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Bruno denunciou ataques a tiros

Bruno denunciou ataques a tiros

Bruno denunciou ataques a tiros contra agentes da Funai após exoneração

Por Herculano Barreto Filho/via UOL

Mesmo após ser exonerado pela Funai (Fundação Nacional do Índio) do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato, Bruno Araújo Pereira assinou ofício com outros dez servidores encaminhado à DPU (Defensoria Pública da União) para denunciar oito ataques a tiros no Vale do Javari (AM) e um assassinato em pouco mais de um ano.

É a mesma região onde o indigenista e o jornalista Dom Phillips, do The Guardian, desapareceram no dia 5.

Documento obtido pelo UOL apontou “sucessivos ataques com armas de fogo” concentrados em 2019, criticou cortes orçamentários no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro e ameaçou fazer a “paralisação das atividades” devido a risco de morte na região amazônica.

Cinco desses ataques foram contra servidores na base de proteção etnoambiental Ituí-Itaquaí. “Apesar dos registros em relatórios, boletins de ocorrência e evidências coletadas, nenhuma atitude eficaz foi tomada pela administração”, denunciou o documento, enviado à DPU em 4 de novembro de 2019, um dia após o 8º ataque em pouco mais de um ano.

Os últimos dois atentados relatados ocorreram em um intervalo de apenas três dias em uma escalada de violência, de acordo com o registro assinado pelos servidores da Funai em áreas de índios isolados e de recente contato. “Antes, os invasores se evadiam ao avistar as equipes [de vigilância].

Nos últimos anos, porém, porém, a realidade passou a mudar de forma gradativa, caracterizada pela presença cada vez maior de audácia e violência”, citou o documento.

Após serem avistados na noite de 31 de outubro de 2019 por um colaborador da Funai de plantão, que usa lanterna para inibir invasores de uma área indígena, um grupo composto por seis a oito homens em uma canoa efetuaram ao menos oito disparos na direção da guarita onde estava o plantonista, conforme constatado em áudio anexado à denúncia encaminhada à DPU.

Ainda de acordo com o relato, o grupo de invasores carregava “recursos ambientais de procedência ilegal” em uma embarcação com cerca de 12 m. Na madrugada de 3 de novembro de 2019, três homens em uma canoa com 8 m no rio Ituí atiraram três vezes contra um servidor em uma guarita após o acionamento de alarme sonoro para invasores. Ninguém se feriu nos ataques.

*Ação contra garimpo: possível motivação de assassinato O documento citou o assassinato de Maxciel Pereira dos Santos, colaborador da Funai morto a tiros em setembro de 2019 em Tabatinga (AM), a 32 km de Atalaia do Norte, local de destino do jornalista inglês e do indigenista antes do sumiço. O homicídio nunca foi esclarecido.

O documento cita a ação contra o garimpo ilegal como a possível motivação do crime. Cabe informar que apesar de a relação com parte do entorno da terra indígena ser, desde sua demarcação, de animosidade e divergência de entendimentos, nunca houve relatos de pressão tão intensa contra a Funai.

“Trecho do documento enviado à DPU Exonerado do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai em outubro de 2019, mês anterior à confecção do relatório, Bruno relacionou a sua saída ao combate contra o garimpo.

“Fizemos [em setembro de 2019] a maior destruição de garimpo do ano em região de índios isolados. A última operação de combate à mineração foi na reserva Yanomami. Cheguei à tarde e recebi minha exoneração”, disse à época ao site Brasil de Fato.

O relatório também apontou a inexistência de policiamento eficiente na região, o que facilitava a ação de invasores armados, segundo o texto. E criticou a exoneração de Bruno. “A exoneração sem nenhum motivo conhecido representa um retrocesso histórico da política pública para a proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato”, citou o documento. Em nota, a Funai informou que faz “ações permanentes” de monitoramento, fiscalização e vigilância no Vale do Javari. “A proteção das aldeias é uma das prioridades na atuação da Funai”, escreveu. O órgão não respondeu, contudo, sobre as denúncias de ataques aos servidores.

A Funai disse ter tido aumento de 68,4% de servidores temporários na Amazônia Legal, mas não informou quando foi feito esse reforço. Também disse ter prorrogado a contratação de 640 temporários para atuação em barreiras sanitárias para prevenção da covid-19 em terras indígenas. Procurada, a Presidência da República não se manifestou sobre a denúncia.

Defensor critica precariedade de políticas públicas

“Quando ele [Bruno] saiu após relatar tudo, olhei para o meu assessor e ele estava em estado de choque. Aí, ele disse: ‘Eu estava ouvindo o Bruno falar e fiquei imaginando que ele pode ser assassinado a qualquer momento por lutar pelo que acredita'”, lembrou Renan Sotto Mayor, defensor público da União.

Sotto Mayor criticou a precariedade das políticas públicas de proteção voltadas às comunidades indígenas da região nos últimos anos e também relacionou a saída de Bruno da Funai ao combate ao garimpo.

“O Bruno conhecia o Vale do Javari como a palma da mão e fazia o enfrentamento ao garimpo em áreas indígenas. Com a saída dele [da Funai], essas políticas infelizmente foram diminuindo”, analisa. Mesmo após a saída da Funai, o indigenista continuou na região, prestando assessoria à Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari).

“O Bruno estava ali como se estivesse em atividade privada. Foi a forma que encontrou de lutar pelos direitos dos povos indígenas. A Univaja não precisaria tomar essas atitudes, se o Estado estivesse ocupando a região para impedir ilegalidades”, disse Sotto Mayor.

Segundo o defensor público, a luta de Bruno motivou o encontro com o jornalista Dom Phillips. “Ele sempre acreditou no papel da imprensa. E, por isso, estava levando o Dom Phillips para que a imprensa internacional pudesse verificar a ausência do Estado no Vale do Javari.”

Onde o indigenista e o jornalista desapareceram - Arte/UOL e Folhapress - Arte/UOL e Folhapress

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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