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GÊNERO E VIOLÊNCIA NO CARNAVAL

GÊNERO E VIOLÊNCIA NO CARNAVAL

Qual a relação entre a expressão de gênero e a no ?

É muito comum na história do Carnaval, ver homens se vestindo de ; até blocos carnavalescos existem com esse tema.

Por Manuella Tyler/FODA/Mídia Ninja

Na Bahia, por exemplo, que tem um dos maiores carnavais do , temos em Salvador-BA, o bloco As Muquiranas, criado em 1965; em Juazeiro-BA, norte do estado, durante muitos anos, existiu o bloco As Poderosas, com a mesma temática.

Essa cultura se fundamenta no pensamento de que tudo relacionado à feminilidade é inferior ao universo masculino. Por isso, um homem utilizando batom, acessórios e roupas femininas é considerado cômico e motivo de zombaria. Fazendo uma inversão de papéis, uma mulher se vestindo de homem não tem graça, pois sendo homem, algo superior e naturalizado, não há motivo para isso ser algo recreativo.

Esse mesmo comportamento faz normalizar a ideia de que ser gay não é um problema, desde que não seja afeminado e delicado. Muitos homens homossexuais reproduzem comportamentos machistas pelo desejo de serem mais aceitos na , sendo que a forma de alguém se portar é inerente ao seu ser e não é algo controlável.

Forçar um controle sobre a energia feminina provoca dor. Por isso, muitas pessoas LGBTI+ sofrem por estar no armário. Não apenas a comunidade, mas até homens heterossexuais são afetados por isso, por não poderem viver sua energia feminina, do cuidar, do sentir. Por isso, é considerado feio chorar e falar de vulnerabilidades.

A misoginia é exatamente isso: colocar o masculino como superior ao feminino. Essa brincadeira de Carnaval é problemática por carregar estereótipos e debochar de mulheres, principalmente de transexuais e travestis. A justificativa é que é uma festa da alegria, e por isso, essa transgressão é permitida. No entanto, os mesmos homens que fazem isso apresentam comportamento de violência.

No Carnaval de 2023, o Ministério Público da Bahia precisou abrir um canal de denúncias, apenas para receber informações sobre as ações praticadas pelos integrantes do As Muquiranas, devido ao histórico de violência não só com a comunidade LGBTI+, mas com todas as mulheres em geral. Os integrantes do bloco, além disso, depredaram patrimônio público, um ponto de ônibus, e tentaram invadir uma boate LGBTI+ em Salvador.

Marcia Teixeira, promotora de Justiça de Direitos Humanos da Bahia, instaurou um procedimento administrativo contra o bloco, que até então é o maior do Brasil a promover isso. Ela fez uma pesquisa que mostrou que 76% dos respondentes diziam ter sido vítimas ou conheciam alguém que tinha sido vítima das violências praticadas.

Contraditoriamente, enquanto no Carnaval usam as identidades trans como chacota, ridicularizando a existência de mulheres trans, o Brasil é o maior país do que consome conteúdo pornográfico com mulheres transexuais e travestis, segundo dados das três maiores plataformas de vídeos +18: Redtube, XVideos e Pornhub.

Ser trans na sociedade em que vivemos é encarar uma realidade em que 90% dessas mulheres precisam recorrer ao sexual de forma compulsória, não por escolha, mas pela falta de acessos básicos à escolaridade, à moradia, à alimentação, à , ao mercado de trabalho e por tantas outras exclusões causadas por preconceitos que ainda reproduzimos. Imagine que no país do Carnaval, a expectativa de de uma pessoa trans é de apenas 35 anos.

Em Juazeiro-BA, em 2024, tivemos a primeira candidata trans ao título de rainha do Carnaval, Valéria Macedo, que com capacidade e mérito ocupou esse lugar com sua própria narrativa, ressignificando tudo isso. No entanto, ao se propor ao título, foi vítima de violência online por um bacharel de direito, que proferiu violência gratuita, mesmo a transfobia sendo crime no Brasil desde 2019.

Portanto, acreditar que travesti é fantasia, é normalizar a violência, a ridicularização e a marginalização desta identidade. Enquanto, no dia a dia, não as empregamos, não damos acesso à , marginalizamos e não as inserimos em nossas vidas.

E isso, é algo que a sociedade faz o ano inteiro, enquanto as travestis, o ano todo, lutam para não se tornarem parte das estatísticas que mencionei anteriormente.

Não seja a pessoa que vai reforçar violências contra mulheres trans, em qualquer dia do ano, mas principalmente por estarmos vivendo essa época, no Carnaval. Não desumanize vidas. No país do Carnaval, que a gente consiga, em conjunto, entender nossa responsabilidade em deixarmos de ser também, o país mais perigoso do mundo para uma trans viver.

Manuella Tyler Medrado é comunicadora, estuda biopolítica na UNIVASF, está graduanda em Odontologia – UNIBRAS e desenvolve projetos que promovem os direitos humanos na sociedade através da ONG Transcender Social e do projeto Salve a Ilha do Fogo e do FonaTrans.

Fonte:  Mídia Ninja Capa: Pinterest

GÊNERO E VIOLÊNCIA NO CARNAVAL
Foto: Reprodução/Shutterstock

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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