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A ESQUERDA BRASILEIRA: DE UM SÉCULO A OUTRO

A ESQUERDA BRASILEIRA: DE UM SÉCULO A OUTRO

A esquerda brasileira: de um século a outro

A esquerda brasileira tem de forma subordinada, à frente Emir Sader induzir o crescimento econômico uma longa trajetória, já cruzou diferentes conjunturas políticas. Se tomamos as últimas décadas do século passado e as primeiras deste século, podemos encontrar pelo menos três perfis distintos da esquerda brasileira.

Por Emir Sader

Ao longo dos anos 1950 e começo da década seguinte, a esquerda lutava pelo que chamava de reformas de base. Tratava-se de, no marco do processo de industrialização, promover a reforma agrária e a limitação da exportação de lucros, como objetivos imediatos, com um programa nacionalista geral para o Brasil.

Era uma esquerda nacional e popular, apoiada no movimento sindical urbano, de sindicalização rural e do movimento estudantil. Lutava, além disso, por uma política externa independente. Uma esquerda que foi fragorosamente derrotada pelo golpe militar. Não teve capacidade de resistir e foi destruída pela ditadura, tanto nas suas organizações sindicais como nas suas bancadas parlamentares e dirigentes populares.

A ditadura militar impôs a questão democrática como central. Houve uma tentativa de construção de uma esquerda vinculada à luta armada, com guerrilhas, que foi rapidamente derrotada e liquidada. A partir daquele momento, a oposição à ditadura passou a ser dirigida por setores liberais. A esquerda passou a fazer parte, opositora, que passou a comandar o processo de transição democrática, com o fi m da ditadura.

O caráter liberal – e, portanto, limitado – da democratização, que nem sequer conseguiu aprovar as eleições diretas para presidente, levou ao seu esgotamento e permitiu que a direita se renovasse e mudasse a agenda nacional. A pauta neoliberal descolocou a esquerda, que foi derrotada sucessivamente em três eleições presidenciais, sem conseguir impor uma agenda nacional distinta.

O acúmulo de descontentamentos com as políticas neoliberais favoreceu, finalmente, que o PT lograsse convencer a maioria dos brasileiros que o problema fundamental do Brasil não é a inflação, mas a desigualdade social. Foi com esse projeto que o PT finalmente conseguiu eleger o presidente do Brasil e reelegê-los sucessivamente. A nova esquerda no Brasil, a esquerda do século XXI, é uma esquerda antineoliberal. Uma esquerda que propõe a prioridade das políticas sociais no lugar da prioridade dos ajustes fiscais, do neoliberalismo.

Que propõe os processos de integração regional e intercambio Sul-Sul, ao invés dos Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos. E que se propõe a resgatar o papel ativo do Estado, no lugar do Estado mínimo e a centralidade do mercado, para e colocar em prática políticas sociais de redistribuição de renda. Essa esquerda conseguiu, pela primeira vez no Brasil, governar o País ao longo de três mandatos, com mais de 10 anos de governos, eleitos democraticamente. Conseguiu diminuir grandemente as desigualdades sociais e regionais no País.

É uma esquerda que teve sucesso nos seus governos. Conseguiu realizar seus objetivos imediatos, cortando a disseminação generalizada do neoliberalismo. Mas tem um desafi o maior agora, caso consiga efetivamente eleger o Lula de novo. Não bastará o restabelecimento da democracia liberal.

Será necessário democratizar o Brasil, a sociedade brasileira no seu conjunto. Democratizar o Estado brasileiro, os meios de comunicação, democratizar o Judiciário, democratizar as estruturas econômicas, democratizar a vida cultural. Além de que, terá que colocar em prática não apenas um programa antineoliberal, mas pós-neoliberal. Não apenas de resistência e negação do neoliberalismo, mas pós-neoliberal, de superação do neoliberalismo. Tratar-se-á de uma nova fase da história da esquerda brasileira.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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