Elegia para Moïse

Elegia para Moïse

era Moïse, mas poderia ser Antônio, Francisco ou José

Por Carlos Carvalho/Brasil247

Em busca de melhores condições de , Moïse Mugenyi Kabagambe deixou o Congo e veio para o . Não sabia ele, infelizmente, que por aqui as pessoas pretas são mortas dia e noite sem que nada aconteça aos assassinos, não importando se a vítima é uma vereadora, uma , um trabalhador braçal ou um consumidor em um supermercado. Abandonai todas as esperanças, o Brasil é aqui!

No país que não é racista, mas “abençoado por Deus e bonito por natureza”, crianças negras “caem” de prédios, homens e , todos pretos, são cotidianamente humilhados, torturados e mortos. A escravização de seres humanos, que dilacerou este país por mais de três séculos continua a avançar tal qual uma metástase no enfraquecido de uma terminal.

Moïse Kabagambe foi trucidado a pauladas ao cobrar um pagamento de duzentos reais. Os bárbaros que tiraram a vida do jovem congolês sabem que contam com um apoio que nós, meros mortais, não sabemos bem qual seja. Eles, no entanto, o sabem muito bem, pois são partes de uma engrenagem corrupta e criminosa que avilta o democrático de Direito sem que a eles sejam imputadas as mais leves sanções. 

www.brasil247.com - Moise Mugenyi Kabagambe
Moise Mugenyi Kabagambe (Foto: Reprodução)
Moïse Mugenyi tinha apenas vinte e quatro anos, era um imigrante que veio ao Brasil para escapar da miséria e dos conflitos bélicos do seu país. Moïse poderia ser meu irmão, meu filho. Moïse poderia ser eu mesmo. Moïse poderia ser você. O “caso Moïse” nos faz relembrar uma apresentadora de telejornal que, certa feita, defendeu o direito da população de se defender, quando criminosos surraram e amarraram um rapaz negro a um poste.
O que também remonta à “escolha difícil” continuamente disseminada aos quatro ventos pelos editoriais irresponsáveis e artigos criminosos (alguns os chamam de “plurais”) publicados diariamente na mídia corporativa. As digitais de todos aqueles que deram seu “joinha positivo” para mergulhar o Brasil no caos em que está, estão nos pedaços de madeira e no taco de beisebol usados para matar Moïse Mugenyi Kabagambe. 

O Brasil, que esperneou quando queimaram uns dois pneus aos pés da estátua do assassino Borba Gato, não parou pela morte de Moïse Mugenyi Kabagambe, assim como nunca parou por nenhuma morte do povo preto, a carne mais barata do mercado. O quiosque continua de pé, protegido. Muito em breve, o Tropicália, provavelmente com outro nome, voltará a atender seus clientes que, não duvido, farão selfies no local do assassinato.
 
À imprensa, a de Moïse disse: “mataram meu filho aqui como matam em meu país”. Não há nada que possa ser dito a uma mãe numa situação assim. O que ela sente é uma dor que não tem nome. O Brasil está sendo consumido pelo ódio, pela , intolerância, dor e tristeza. Nada de bom parece restar. Ser negro no Brasil é saber que a próxima vítima poderá ser você, pois aqui nos matam como sempre fizeram, com históricos requintes de crueldade. O genocídio do povo preto continua. Até quando?

Este artigo é de responsabilidade do colunista. Capa: Reprodução Internet.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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