer para oferecer como moeda de troca. E a mulherada sentadinha no seu canto, escutando tudo…!!! Pensando, talvez, como colocar também sua força, sua energia, seus saberes à disposição da luta dos parentes, dos seus parceiros, por uma mais digna. Concretamente pensando como ajudar a comprar o sal, o combustível, a munição para as caçadas, sabão, etc. Coisas que já faziam parte de suas necessidades básicas.

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Como indigenista, e em missão de trabalho, transitava, tanto entre os espaços das mulheres, como dos homens. Mas, era no território dos homens (espaços de reuniões, por exemplo), onde eu participava ativamente, como profissional, assessorando-os no que fosse necessário, e me dirigindo mais especificamente aos txais, respeitando a forma como me apresentavam as suas relações sociais, com papeis e territórios das mulheres e dos homens definido sem conflitos, aparentemente.

Geralmente as reuniões aconteciam na casa da liderança, na parte da frente da casa, espaço aberto, sem paredes. Esse espaço da casa era também onde o chefe da família fazia suas refeições servidas pelas mulheres, e recebiam seus parentes do sexo masculino.

Contudo, era nos territórios da mulherada: cozinha, roçado, terreiros, espaços de seus fazeres artísticos culturais, especialmente entre as mulheres Huni Kui, com quem estabeleci maiores vínculos, não só de trabalho, mas também de amizade e de cumplicidade, que percebia em nossas conversas mais íntimas, que as mulheres tinham muito que falar, pois, quando estávamos a sós, elas soltavam o verbo, mesmo com toda a dificuldade da língua portuguesa, e que a maioria não dominava. E eu ainda uma aprendiz das línguas indígenas. Entre os muitos assuntos que conversávamos, expressavam também a preocupação com a situação econômica de suas famílias.

Diziam-me elas, que entendiam a necessidade de ajudarem seus maridos. Aldenira Sereno Huni Kui, esposa do Sheneybu Getúlio Sales Huni Kui, foi uma das mulheres que puxou esse assunto em uma de nossas inúmeras conversas: “No da seringa meu marido comprava tudo que a gente precisava com a borracha… Agora não tem mais borracha… posso ajudar com meu artesanato… com o meu trabalho né?” (Aldenira Sereno Huni Kui)

No entanto, havia uma barreira cultural muito forte, que elas, e eu, precisávamos transpor. Eu com muita cautela, pois não tinha nenhuma intenção de levantar bandeira “feminista” dentro das aldeias, sem que isso partisse de suas próprias necessidades. Na verdade estava ali muito mais para aprender, entender, para poder ajudar. E abordar essa questão durante as reuniões, onde os txais eram os que tinham voz e poder de decisão, foi um desafio também para mim.

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No entanto, as dificuldades econômicas eram reais, e incentivar a produção artesanal, incluindo as mulheres, poderia ser uma saída para a complementação da renda familiar das famílias.

E assim a força da energia feminina indígena começou a atuar também nos espaços de discussões da política interna de suas aldeias.

Muitas cooperativas incorporaram a valorização e o comercio do artesanato feito pelas mulheres. Algumas ainda dão continuidade até os dias de hoje. Outros projetos, direcionados  a produção artesanal, e envolvendo especificamente as mulheres, também foram desenvolvidos por organizações de apoio, e ou pelas próprias organizações indígenas.

No entanto, a voz da mulher indígena no Acre, começou a ecoar além de suas aldeias, em outros contextos, na década de 90.

Lembro da semente da força feminina indígena semeada, nesse sentido, por um grupo de mulheres da UNI-AC – União das Nações Indígenas do Acre, liderado por Letícia Yawanawá, Joana Manchineri, Socorro Apurinã, e nossa saudosa Ivanilde Shanenawa.

Nesse tempo essas mulheres participavam das grandes assembléias indígenas, tinham voz, mas não votavam. Embora tratando de assuntos de interesse de toda a comunidade, os homens é quem tinham voz nos fóruns de debates e negociações com os nawás (brancos).

Mas, as mulheres queriam ir além do trabalho de complementação de renda familiar. Elas queriam também participar das discussões políticas, principalmente de assuntos que diziam respeito às mulheres especificamente, como a saúde da mulher indígena, por exemplo.

Durante esse Encontro de Mulheres Indígenas no Acre, do qual falarei mais adiante, conversando com minha amiga Letícia, ela lembrou que somente a partir de 94, esse grupo de mulheres conseguiu votar durante as Assembléias Indígenas, organizadas pela UNI-Ac.

Disse-me ela:

“Os caciques tinham medo… O finado Pancho, liderança do Purus, era um deles. Ele dizia que a gente não podia fazer nossa organização por que se não a gente ia passar na frente deles… Ia querer mandar… Mas aos poucos foram entendendo que nós mulheres, a gente não queria ocupar o lugar deles… A gente quer lutar junto!”.

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E foi com muita luta dessas guerreiras que foi criado em 98, o GMI – Grupo de Mulheres Indígenas da UNI-Ac, com trabalho mais voltado à comercialização do artesanato indígena. E a partir de 2004, criaram a SITOAKORE, Organização das Mulheres Indígenas do Acre, com autonomia, e um trabalho voltado, não só para a produção do artesanato, mas também para as questões voltadas a saúde da mulher indígena, valorização das parteiras, etc.

Acompanhando o movimento dessa energia feminina indígena, participei de alguns encontros, mas, posso afirmar, que nunca vivida à experiência que tive entre os dias 29 a 31 de agosto de 2017, durante o Encontro de Mulheres Indígenas no Acre!

Encontro pensado e produzido pelas organizações indígenas, OPIAC – Organização dos professores Indígenas do Acre, AMAAIAC – Associação do Movimento de Agentes Agroflorestais Indígenas no Acre, e CPI-Ac – Comissão Pró Índio do Acre, em parceria com a Rede de Cooperação Amazônica e o governo do Estado, nos trousse a força da resistência indígena feminina que ecoa esperança.

O Encontro foi realizado no espaço do Centro de Formação dos Povos da Floresta da CPI-Ac, reunindo aproximadamente 100 mulheres, representantes dos Povos: Huni kui, Katukina, Yawanawá Nukini, Naua, Shawãdawa, Shanenawa, Manchineri, Arara, Yaminawa e Puyanawa (Acre); Wayãpi, Yanomãmi (Amapá); Tariano e Mayoruna (Amazonas) ; Kaiabi (Mato Grosso), Waiana Apalai, Kaxuyana Tiriyó (Pará); (Roraima); além dos povos Yine, Kichwa Runa, Harakmbut, Esse eja e Shipibo da Região de Madre de Dios (Peru).

Um encontro, já citado anteriormente, muito especial. Especial por algumas razões, que considero relevantes. Primeiro pelo local onde foi realizado o encontro. Era como estivéssemos numa grande aldeia, que acolhia a todos nós participantes, num grande abraço, através de uma equipe “cpiana”, atenciosa, coordenada pelas anfitriãs do encontro: Malu Ochoa, representando a CPI-Ac, e Francisca Shawãdawa, como Coordenadora da OPIAC e assessora da AMAAIAC.

Segundo, pela presença de algumas mulheres, que ha trinta anos atrás, eram as mulheres que participavam caladas, e sentadas a certa distância, durante reuniões de trabalho dentro de suas aldeias. Vê-las hoje, através desse encontro prazeroso e cheio da energia da força feminina indígena, trocando suas experiências entre as parentas, com relação a sua participação na gestão ambiental e territorial, e suas atividades com relação à segurança alimentar entre seus familiares, deixou-me bastante emocionada. Ozélia Sales, filha do nosso saudoso Shaneybu Sueiro Sales Huni Kui, foi uma delas.

Os relatos, documentados pela minha amiga, a diretora de cinema, Mari Correia, da Produtora Caititu, e pela cineasta Kujaesage Kaiabi, do Povo Kawaiweté, são retratos da luta dessas guerreiras, que juntas com seus parceiros, maridos, reconstroem impactos ambientais e culturais, que sofrem no seu cotidiano.

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E um dos maiores impactos apontados, quase que por unanimidade, são as mudanças climáticas, causadas sobre tudo pelo desmatamento. Para a representante do povo Wapixana, Sineia Bezerra do Vale “… essas mudanças afetam diretamente, os povos que moram na floresta, porque vivemos diretamente com a floresta, e essas mudanças trazem muitos prejuízos para as nossas plantações. Em Roraima já sentimos essas mudanças, afetando a nossa comunidade, os nossos roçados de milho com pragas que não conseguimos controlar… Secas e chuvas fortes também estão afetando a segurança alimentar de nossas aldeias. A gente começou a fazer um estudo, de como o conhecimento tradicional pode ajudar, a tornar as sementes resistentes às mudanças.”

Para Francisca Shawãdawa, além das mudanças climáticas, a entrada de produtos industrializados nas aldeias contribui para o impacto alimentar, e doenças cada vez mais desconhecidas dos doutores da floresta. “…os povos tinham muitas espécies de amendoins, banana, batata, mandioca, hoje sofremos impactos nessa segurança alimentar, por causa das comidas industrializadas que chegam nas aldeias. E com as comidas também as doenças que nossos pajés desconhecem. E a base da segurança nossa na alimentação, é a carne e o peixe. Antes a gente andava muito dentro de nossos territórios e hoje mudou com a terra demarcada, sofremos a pressão do entorno. As mulheres indígenas, junto com seus familiares, seus maridos, devem ter suas estratégias para cuidar e alimentar nossos filhos”.

Interessante perceber também que em quase todas as falas das mulheres, nos relatos de suas histórias de luta, a parceria com seus maridos, com suas lideranças, estava sempre presente.

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Edna Shanenawa ao se apresentar, levou em sua companhia sua prima Edleuda Shanenawa, e uma liderança Shanenawa, Eldo Carlos Shanenawa, para cantar junto com ela um canto de abertura da sua fala. Questionada por um nawá que participava da reunião, “o porque de um homem em sua companhia durante um encontro de mulheres”, ela sabiamente respondeu: “Nós Shanenawa trabalhamos assim… Na luta dos homens nós damos força…Na luta das mulheres eles nos dão força…Trabalhamos juntos para a melhoria do nosso povo: homens e mulheres.”

Foi bonito de ver também o movimento das parentas, andando pelos caminhos do Centro de Formação dos Povos da Floresta, a maioria ostentando seus enfeites, suas pinturas e roupas tradicionais, trocando idéias, trocando seus artesanatos, suas sementes, suas comidas tradicionais, seus cantos, suas danças, seus saberes.

Como resultado do encontro, um grupo de mulheres ficou responsável pela elaboração de um documento com as decisões estabelecidas em conjunto, durante as plenárias, com base nas trocas de suas experiências. O documento norteará políticas públicas que atendam as necessidades reais dos , que sabiamente essas guerreiras da floresta apontam, e que será publicado brevemente pelos organizadores do evento.

Para mim, além de encontros e reencontros prazerosos, o Encontro de Mulheres Indígenas no Acre foi acima de tudo, momentos de muito aprendizado!

A resistência indígena se expande com o empoderamento da energia feminina indígena!

Vivendo momentos tão difíceis no cenário político desse país, chamado … Sob um governo golpista, contrário aos Povos Indígenas, genocida… Esse encontro me encheu de alegria e esperança.

dede-fotFoto: Acervo Jairo Lima

Dedê Maia é indigenista acreana. Sua trajetória de vida mescla-se com a história do indigenismo acreano. Junto com grandes indigenistas como os Txais Terri e Antonio Macêdo ajudou a construir o que hoje chamamos “a história do Acre Indígena” . Mesmo desenvolvendo vários projetos diferentes em sua trajetória, sempre se destacou como incentivadora e apoiadora do processo de fortalecimento da cultura tradicional em sua expressão artística e material, sendo autora, coautora ou participante de um-sem número de projetos voltados à esta frente indigenista.

* Todas as imagens foram cedidas pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC), para uso exclusivo no da Dedê Maia. Texto e imagens nos foram repassados por nosso parceiro Jairo Lima, do blog Crônicas Indigenistas.

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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