Marias 4

Marias 4

Marias 4

Maria B não conseguiu reagir diante da notícia dada por sua funcionária, apenas lhe disse para se afastar porque necessitava de um espaço, não tinha forças para lidar com aquela naquele momento, era como se estivesse anestesiada, a vista ficou turva, a mente vagueava, nada lhe fazia sentido, os sons se tornaram distantes, não conseguia sequer sentir dor, apenas lhe veio um sono incontrolável e ela se deitou…

Por Giselle Mathias

As horas se passaram, seu marido chegou, mas ela se calou, não conseguia levantar da cama e não estava disposta a ouvir a voz dele, não pensava em nada; seu olhar estava perdido, sem brilho, havia uma opacidade em seus , como se sua alma não estivesse mais dentro de seu corpo, era naquele momento uma carcaça, assim ela se sentira diante dos rumos que sua tomava, sem que ela tivesse escolhido ou decidido sobre os acontecimentos, havia sido condenada a sua revelia.

Seu marido a deixou quieta, achou melhor não a importunar, também estava sofrido com a perda, mas não queria demonstrar, acreditava que precisava se mostrar forte e inabalável, se considerava o esteio dela e por isso apenas a beijou, fechou a porta do quarto e sentou-se no sofá da sala para ver televisão. Enquanto estava lá entorpecido nas imagens da telinha, sem que nada se fixasse em sua mente, a funcionária se aproximou e revelou a ele a gravidez indesejada e lhe disse que já havia contado a Maria B sobre a situação que envolvia a todos.

Ele ficou irado! Não se conteve, segurou com força nos braços da sua funcionária, a sacudiu com violência e gritava a xingando descontroladamente, somente se afastou dela quando Maria B adentrou na sala, calmamente, ereta, com toda a sua altivez e e ordenou ao marido que soltasse a funcionária, não queria nenhum tipo de escândalo em sua casa, muito menos que os vizinhos ouvissem os gritos e viessem a comentar sobre ela. Virou de costas e enquanto se dirigia ao quarto, pediu a funcionária que fosse dormir, pois iriam ter uma conversa no próximo dia.

Ninguém conseguiu dormir aquela noite, os pensamentos e angústias rondavam a cabeça daquelas três pessoas que se encontravam agora com seus destinos entrelaçados, e sem uma solução aparente. O marido de Maria B estava assustado, nunca vira a esposa daquela forma, conhecia todo o seu autocontrole, a elegância e descrição que fazem parte de sua personalidade, mas jamais a vira tão fria, tão distante e sem expressar nenhuma emoção. Ele sentia medo! Não queria o fim daquela relação, gostava da rotina que a vida de casado lhe proporcionava, a estabilidade e tranquilidade em ter alguém sempre lhe aguardando e ignorando seus pequenos deslizes quando se aconchegava em outras camas. Ele dizia que a amava, suas escapadelas faziam parte do seu ser masculino e, além de se vangloriar pelos números e variedade, também se exaltava por ter uma esposa que nada percebia ou que ao menos se silenciava e aceitava sua condição de fêmea.

No dia seguinte Maria B chama a funcionária para uma conversa, o marido se aproxima acreditando que participaria, mas ela levemente estende seu braço, encosta sua mão aberta no peito dele e pede que não entre no escritório, a conversa entre os dois seria mais tarde, precisava primeiro falar com a funcionária.

As duas entram no escritório, Maria B senta-se em uma poltrona próxima a janela e pede que sua funcionária se acomode no sofá; no princípio fez-se um silêncio quase sepulcral, o qual foi rompido pela pergunta proferida por Maria B.

– Por que você se envolveu com meu marido?

Ela disse que tinha vergonha, mas o assédio era intenso e ficara com medo de perder o seu emprego, pois a insistência, as falas e ameaças veladas a deixavam insegura, por isso cedera a ele, pois a sua sobrevivência dependia daquele pequeno salário recebido mensalmente.

Maria B fecha os olhos, respira fundo e lhe questiona sobre a sua intenção em relação a gravidez indesejada. A funcionária aos prantos diz não querer ter aquele filho, não poderia sustentá-lo e já era solteira de dois outros filhos. Ela estava apavorada, sabia que perderia seu e não tinha como interromper aquela gravidez, a não ser que Maria B a ajudasse, por isso havia contado a ela, com a esperança de que exigisse e pagasse por um aborto.

A frieza nos olhos de Maria B não permitia a funcionária entender o que se passava dentro dela, se tornara uma incógnita, distante, impassível, aparentemente insensível como se estivesse totalmente vazia, preferia que ela demonstrasse algo, mesmo que fosse ódio, mas essa indiferença a torturava e essa sensação perduraria por mais tempo. Maria B pede que ela deixe o escritório, pois agora conversaria com seu marido.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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